Por Caio César | 27/01/2021 | 5 min.
A mobilidade regional entre as metrópoles e aglomerações urbanas paulistas, pelo menos nas últimas décadas, tem se dado por meio de rodovias, geralmente concedidas e dotadas de múltiplas praças de pedágio. Tais rodovias, quando comparadas com as ligações sobre trilhos existentes, geralmente voltadas para o transporte urbano ou apenas para o transporte de cargas, são mais modernas e apresentam traçado menos sinuoso, conferindo aos seus utilizadores tempos de viagem bastante competitivos fora dos horários de pico.
Considerando a morosidade na implantação de ligações ferroviárias regionais completamente novas, de alto desempenho e elevada competitividade, gostaríamos de sugerir um olhar mais complexo em torno do transporte rodoviário de passageiros, sobretudo considerando a Macrometrópole Paulista e as sedes de suas metrópoles, especialmente Campinas, Santos, São Paulo e São José dos Campos.
Em primeiro lugar, gostaríamos que o transporte regional fosse tratado como parte de uma rede, não de um conjunto ou sistema de linhas operadas em regime de permissão e/ou concessão, para tanto, defendemos que os ônibus deveriam ter prioridade nas rodovias e, se possível, também nos trajetos entre estas e os terminais rodoviários, de forma a garantir previsibilidade e confiabilidade hoje inexistentes. Nos dias de hoje, os ônibus basicamente disputam espaço com todos os outros veículos, incluindo aqueles do transporte individual motorizado, notório pela baixíssima eficiência.
Em segundo lugar, acreditamos que a organização do transporte rodoviário regional numa rede de linhas poderia tornar mais fácil a compreensão dos trajetos pela população. Defendemos que rotas existentes deveriam funcionar de forma análoga às linhas do transporte público coletivo urbano, ou seja, das linhas convencionais que circulam nas cidades. Não parece existir nenhum motivo plausível para que as ligações regionais não possam ser dotadas de números, cores e nomes de fácil identificação, viabilizando a diagramação de toda a malha e a publicização de todos os itinerários, com possibilidade de acompanhamento em tempo real por meio de GPS (sistema global de posicionamento, em tradução livre do acrônimo para o português brasileiro).
Em terceiro lugar, quaisquer linhas que tenham sido prolongadas, possuindo trechos eminentemente urbanos, deveriam ser revistas, ou seja, os trajetos deveriam prezar pela objetividade, ligando dois terminais rodoviários da maneira mais direta possível e, se necessário, com uma ou duas paradas intermediárias, em terminais rodoviários especialmente construídos para tanto, dotados de infraestrutura para intermodalidade, tais como baias para ônibus urbanos, baias para táxis, bicicletários e bicicletas compartilhadas, estacionamento com oferta de carros compartilhados etc.
Em quarto lugar, a sistematização da comercialização de passagens deveria incluir um sistema seguro de registro das transações e de consulta pública, de forma a retroalimentar bancos de dados e iniciativas de modelagem da mesma rede de transporte regional, amparadas também pelos dados de GPS e pela disponibilização de todas as rotas em formato aberto GTFS (formato de arquivos de texto que contém informações de sistemas de transporte, desenvolvido pelo Google), sem demandar, necessariamente, a adoção de pesquisas origem-destino tradicionais de custo elevado. Por sistema seguro de registros com consulta pública, leia-se sistema do tipo blockchain, imutável do ponto de vista das transações validadas. Uma explicação relativamente simples da tecnologia pode ser conferida no blogue do NuBank, do qual extraímos a seguinte passagem:
Blockchain é uma cadeia de blocos onde cada um contém um arquivo e um hash, o que garante que as informações desse bloco de dados não foram violadas.
Todo bloco criado contém sua hash e a do bloco anterior, criando uma conexão entre os blocos. É dessa ligação que surge o nome blockchain (corrente de blocos, em português).
Finalmente, em quinto lugar, no caso dos corredores de maior demanda e potencial estruturador, seja do ponto de vista de uma ligação funcional, seja do ponto de vista do desenvolvimento imobiliário, dever-se-ia buscar arranjos contratuais capazes de darem conta da exploração destes aspectos, com vistas à redução das desigualdades socioespaciais, ampliação da oferta de moradias de qualidade, estabelecimento de rotas de desenvolvimento socioeconômico (ou seja, criação de eixos nos quais há geração de empregos que qualificam a mão de obra e a remuneram adequadamente) e, se possível, num cenário ainda mais ideal, o desenvolvimento de infraestruturas de transporte sobre trilhos, de forma a permitir uma evolução faseada do nível de serviço, tanto em oferta de lugares, como em percepção e posicionamento mercadológico e social.
Considerando que a Companhia do Metropolitano de São Paulo, em posicionamentos que se distanciam de uma atuação historicamente voltada para a construção e operação de metrôs urbanos com alta densidade de passageiros, parece flertar com a construção de linhas de trens regionais (também chamados de trens intercidades) de alto desempenho e completamente novas, associando-se ao capital privado e nas quais a exploração imobiliária seria parte indissociável da empreitada, acreditamos que a discussão suscitada aqui é bastante oportuna.
A discussão proposta pelo COMMU não descarta a possibilidade de operações flexíveis (como rotas parciais ou serviços mistos que possam terminar em locais estratégicos dentro de determinada cidade atendida) e, evidentemente, está longe de esgotar o tema. No passado, já havíamos pincelado o tema quando abordamos a problemática do transporte de caráter seletivo em meio à ausência de ligações ferroviárias regionais, além disso, acreditamos que a chegada de concorrentes em flagrante prática de dumping (comercializar produtos com prejuízo para forçar a quebra do mercado) exige conversas francas sobre qual tipo de transporte todos e todas nós desejamos.
Se você possui interesse no desenvolvimento das ideias aqui apresentadas, não hesite em entrar em contato. Podemos trocar conhecimentos, buscar ajuda mútua na utilização de ferramentas de análise de dados e produção cartográfica e, assim, elevarmos o nível do debate público.
Se você ainda não acompanha o COMMU, curta agora mesmo nossa página no Facebook e siga nossa conta no Instagram. Veja também como ajudar o Coletivo voluntariamente.
comments powered by Disqus