Por Caio César | 08/09/2020 | 10 min.
Índice
Série especial
Como já é praxe, a última Semana de Tecnologia Metroferroviária da AEAMESP contribuiu para demonstrar tendências ou confirmar especulações em torno dos rumos do sistema metroferroviário. Neste artigo, queremos discutir especialmente sobre o formato do trem intercidades (também chamado trem regional) desenhado pela CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) e outros atores da esfera privada e institucional. Clique aqui para conferir todos os artigos já publicados sobre a 26ª Semana de Tecnologia Metroferroviária.
Sobre o apresentador
Pedro Tegon Moro preside atualmente a CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), tendo passado anteriormente pela São Paulo Transporte (SPTrans, responsável pelo planejamento e gestão do sistema de ônibus paulistano). Seu ingresso na Companhia se deu no ano de 2007. Moro é formado em Administração de Empresas e pós-graduado em Negócios pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com especializações em PPPs (Parcerias Público-Privadas) pela Fundação Vanzolini e Análise em Viabilidade de Negócios pela Fundação Getúlio Vargas.
Qualificação da mobilidade em escala regional
Pedro Moro relembra que a CPTM realizou um estudo em 2015 voltado à mobilidade regional na Macrometrópole Paulista (mancha formada pelas regiões metropolitana e aglomerações urbanas paulistas, que abrange quase 200 municípios, abrigando ¾ da população e mais de 80% do PIB do estado). O objetivo era ampliar a atuação da estatal com trens regionais (também chamados de trens intercidades) e também atender melhor o crescimento da Macrometrópole e outras regiões do estado, reduzindo a participação do transporte individual.
Moro considera que a pandemia e o fenômeno da ampliação do home office contribui para conferir ainda mais atualidade para o tema. O argumento do atual presidente é que, com a flexibilização proporcionada pelo trabalho remoto, passa a crescer a procura por imóveis localizados fora da capital paulista. A capital paulista, admite, ainda concentra a maior parte dos empregos, provocando um pesado fluxo pendular, composto majoritariamente pelo transporte individual motorizado (80%) em detrimento do transporte coletivo (20%).
Os eixos em direção a Campinas, Baixada Santista, Vale do Paraíba e Sorocaba, devido ao volume de viagens, se tornaram os eixos-chave dos estudos que a CPTM passou a desenvolver para trens regionais.
A concessão da maior linha da CPTM
Embrião privado
Moro explicou ainda que, na esteira dos estudos desenvolvidos a partir de 2015, o governo estadual recebeu uma MIP (Manifestação de Interesse Privado) para fazer a ligação dos quatro eixos e, desde o ano passado, a ligação entre a capital e Campinas foi a que mais avançou até o momento.
Para uma noção rápida do mecanismo, citamos um trecho do artigo “A experiência brasileira de MIPs e PMIs: três dilemas da aproximação público-privada na concepção de projetos” (2004, p. 209):
Permitida desde o advento da Lei de Concessões, em 1995, a elaboração pelo parceiro privado de “estudos, investigações, levantamentos” prévios referentes a intervenções do Poder Público só passou a ser realidade a partir do Dec. 5.977/2006.6 A partir de então, o Brasil experimenta uma crescente utilização destes mecanismos. Do ponto de vista jurídico, no entanto, a situação não está ainda plenamente consolidada. Para uns,falta regulamentação. Para outros, a utilização destes mecanismos ainda é tímida diante do seu potencial para otimizar a estruturação de projetos públicos.
