Tatuapé: por uma ciclovia na Itapura (parte 2)

Por Caio César | 05/11/2020 | 4 min.

Legenda: Fotocolagem utilizando diferentes elementos associados à infraestrutura cicloviária, como placas de sinalização, extraídas de diferentes pontos da Av. Ver. Abel Ferreira. O elemento-chave é a placa do cruzamento das ruas Itapura e Tijuco Preto. A bicicleta de fundo estava estacionada na Rua Tuiuti
Críticos continuariam transferindo problemas privados para a esfera pública. Preocupação com o comércio não dialoga com práticas e experiências recentes de planejamento urbano

Série especial

Você está lendo uma série especial de artigos a respeito do Tatuapé e da Rua Itapura. Para visualizar os artigos já publicados, clique aqui. A primeira parte apresenta uma contextualização para a discussão apresentada.

Combatendo a desinformação

Nesta segunda parte, daremos continuidade à contra-argumentação, tratando especialmente da redução das vagas de estacionamento.

Redução das vagas de estacionamento

Uma das reclamações com a qual mais nos deparamos está ligada à ideia de que é dever do poder público garantir que um veículo privado tenha garantia de espaço para estacionar. É preciso deixar claro, de partida, que não existe nenhum dispositivo legal que obrigue a municipalidade a oferecer estacionamento em vias públicas, seja ele livre ou rotativo (a famigerada Zona Azul), em outras palavras, se você é proprietário de um ou mais automóveis, encontrar uma vaga é um problema exclusivamente seu.

Um dos comentaristas elencou possíveis situações em que o automóvel seria indispensável, justificando a necessidade das vagas: (i) intempéries; (ii) horário (ir muito cedo); (iii) visitar parentes; (iv) fazer compras grandes em mercados pequenos; (v) ir numa padaria que fica a dez quarteirões de distância; e (vi) ir no médico.

Discordamos de absolutamente todas elas. A proteção contra intempéries pode ser obtida utilizando vestimentas e acessórios adequados, tais como botas ou galochas e guarda-chuva ou capa de chuva, muito mais acessíveis do que um automóvel. Já a circulação em determinados períodos do dia, como ir à padaria antes do nascer do Sol para comprar pães, não se torna mais segura utilizando um veículo, pelo contrário, agrava a sensação de insegurança.

O poder público também não é obrigado a subsidiar comportamentos declaradamente sedentários. É preciso que a oferta de vagas de estacionamento priorize deficientes e idosos, estes, sim, possuidores de motivos óbvios para restringirem seus percursos. A ideia de que caminhar dez quadras é inaceitável, principalmente num perímetro que apresenta ruas com não mais do que duas faixas de tráfego, com quadras não muito grandes, simplesmente não condiz com a realidade. Estamos falando de uma das áreas mais agradáveis do Tatuapé, não do Plano Piloto, em Brasília, ou da Avenida das Américas, na Barra da Tijuca. Como apontado pelo Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) a partir de dados da Pesquisa Origem Destino, a média de viagens é de 2,3/dia, com uma distância média de 3,3 km e duração de aproximadamente 41 minutos (p. 14).

Já a presença de consultórios médicos, em qualquer uma das ruas mais movimentadas do Tatuapé, só reforça a importância de investimentos na mobilidade ativa.

Em um paper de 2017, a NACTO (National Association of City Transportation Officials, em tradução livre para o português brasileiro, Associação Nacional de Secretários Municipais de Transportes), coalização que reúne líderes de departamentos de transportes das cidades norte-americanas, classificou o resultado de políticas de estacionamentos gratuitos desregulados (lógica que atende quem chega primeiro) como frustrantes e desperdiçadoras, sendo prejudiciais à operação do transporte público coletivo e à logística de pequenas cargas. Para a associação, as cidades já possuem melhores ferramentas para desenhar sistemas de transporte resilientes, entretanto, tais iniciativas ficam reféns de políticas para o meio-fio que favorecem o automóvel (p. 1):

Cities now have the design tools they need to make transit more reliable, but the politics of parking too often stymie the best projects. The results of twentieth-century “first-come-first-served” parking are frustrating and wasteful: transit riders and drivers are delayed by double parking, with an especially large impact on the same vibrant, walkable streets where some of the highest bus and rail ridership is found. Without space for loading, delivery workers and forhire vehicles are both inconvenienced and cause delays to others; people bicycling and walking are put in danger by blocked bike lanes and bad visibility; and drivers cruise for long distances to find parking. Yet these practices have been tolerated for decades, in part because of the politically charged nature of “removing parking spaces” without addressing the underlying mismatch between supply and demand.

A NACTO sugere uma extensa lista de medidas, entre as quais: ampliação do estacionamento rotativo, adoção de métricas acima de mitos, priorização do transporte público em pontos críticos, faixas exclusivas de ônibus que operam nos horários de pico e cobrança baseada na demanda.

Organizações como a WRI Brasil, com base em experiências nacionais e internacionais, têm apontado que o comércio lucra com menos carros nas ruas, contrariando o senso comum de que estacionamentos são necessários para garantir a viabilidade dos negócios. Alguns dos comentaristas repetiram chavões como “no parking, no business” (sem estacionamento, sem negócios), no entanto, a realidade tem se mostrado outra. Boas experiências já foram identificadas na Vila Olímpia.




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