Jornal mogiano sai dos trilhos, minimiza desafios e volta a defender expansão da Linha 11 até Cezar de Souza

Por Caio César | 26/10/2020 | 9 min.

Legenda: Portões da MRS junto à sua passagem de nível e à Estação Estudantes do Trem Metropolitano
O Diário de Mogi publica série especial de reportagens defendendo a necessidade de expansão da Linha 11, mas exagera no tom e no bairrismo. Entenda

A edição de sábado, 24, d’O Diário de Mogi revelou um novo projeto gráfico, mudanças na periodicidade da versão impressa e uma capa anunciando um conjunto de reportagens especiais sobre a Linha 11-Coral (Luz-Estudantes) da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos). As reportagens ocuparam quatro páginas, o que pode parecer pouco, mas para os padrões das mídias regionais da RMSP (Região Metropolitana de São Paulo), é bastante coisa.

Legenda: Diagrama recortando as linhas da CPTM que atendem a Zona Leste da capital e a Sub-região Leste da Região Metropolitana de São Paulo

De cara, a adoção do termo “trem de subúrbio” pela repórter Carla Olivo, incomoda. Consideramos que sua utilização revela anacronismo e é incapaz de descrever os atuais serviços da CPTM, ademais, o termo resgata um paradigma de operação que jamais esteve preocupado em privilegiar deslocamentos internos. Esta postura obtusa do tabloide mogiano já foi motivo de crítica pelo Coletivo no passado. Chama a atenção que Cláudio de Faria Rodrigues, atual Secretário de Planejamento e Urbanismo, conforme exposto no box “Metrô de superfície” (p. 10), diferente do jornal, reconheça que a linha já faz papel de metrô:


A extensão da linha de passageiros transformaria essa rota em um 'metrô de superfície' porque favoreceria o transporte entre as estações Estudantes, Centro (sic), Braz Cubas e Jundiapeba, um ganho para o trânsito, para a economia das pessoas e até para o meio ambiente.

Como é possível evidenciar, na visão de Rodrigues, a extensão só reforçaria um papel que a Linha 11 já desempenha. Neste sentido, as observações do secretário e arquiteto se mostram acertadas. A meta da Secretaria em torno do incentivo de empreendimentos de uso misto também está em conformidade com o Plano Diretor e o papel da Linha 11 e precisa ser apoiada pela sociedade mogiana. Mais do que propagar a confusão entre adensamento construtivo e adensamento populacional, como fez a repórter Eliane José, é preciso qualificar a discussão e demonstrar que verticalização não precisa ser, automaticamente, sinônimo de alta densidade e de imobilidade. Infelizmente, o texto da repórter tentou reforçar a ideia de explosão demográfica.

A mesma ideia estava presente em na opinião do engenheiro ferroviário Mário Edison Picchi Gallego, para quem a “grande demanda de passageiros justifica este trabalho da CPTM” (p. 8). Opinião controversa, pois claramente está apoiada em premissas que supervalorizam a posição de Cezar de Souza no panorama local. Como alertamos recentemente, a empreitada é extremamente dispendiosa, podendo atingir a vultosa quantia de 3 bilhões de reais.

Gallego também mencionou a Linha 9-Esmeralda (atualmente Osasco-Grajaú, grafada incorretamente pel’O Diário como “linha 9-Sul”, provavelmente em alusão à sua predecessora, a Linha Sul), sem, porém, haver menção aos níveis pouco expressivos de demanda durante os anos iniciais da operação das estações do “miolo”, como Berrini, Cidade Jardim e Socorro (esta última também grafada incorretamente, como “Capela do Socorro”). A baixa demanda da Linha 9 significou a manutenção dos padrões de oferta da Fepasa (Ferrovia Paulista Sociedade Anônima), com intervalos de 4 trens/hora (20 minutos em média), situação esta que foi melhorando lentamente e que só foi revertida quando a Linha 4-Amarela (atualmente Luz-São Paulo·Morumbi) passou a oferecer níveis satisfatórios de conectividade em direção à Avenida Paulista e à Praça da República.