A concessão da Linha 7-Rubi (Brás-Francisco Morato-Jundiaí desde outubro de 2019) já foi objeto de discussões feitas por este Coletivo no passado, que abordou as incertezas, a possibilidade de uma proposta de conciliação para reequilíbrio dos custos e prioridades e até mesmo as intenções de atores do mercado. As falas do atual presidente da CPTM não são uma novidade e traduzem concretamente a noção expressa pelo Banco Mundial anos atrás. O banco de fomento pressionou pelo empobrecimento da infraestrutura ao considerar o projeto conceitual inadequado e exigir o compartilhamento entre um (i) serviço de metrô com pressão pela redução de intervalos e criação de estações; (ii) uma operação de transporte de cargas que representa o sequestro da malha ferroviária nacional para o transporte de commodities, notadamente minério extraído pelo mesmo grupo que controla os trens de carga; e (iii) um serviço de trem regional que precisa operar numa linha de origem centenária, mas entregar desempenho comparável a rodovias muito mais novas, como o sistema Anhanguera-Bandeirantes. Fica como exercício avaliar a interferência do banco em questão, caro leitor ou leitora.
De acordo com a apresentação de Moro, a concessão será patrocinada, ou seja, o governo vai subsidiar — um exemplo de concessão patrocinada é a da Linha 4-Amarela (Luz-São Paulo·Morumbi) — a prestação dos serviços envolvendo a Linha 7, enquanto a concessionária ficará encarregada de operar, fazer a manutenção e desenvolver uma série de obras de requalificação, que, por sua vez, viabilização um TIC (trem intercidades) conectando as regiões metropolitanas de São Paulo e de Campinas.
Moro destaca que um processo de negociação entre a CPTM e a MRS (concessionária privada de parte da dilapidada malha ferroviária federal) visa garantir a melhor operação possível para os futuros trens regionais, para que os serviços possam funcionar segregadamente.
Paradigma proposto
Para minorar a confusão detectada por nós em nossa página, frisamos que a apresentação destaca que três serviços coexistirão entre São Paulo e Campinas:
- Trem intercidades, um serviço de caráter expresso entre São Paulo, Jundiaí e Campinas;
- Serviço de metrô parador entre São Paulo e Francisco Morato;
- TIM (Trem Intermetropolitano), outro serviço de metrô parador entre Francisco Morato, Jundiaí e Campinas.
Atualmente, como é de conhecimento de quem a utiliza, a Linha 7-Rubi opera com dois loops fixos de atendimento, o primeiro entre Brás e Francisco Morato e o segundo entre Francisco Morato e Jundiaí, com pouquíssimos trens diretos, que percorrem os mais de 60 km que separam as estações Brás e Jundiaí. Do nosso ponto de vista, as características dos tecidos não só apresentam diferenças no relevo, renda e tipo de ocupação, como ensejam diferentes intervenções. Identificamos que alguns leitores não perceberam que, na prática, a linha está dobrando de tamanho com a expansão até Campinas, o que, associado ao tipo de tecido existente, torna natural o reforço à operação com dois loops, ou seja, um entre São Paulo e Francisco Morato e outro entre Francisco Morato e Campinas.
O Trem Intermetropolitano é, segundo Moro, um “novo conceito” de trem metropolitano parador, apoiado na Pesquisa Origem Destino realizada pela Secretaria dos Transportes Metropolitanos para a Região Metropolitana de Campinas, que apontou um fluxo relevante de deslocamentos entre Campinas e Jundiaí.
A Fase 1 do TIC corresponde à implantação de um trem regional entre as estações Barra Funda, Jundiaí e Campinas, que precisará vencer 100 km em 60 minutos, transportando apenas passageiros sentados, com serviço de bordo e possibilidade de loops intermediários em Jundiaí (ou seja, viagens mais curtas até Jundiaí, operando como opção seletiva e expressa em relação ao metropolitano). A Fase 2 do TIC corresponde à expansão do mesmo trem regional, atendendo também Americana, o que representa 36 km adicionais.
O TIM terá 65 km e 9 paradas, atendendo as estações de Francisco Morato, Botujuru, Campo Limpo Paulista, Várzea Paulista, Jundiaí, Valinhos, Vinhedo e Campinas. Nós do COMMU consideramos que sua concepção inicial é insatisfatória devido à ausência de mais estações, principalmente em Jundiaí. De acordo com Pedro Moro, as características do material rodante não apresentarão diferença, ou seja, são trens idênticos aos que já conhecemos.
