Candidato propõe transporte sobre trilhos para Barueri, mas discurso tem problemas

Por Caio César | 04/10/2020 | 10 min.

Legenda: Estação Vila União da Linha 15, uma das linhas de monotrilho de São Paulo
VLT, monotrilho e aerotrem são sinônimos? Leia nosso artigo e conheça as principais diferenças

Índice


Introdução

O período eleitoral cria um ambiente farto para a disseminação dos mais variados tipos de ideias, nem sempre com os devidos cuidados. De olho nas candidaturas para as prefeituras e vereanças dos mais de 30 municípios da Região Metropolitana de São Paulo, nós do COMMU fomos surpreendidos pelas falas do candidato Reinaldo Monteiro (PROS), um dos proponentes à Prefeitura de Barueri, na Sub-região Oeste, principalmente aquelas noticiadas pelo Diário da Região, em reportagem intitulada "Candidatos sugerem aero trem contra trânsito em Osasco e Barueri".

A ideia de implantar sistemas de transporte em elevado não é nova, mesmo no Brasil. O Metrô de São Paulo iniciou sua primeira linha com trechos substanciais em elevado, que hoje já estão praticamente cristalizados na paisagem da Avenida Cruzeiro do Sul. No exterior, sistemas em elevado estão presentes em cidades norte-americanas e europeias, mesmo Paris, famosa pela oferta de estações muito próximas umas das outras, possui segmentos elevados, basta olhar, por exemplo, fotografias da Linha 6 (Charles de Gaulle·Étoile-Nation), inaugurada em 1909 e cujo traçado foi modificado pela última vez em 1942.


É tudo a mesma coisa?

Não. Para melhor discutirmos a fala do candidato, precisamos desmistificar a adoção de diferentes termos, que podem fazer referência a diferentes tipos de tecnologias, como se fossem sinônimos perfeitos uns dos outros. A adoção de uma terminologia confusa é um dos primeiros indícios de que o candidato não tem uma ideia clara do que está propondo. Confira o parágrafo abaixo, extraído da reportagem do Diário da Região mencionada no primeiro parágrafo deste artigo (grifos nossos):

Elas trabalham em Alphaville e residem em outros municípios. “Vamos aumentar a oferta de ônibus, com certeza, mas também iremos trazer para Barueri o VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), ou aero trem, ou monotrilho, como muitos preferem chamar”, explica.

Tecnicamente, VLT, aero trem (sic) e monotrilho geralmente não são (ou não deveriam ser) sinônimos.

VLT geralmente é utilizado como sinônimo de bonde moderno, no entanto, sua maior segregação e operação mais próxima de um metrô, fazem com que os termos light rail (em inglês) e metrô leve (em português brasileiro) sejam empregados como sinônimos. Uma linha de VLT não necessariamente precisa ser elevada, na verdade, pela sua leveza e capacidade de operar em ambientes que variam do extremamente urbano para o extremamente suburbano, é mais comum encontrar atendimentos em superfície, não raramente com baixa segregação nos trechos mais centrais e maior segregação a medida que o atendimento se torna mais periférico e, consequentemente, passa a atender locais com menor dinamismo.

Aerotrem é um termo mais complicado. Sua utilização se deu principalmente por Levy Fidelix (PRTB), que já pleiteou a Prefeitura de São Paulo diversas vezes. Em entrevista ao portal Terra, Fidelix relevou que trouxe a ideia da Alemanha. A relação com a Alemanha pode parecer estranha, mas é peça-chave para entendermos de qual tecnologia Fidelix falava ainda em 1996. Conforme reportagem da Veja, “além de dono da Aerotrem TR e de marcas como ‘monotrilho’ e ‘Transrapid’, que registrou no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), Fidelix é consultor da Intamin, empresa suíço-alemã de trens de alta velocidade”.

Agora estamos conectando as partes. O Transrapid é um trem de alta velocidade, que, apesar de muito interessante devido à levitação magnética (maglev), que dispensa o atrito roda-trilho, até hoje tem baixíssima aceitação comercial, sendo principalmente conhecido pela sua utilização na ligação entre o sistema de metrô de Xangai e o aeroporto no distrito de Pudong. A história do Transrapid se cruza com empresas alemãs como a Siemens e a ThyssenKrupp, privadas, a Deutsche Bundesbahn, estatal que precedeu a atual Deutsche Bahn, além de universidades.

Apesar de Fidelix já ter dado declarações contraditórias e se escusado de fornecer detalhes técnicos à Agência Pública, as tecnologias dos monotrilhos em construção em São Paulo não possuem nenhuma relação com o maglev alemão. O Transrapid é um monotrilho, mas de um tipo bastante sofisticado, proprietário (tecnologia detida por grupo restrito) e desenhado principalmente para ligações de altíssima velocidade, na casa dos 400-500 km/h. Não por acaso, como aponta o Estadão, Fidelix também insinuou que um trem-bala entre Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro seria um “aerotrem”.