Legenda: Tecido da face norte apresenta grandes oportunidades para verticalização (esquerda) e tem atraído novos empreendimentos (direita)

Não é preciso nenhuma análise sofisticada para perceber que Mogi das Cruzes não apresenta um cluster de centralidades capaz de rivalizar com aquelas presentes nas subprefeituras de Pinheiros e de Santo Amaro, como a Vila Olímpia e a Berrini, e que, mesmo tendo um dos melhores centros da região, o município do Alto Tietê está bastante distante de atingir patamares de demanda razoáveis, em outras palavras, se é possível argumentar que o investimento feito na Linha 9-Esmeralda se mostrou acertado nos anos seguintes e que foi feito diante de um processo endógeno de fortalecimento do setor de serviços sofisticados da capital paulista, o mesmo não parece se aplicar a Mogi das Cruzes e à Linha 11-Coral. De fato, se observarmos a disposição dos mais novos edifícios corporativos do município (nomeadamente Dual Patteo Mogilar, Patteo Mogilar Sky Mall & Offices, Concept Offices e Concept Corporate, todos da Helbor), faria muito mais sentido fortalecer a articulação entre a Estação Estudantes e o tecido urbano do vetor norte-noroeste, já a vocação do tripé cultura, gastronomia e boemia exige voltar os olhares para o bairro Parque Monte Líbano, na face sul da estação, o que, cedo ou tarde, vai esbarrar na discussão sobre o uso e ocupação do solo predominantemente residencial na vizinha Vila Oliveira.

Legenda: Gráfico comparativo de demanda da Linha 11-Coral (acumulado janeiro-setembro, 2020 × 2019). Fonte: site oficial da CPTM

Como podemos ver, a demanda das estações de Mogi das Cruzes está bem longe do cenário pintado pelo jornal e a utilização de dados de 2020 só tornou as coisas piores para a reportagem. Por meio de um intrincado processo de tratamento de dados, coletamos, tratamos e comparamos as informações publicamente disponibilizadas pela CPTM para os anos de 2019 e 2020, considerando os meses de janeiro a setembro.

O município, como frouxamente apontado pelo jornal, até hoje não possui integração tarifária entre os ônibus municipais e o Trem Metropolitano (p. 8). A excessiva prioridade ao automóvel, seja pela tipologia viária, seja pela ausência de corredores e faixas exclusivas de ônibus, combinada com uma regulação que permitiu a proliferação de condomínios residenciais sem uso misto nos térreos, além de condomínios fechados horizontais (nomeadamente o Ipoema, em Cezar de Souza, também da Helbor), não demonstra características favoráveis à estimulação de viagens por transporte público. É ingenuidade acreditar que um distrito pouco denso e cujo comércio basicamente se restringe a um punhado de estabelecimentos de apoio à população fixa, vai atrair forte demanda.

Sem fazer a lição de casa, a premissa de redução do uso do automóvel, recorrentemente destacada pelo jornal, não passa de uma carta em branco, mesmo que repleta de boas intenções. Por que não fortalecer a pauta da integração tarifária e intermodal e sondar o mercado para estimular discussões em torno de um desenvolvimento imobiliário mais compacto e de uso misto? Por que não lutar pela implantação de uma faixa exclusiva de ônibus na Av. João XXIII?

Os estudos citados por Adalberto Santana de Andrade, presidente da Associação dos Moradores do Jardim São Pedro, além de não terem o acesso facilitado pelo jornal, exibem valores irreais mesmo para o Real de 2011 (p. 7). A obra da estação custaria a irrisória quantia de R$ 7,3 mil. A disparidade com a realidade é tão assombrosa, que mesmo adicionando mais zeros, seria difícil acreditar numa estação dentro do atual paradigma do Trem Metropolitano por menos de R$ 50 milhões. Para fazer (mais uma) comparação rápida, podemos lembrar que a reconstrução do trecho Itapevi-Amador Bueno da Linha 8-Diamante (Júlio Prestes-Itapevi-Amador Bueno), com a supressão de duas das quatro estações originais, com extensão de 6,3 km, custou a bagatela de R$ 83,5 milhões em valores de 2014. Com a desvalorização do Real na casa dos 40% e a subida estratosférica do Dólar, poderíamos facilmente dobrar o valor e ainda estaríamos sendo otimistas. As estações da extensão operacional da Linha 8-Diamante são frugais, sem cobrança de tarifa, recebem trens obsoletos de quatro carros e jamais estiveram inseridas numa política de desenvolvimento metropolitano e regional, como já criticou o COMMU em 2017.

