Políticas urbanas negacionistas custam vidas

Por Lucian De Paula | 01/02/2021 | 3 min.

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Associação Comercial de São Paulo (ASCP) publica um manifesto negacionista e insiste numa postura sabotadora e apequenada, defendendo o afrouxamento das já frouxas medidas sanitárias

No momento em que o Brasil atinge 221.000 mortes por Covid-19, somos obrigados a lidar não apenas com a inação de um governo omisso, mas com o negacionismo de entidades que se dizem defensoras da sociedade civil, cujas propostas mesquinhas e contraproducentes, se implantadas, significam a sabotagem dos poucos esforços de distanciamento social, uma proliferação maior da pandemia, e um maior número de mortes.

Enquanto na semana de 29 de janeiro todas as regiões do estado de São Paulo se encontram na Fase Laranja ou Fase Vermelha do Plano São Paulo (atividades ou completamente proibidas, ou permitidas com a máxima restrição), a Associação Comercial de São Paulo (ASCP) publica um manifesto negacionista assinado por outras associações de lojistas.

O documento exige abandono parcial das medidas sanitárias num momento em que batemos recordes de mortes (1.386 vítimas da Covid-19 no último dia 28/1), e chega a mentir alegando que shoppings são “alternativa de lazer segura aos finais de semana”. De cunho protecionista e higienista, exigem também que a polícia coíba “a presença de informais”, deixando claro que o clientelismo não é uma preocupação “com o impacto econômico” de maneira geral, como se apresentam, tampouco com os empregos que dizem defender.

Não consta na nota uma única cobrança por políticas mitigadoras, como copiar iniciativas de sucesso de outras cidades do mundo para ocupar vagas de estacionamento ou pedestrianizar ruas inteiras para abri-las ao comércio ao ar livre, mitigando os riscos de contaminação por coronavirus. Iniciativas já parcialmente replicadas no projeto piloto no centro de São Paulo, o Ocupa Rua [link oficial, cadê?], que transformou estacionamentos em locais de refeição ao ar livre. Também não constam cobranças de políticas públicas que garantam a sustentabilidade financeira dos negócios enquanto se cumpre o lockdown, como congelamento dos aluguéis, suspensão dos despejos, auxílio financeiro, compras governamentais, distribuição pelo poder público de máscaras de alta filtragem, etc. nada. Nem ao menos pressão para que haja compra de mais lotes de vacinas e que o programa de imunização seja implementado de forma acelerada.

É inacreditável que a nossa elite econômica, quando se mobiliza para cobrar o governo, exige que este enterre a cabeça na areia e ignore o problema. Se fingirmos que está tudo bem - em nome da economia - então tudo bem morrerem milhares de pessoas por dia. Afinal, seguimos todos os protocolos, mesmo que estes sejam de se aglomerar em torno de uma mesa de bar, sem máscara, num ambiente fechado, mas com um pote de álcool em gel do lado do guardanapo e do ketchup.

Enquanto isso, na mesma semana, 4 mil pessoas puderam se reunir nas arquibancadas de um evento de tênis que precede o Australian Open em Adelaide, Austrália. Isso foi possível porque o país e a região levaram o lockdown à sério (enquanto aqui as medidas eram chamadas de draconianas e inconsequentes) e se encontra sem casos registrados de transmissão de Covid-19 há 12 dias, permitindo a realização de eventos — e a abertura da economia.

Assim marchamos, negacionistas. A construção de políticas públicas baseadas em evidências e dados permanece um sonho distante. Seguimos morrendo aos milhares, cumprindo os ditos protocolos.




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