Grosseiramente, qualquer trem que circula utilizando um único trilho, é um monotrilho, porém, quando se pensa em transporte urbano de massa, monotrilho é sinônimo de uma ou outra tecnologia, geralmente ALWEG (origem alemã) ou SAFEGE (origem francesa), na capital paulista, a Companhia do Metropolitano de São Paulo (METRÔ, usualmente grafada Metrô) tem adotado desenhos que são baseados no ALWEG. Os trens adotam conjuntos de rodas com pneus de borracha, algumas pequenas, posicionadas horizontalmente nas saias laterais e outras de maior dimensão, posicionadas verticalmente. Não é conveniente, exceto talvez por motivos eleitoreiros ou de oportunismo descarado, misturar tecnologias sem relação e cujo escopo de aplicação difere imensamente.

Legenda: Trem estacionado na Estação Oratório, sendo possível observar parte do conjunto de rodas junto à saia, bem como o perfil esbelto das vigas-guias, que formam o trilho no qual o trem circula “abraçado”

Finalmente, apesar de o debate ser inundado por comparações muito simples ou mesmo bastante problemáticas, monotrilhos são opções interessantes pela flexibilidade, sendo capazes de enfrentar rampas íngremes e raios de curva fechados, no entanto, os custos são bastante altos, mesmo para Barueri. Considerando uma notícia oficial de 2014, a Linha 15-Prata (então anunciada como Ipiranga-Cidade Tiradentes), com 26,6 km de extensão, custaria R$ 6,4 bilhões, o que se traduz num valor R$ 172.932.331 por km que, atualizado pelo IPC-A utilizando a Calculadora do Cidadão, seria o equivalente a R$ 242.827.411 por km no Real desvalorizado de hoje (nossa moeda perdeu 40% de seu valor, o que significa que construir a mesma linha hoje custaria quase o dobro).

Legenda: Resultado da correção monetária

De acordo com a Folha de São Paulo, o orçamento anual de Barueri é de cerca de R$ 3 bilhões, ou seja, podemos pensar em alguns cenários rápidos:

  • Cenário 1, gastar tudo: construir 12 km de linha ao custo de R$ 2.913.928.934;
  • Cenário 2, gastar metade: construir 6 km de linha ao custo de R$ 1.456.964.467;
  • Cenário 3, fazer um ferrorama: construir 3 km de linha ao custo de R$ 728.482.234.

A simulação, obviamente, é bastante simples e poderia ficar ainda mais dramática se considerarmos que o Dólar dos Estados Unidos flutuava na casa dos R$ 2,90 naquela época, enquanto hoje flutua na casa dos R$ 5,68. O fabricante do Aeromovel sustentou em maio de 2020 que seu custo é de US$ 20 milhões por km para um sistema em via dupla, ou cerca de R$ 113,6 mil por km, bem mais barato e lembrando os custos da Linha 15-Prata. Considerando uma gestão de 4 anos, com 3 orçamentos em disputa, diríamos que pode ser factível pensar numa linha de 10 a 15 km, ainda assim, é um investimento extremamente alto.


Premissas equivocadas

Para além da questão da escolha da tecnologia, que vai determinar o impacto urbanístico, potencial de capacidade (oferta de lugares/hora), custo por km, custo do material rodante (trens ou outro tipo de veículo) e custo operacional por km depois de finalizada a linha, existem outros aspectos preocupantes na reportagem do Diário da Região. Para uma comparação entre o custo por km de uma linha de metrô pesado e uma linha de metrô leve, confira nosso artigo que discute a expansão da Linha 11-Coral (Luz-Estudantes) até o distrito mogiano de Cezar de Souza.

Num dos parágrafos, a população flutuante de Alphaville é estimada em 140 mil pessoas por dia, com o agravante de que as pessoas “trabalham em Alphaville e residem em outros municípios”. Ora, temos um cenário eminentemente metropolitano, mas a prefeitura só atua localmente. Mesmo que a prefeitura ofereça uma infraestrutura espetacular de integração física, como ela vai garantir a integração tarifária? A tarifa de R$ 3, proposta por Monteiro, foi considerada suficientemente baixa para dispensar integração com os ônibus municipais e intermunicipais? Se sim, gostaríamos de acessar o estudo. Outra pergunta importante: como Monteiro definiu a tarifa de R$ 3?

Temos ainda outras dúvidas sobre a ideia de deixar o carro em casa. Como garantir a efetividade? Oferecer o transporte, por si só, não garante isso. O carro sofrerá restrições de algum tipo?