Para além dos recursos necessários à empreitada, ainda paira no ar o desafio de conciliar assuntos de interesse metropolitano com uma concessão federal de escala nacional. Assim como tem acontecido no caso do TIC (Trem Intercidades) para Campinas, é preciso dialogar com o governo federal e a concessionária responsável pelos trens cargueiros (MRS Logística no caso), questão delicada, burocrática, sujeita a entraves políticos e que em nenhum momento recebeu a devida importância. Tão ruim quanto a postura do jornal foi a nota lacônica da CPTM, que basicamente adotou o caminho mais fácil para driblar o assunto. Se a faixa de domínio e a concessão fossem entraves como apontado na nota, ninguém discutiria trens regionais, o Expresso Turístico não acessaria Paranapiacaba e não haveria circulação do Trem Metropolitano em Ribeirão Pires.

A expansão da Linha 11-Coral precisa ser discutida buscando articulação entre os governos municipais de Mogi das Cruzes e de Guararema e o governo estadual paulista. Sozinha, a expansão não se justifica, é preciso acrescentar uma camada adicional aos planos diretores dos dois municípios e resgatar princípios do PDUI (Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado) da RMSP. A empreitada precisaria priorizar os seguintes aspectos:

  • Fortalecimento de Mogi das Cruzes como centralidade;
  • Intensificação do uso e ocupação do solo ao longo da faixa de domínio;
  • Compactação do tecido urbano lindeiro à ferrovia;
  • Integração tarifária e intermodal;
  • Adoção de paradigmas operacionais e tecnológicos compatíveis com o contexto local e a articulação regional pretendida.

Este último aspecto, outrora rejeitado pel’O Diário, consiste na conversão de todo o trecho mogiano da Linha 11 para metrô leve, utilizando composições do tipo tram-train, um tipo de VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) capaz de apresentar bons níveis de desempenho em faixas segregadas de domínio. A proposta obrigaria a transferência obrigatória em Suzano, mas significaria uma expansão de 22,4 km (distância comparável a toda a Linha 3-Vermelha), entre Estudantes e Guararema, passando por Cezar de Souza, Sabaúna e Luiz Carlos. De forma rudimentar, seriam estas as distâncias aproximadas:

  • 6,5 km entre Guararema e Luiz Carlos;
  • 10,8 km entre Guararema e Sabaúna;
  • 18,3 km entre Guararema e Cezar de Souza;
  • 22,4 km entre Guararema e Estudantes.

Já ventilamos a proposta diversas vezes, como quando, por exemplo, rebatemos pela primeira vez o pleito de uma ciclovia que retira espaço dos trens. Sem dúvidas, seria uma obra grandiosa, que, entretanto, se feita em conjunto com os municípios, poderia revolucionar o Alto Tietê. Mogi das Cruzes poderia comercializar CEPACs para estimular a verticalização do entorno norte da Estação Estudantes e financiar obras no perímetro, incluindo a reconstrução da estação. Há também oportunidades no Mogilar, na face norte da Estação Mogi das Cruzes, como extensão natural do Centro Histórico e Tradicional, que poderiam seguir padrão similar, bem como no entorno imediato da antiga estação de Cezar de Souza e sua passagem de nível, rompendo com o padrão de empreendimento atual, que entrega baixa qualidade urbanística.

Finalmente, Guararema, Mogi das Cruzes e o estado poderiam buscar um arranjo consorciado para o desenvolvimento turístico do tramo leste da Linha 11 entre Sabaúna e Guararema. Um arranjo consorciado também poderia ser possível para o desenvolvimento de um masterplan para a área. Aproveitando o tecido socioeconômico existente e a flexibilização das rotinas de trabalho de parcelas da classe trabalhadora, Mogi das Cruzes deveria buscar capturar a possível movimentação de profissionais altamente qualificados e bem remunerados, principalmente aqueles ligados ao setor de tecnologia da informação. Como sempre destacamos, o município já oferece excelentes bares e restaurantes — já até recomendamos alguns deles! —, permite fácil acesso a serviços públicos e abriga os principais estabelecimentos comerciais do Alto Tietê.




Se você ainda não acompanha o COMMU, curta agora mesmo nossa página no Facebook e siga nossa conta no Instagram. Veja também como ajudar o Coletivo voluntariamente.



comments powered by Disqus