Por Caio César | 29/01/2021 | 5 min.
Muito da cobertura de mobilidade urbana não é nada mais do que uma coleção acrítica de comunicados (ou boletins, também comumente chamados de press releases ou releases de imprensa), ou seja, informações que são fornecidas para veículos de imprensa por um determinado ator da sociedade, seja ele público ou privado. Em outras palavras, a cobertura sobre mobilidade urbana costuma ser, na verdade, mínima, quase inexistente, limitando-se ao papel de mera reprodutora de mensagens alheias, sem apurar, sem criticar e sem enriquecer as informações.
Subindo o tom, a cobertura de mobilidade urbana é, na maioria das vezes, uma farsa e um desserviço, pois se mostra puramente panfletária ou publicitária, o que nos custa muito caro, porque impede a realização de um debate à altura dos desafios que a população enfrenta cotidianamente, além de interferir no comportamento do tecido político, que se torna muito mais propenso a ignorar uma série de problemas.
Por exemplo, quando, em 8 de janeiro, a EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos, em extinção por força de lei) nos enviou um comunicado via correio eletrônico informando que novos ônibus com motor dianteiro (que jocosamente chamamos de carroças ou cabritos) estavam entrando em operação no Alto Tietê, nós enviamos outra mensagem com uma série de questionamentos, até hoje sem resposta:
Temos algumas dúvidas a respeito da tipologia dos novos veículos: por que nenhum deles aparenta possuir motorização traseira, que oferece menos danos à saúde dos motoristas e mais conforto aos passageiros? Se existem impedimentos devido ao viário, a EMTU saberia informar quais são os pontos de estrangulamento que impedem a utilização de ônibus com motorização traseira? Como a EMTU trabalha para estimular a modernização da frota não só em termos de idade média, mas também em termos tecnológicos, adotando tecnologias já consagradas e amplamente testadas?
Como nosso papel não é noticiar, obviamente, não tínhamos nenhuma obrigação de pautar o tema. Não havia e continua não havendo nenhum motivo para noticiarmos acriticamente a manutenção de um padrão de frota com concepção anacrônica. Poderíamos, é claro, tentar identificar os pontos de estrangulamento e de grande declividade ao longo do trajeto das linhas 075 e 273, para identificarmos se, possivelmente, o traçado impede a circulação de ônibus com motorização traseira, no entanto, não o fizemos por falta de disponibilidade de recursos humanos. Francamente, uma análise do tipo é de obrigação do poder público, não da sociedade civil organizada. Nós também não demandamos nenhum mandato, porque o histórico nos diz que a sociedade elege mandatos com baixa capacidade técnica e sem interesse para atuar com pautas de mobilidade urbana, o que exige uma estratégia de pressão para além das nossas atuais capacidades.
Nós do COMMU não podemos, a exemplo de alguns mandatos, gastar R$ 8 mil com consultoria num único mês, na verdade, R$ 8 mil é muito mais do que a maioria de nós ganha trabalhando durante vários meses. E R$ 8 mil ainda é uma fração do que um mandato é capaz de despender, fora a capacidade de formar um gabinete combativo, cuja remuneração não tem relação com a contratação de serviços externos.
Em suma, mais uma vez, instamos quem nos lê a adotar uma postura crítica e engajada:
- Mandatos devem ser cobrados regularmente;
- Veículos de mídia que se transformam em panfletos precisam ser criticados;
- Veículos com caráter crítico precisam ser fortalecidos.
Da parte do COMMU, o fato é que, nós, membros ativos, já discutimos em diversas ocasiões sobre como seria maravilhoso remunerar uma pessoa capaz de produzir conteúdo com regularidade, o que nos permitiria interromper ou filtrar mais criteriosamente a republicação de conteúdo de terceiros, que acaba dominando nossa página no Facebook, no entanto, ainda não há nenhuma perspectiva disso. O modelo de negócio baseado em geração de tráfego com conteúdo de baixo esforço é incompatível com o sentido da nossa existência, logo, só nos restam duas opções: financiamento coletivo ou autofinanciamento, porém, como o autofinanciamento não fornece capacidade para remunerar confortavelmente uma pessoa, só nos resta o financiamento coletivo.
Não definimos os próximos passos, mas precisávamos falar sobre isso. Você, caro leitor ou cara leitora, está recebendo conteúdo de qualidade duvidosa, de diferentes veículos, em diferentes momentos. Você provavelmente não sabe, pois não recebe comunicados de empresas públicas e privadas como nós recebemos, mas podemos lhe garantir que alguns deles são republicados em menos de 15 minutos por sites famosos do meio, sem alterações significativas. O conteúdo é de graça, mas o impacto provocado por ele não é, porque interfere em outras organizações da sociedade civil e, principalmente, nos mandatos.
Não sabemos quanto pagaríamos para um criador ou criadora de conteúdo, mas jamais poderíamos cogitar uma remuneração de menos de um salário-mínimo, o que já seria muito, muito pouco. Atualmente, recebemos mensalmente R$ 15 via PagSeguro (R$ 14, pois a plataforma aufere lucros ficando com uma parte do dinheiro) e R$ 30 via APOIA-se (que também cobra taxas e exige um valor mínimo acumulado para realizar a transferência das doações).
Desde sua criação, em 2014, o COMMU discute o transporte público e as cidades da RMSP (Região Metropolitana de São Paulo). Com o passar do tempo, temos percebido que nossas discussões, na verdade, representam um conjunto de visões para o futuro das cidades nas quais vivemos e depositamos nosso sangue, suor e sonhos. Algumas das visões são mais palatáveis do que outras, mas todas nos parecem necessárias. Nossas visões para o futuro envolvem desde coisas simples, como boas calçadas, mais ciclovias e prioridade para os ônibus no sistema viário, até coisas mais delicadas e complexas, como aumento das ligações de transporte sobre trilhos, desmonte de rodovias urbanas e reorganização do transporte regional de passageiros em todo o estado.
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