Finalmente, a ideia de uma estrutura elevada precisa ser muito bem pensada. No caso de um VLT, o elevado é muito semelhante ao de uma linha de metrô pesado convencional, ou seja, o impacto na paisagem urbana é muito parecido, mas a capacidade é inferior. Já monotrilhos baseados no padrão ALWEG podem oferecer elevados menos impactantes (veja algumas comparações entre elevados convencionais e elevados de monotrilhos aqui). Outra opção, não citada pelo candidato, seria buscar a tecnologia proprietária da Aerom, detentora de toda a propriedade intelectual e boa parte do know how associado ao Aeromovel.

Legenda: Vídeo publicitário que descreve objetivamente o funcionamento da tecnologia Aeromovel, publicado no canal Aeromovel Mobilidade Sustentável

Conclusão

No lugar de uma proposta pouco madura, faria muito mais sentido endossar o antigo projeto de linha em “U invertido” que foi ventilado pela CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) anos atrás. Em 2012, em entrevista ao Estadão, Geraldo Alckmin (PSDB), então governador, além de Silvestre Rocha Ribeiro, então diretor de planejamento da CPTM, explicaram:

O ramal sairá da Linha 8-Diamante (Júlio Prestes-Itapevi) da CPTM. “Vai ser uma espécie de um ‘U’. Sai da Estação Barueri, vai até Alphaville e Tamboré, e volta para a Estação Coração de Jesus”, disse Alckmin.

Segundo Silvestre Rocha Ribeiro, diretor de Planejamento da CPTM, essa linha poderá, inclusive, entrar em Carapicuíba, na Grande São Paulo, e terminar em um terminal de ônibus da cidade. “Estamos contratando um estudo para definir isso.”

Pela reprodução do Diário Oficial do Estado de São Paulo pelo Jusbrasil, sabemos que o consórcio responsável pelos estudos era composto pelas empresas Oficina Engenheiros Consultores Associados Ltda. e Setec Hidrobrasileira Obras e Projetos Ltda., entretanto, buscas pelo projeto ou maiores detalhes não foram frutíferas. Além de algumas notícias, incluindo pelo menos uma notícia oficial, localizamos um vídeo postado no YouTube por uma conta sem relação aparente com as empresas. Valendo-se da Lei de Acesso à Informação, o Coletivo, por meio de um de seus membros, registrou um pedido via SIC.SP.

O projeto tinha seus limites e parecia ter sido vocacionado para funcionar como um people mover (outra tecnologia para sistemas metroferroviários leves com operação segregada e automatizada, geralmente em elevado) que conectaria o “núcleo duro” de Alphaville a duas estações estratégicas da Linha 8-Diamante (Júlio Prestes-Itapevi-Amador Bueno). Não se propunha a atender a periferia ou “resolver o trânsito”, mas sim a tornar mais cômodo o acesso aos pontos de interesse que estão localizados no entorno do Centro Comercial Alphaville. Tratar-se-ia de uma linha da CPTM, logo, haveria integração física e tarifária plenas, sem a necessidade de pagar uma tarifa para se transferir de/para a Linha 8 e, muito possivelmente, preservando a integração tarifária com os ônibus, por meio do cartão BOM, adotado nos intermunicipais, ou do esquema macarrônico celebrado com a Prefeitura de Barueri e a Benfica BBTT, que monopoliza parcelas significativas dos transportes urbanos da Sub-região Oeste, atuando em Barueri, Jandira e Itapevi.

O município poderia estudar aportar recursos e dialogar com o governo estadual. Uma operação do tipo people mover, recuperando o papel da linha que a CPTM havia proposto em 2012, não seria má ideia. O sistema pode ser complementado posteriormente, até porque já existe a ideia de construir uma linha de metrô em arco, muito mais cara e complexa. O projeto não aparenta ter dotação orçamentária e claramente não é prioridade no momento.

Para oferecer alternativas de caráter executivo ou seletivo, que também são de caráter metropolitano, discutimos algumas possibilidades em julho de 2020, sendo que a proposta para a CPTM foi abordada mais detidamente na primeira quinzena de setembro de 2020, motivando inclusive a contratação de uma ilustração, reproduzida a seguir.

Legenda: Conceito de trem macrometropolitano partindo de uma estação (Kassio Massa)

Finalmente, é oportuno lembrar que outros atendimentos de caráter metropolitano estão previstos para a Sub-região Oeste por meio do programa de corredores metropolitanos da EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos), que atualmente corre risco de ser extinta. Os empreendimentos envolvem, por exemplo, o BRT Alphaville-Cajamar, empacado há anos.




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