Para a parcela já operacional da Linha 7, a concessão prevê o conjunto óbvio de investimentos (subsistemas, trens e estações, basicamente), os quais praticamente não foram detalhados no material apresentado, infelizmente. Como veremos a seguir, o modelo prevê a mudança do terminal do Brás para Palmeiras·Barra Funda.
Horizonte de implantação
Segundo Moro, a implantação será faseada e dividida em seis etapas, de forma a não paralisar os serviços existentes hoje. De imediato, percebemos que a Linha 7-Rubi deixa de operar até a Estação Brás, o que pode exigir mais transferências. Consideramos que este é o preço a se pagar pelos investimentos insuficientes do trecho que denominamos como a “calha central” da CPTM, situado entre as estações Brás e Lapa, e pelo estrangulamento histórico da Estação Luz.
A operação do TIM, a julgar pela apresentação e falas do presidente da estatal, começa antes da operação do TIC, que será inaugurado numa etapa posterior compartilhando vias com um serviço que deveria ser de caráter metropolitano. O compartilhamento de vias entre o TIM e o TIC não nos inspira grandes expectativas: esperamos intervalos altos, atratividade reduzida e menor resiliência em função dos limites físicos da infraestrutura que estará disponível. As etapas não incluem a segregação dos serviços regionais e metropolitanos entre Campinas e Francisco Morato, o que é absolutamente lamentável.
A segregação do TIM entre Jundiaí e Barra Funda também está visivelmente prejudicada pelo modelo proposto. A adoção do termo “sidings de ultrapassagem” significa que não haverá uma via segregada contínua para o regional, mas apenas vias de ultrapassagem que reduzirão as interferências entre os serviços. Na verdade, o regional vai nascer operando numa única via, ou seja, vai operar em singela e dependerá dos trechos de ultrapassagem para cumprir o tempo de viagem, numa operação bidirecional, isso significa que, em caso de atraso, o trem vai parar e esperar a liberação do trecho entre desvios.
O fato de o modelo proposto implicar sérios limites físicos para a expansão da oferta do TIC, significa que este ficará atrelado à Linha 7-Rubi, o que reforça nossas preocupações, tais como:
- Por quanto tempo o trem regional vai operar em via singela entre São Paulo e Campinas?
- Como garantir o balanceamento entre a oferta do regional e do metropolitano?
- Como garantir a redução do intervalo para 3 minutos, conforme prometido desde os anos 1990?
- Como garantir que, em caso de problemas na operação, o regional não terá prioridade, prejudicando o metropolitano, que transporta mais pessoas, geralmente mais pobres e vulneráveis do que passageiros que podem pagar por um serviço de categoria executiva/seletiva, como é um trem intercidades?
- Como garantir que mais estações serão acrescentadas no trecho do TIM?
- O TIM operará com pelo menos 15 minutos de intervalo nos horários de pico? E fora do pico (vale), qual será o intervalo praticado?
Benefícios esperados
Finalmente, Moro admite, ao destacar os benefícios, que o trem regional deverá contribuir para reduzir a pressão sobre o eixo Anhanguera-Bandeirantes e inverter a matriz de transportes (redução do uso do automóvel em favor do trem). O atual presidente da CPTM também aposta fortemente no aumento dos espaços de trabalho compartilhados e em jornadas mais flexíveis apoiadas no trabalho remoto, citando a experiência da área administrativa da empresa, que hoje conta com 90% do quadro trabalhando de casa. Uma pesquisa interna apontou que, apesar de a adesão ao home office ser considerada positiva, a maioria considera a possibilidade de ir ocasionalmente ao escritório (semanalmente ou quinzenalmente), o que, na visão do executivo, se traduz num aumento da busca por moradias localizadas fora da capital, nas franjas da Região Metropolitana de São Paulo ou em outra região metropolitana.
Vídeo
A seguir, você confere o vídeo da transmissão realizada pela AEAMESP. Observe que se trata de um vídeo de mais de 10 horas de duração, por isso, sua reprodução foi configurada para ser feita a partir do ponto relevante.
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