Por Caio César | 07/03/2021 | 5 min.
Recentemente, um vídeo alcançou mais de 15 mil interações (entre curtidas e compartilhamentos) no Twitter, nele, um trem da SuperVia, concessionária de uma parcela da malha metroferroviária da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, parte superlotado e com portas abertas de uma estação do Ramal Japeri. Para tornar a situação mais dramática, é possível perceber que o passageiro abaixou a máscara poucos segundos antes de o trem começar a partir.
Na mesma data de publicação do vídeo, a SuperVia utilizou o Twitter para justificar a má prestação de serviços, alegando que “em função das fortes chuvas que atingem a Região Metropolitana, com incidência de raios, neste momento o ramal Japeri opera com intervalos irregulares e possíveis paradas para aguardo de sinalização durante a viagem”.
Voltando ao vídeo, várias observações imediatas podem ser feitas:
- O Rio de Janeiro da classe trabalhadora é claramente desconhecido por muita gente nas respostas, mesmo pessoas das metrópoles vizinhas — vide pessoas de São Paulo surpresas nos comentários do tuíte original;
- Apesar da justificativa da SuperVia, há vários comentários indicando que intervalos na casa dos 30 minutos não são uma exceção, o que é simplesmente inaceitável para o tipo de tecido urbano predominante, com ou sem pandemia;
- Mais de uma pessoa manifestou que “máscara não faz diferença nessa situação”, sendo que faz, sim, principalmente uma que não seja de pano, por isso têm surgido muitas discussões sobre máscaras PFF2 e N95;
- Foi possível observar comentários irresponsáveis, utilizando o episódio como uma muleta para desqualificar a importância do isolamento, banalizando ou subestimando os riscos de aglomerações, principalmente daquelas que envolvem atividades que conflitam com equipamentos de proteção, como ir a bares, restaurantes ou mesmo a festas e bailes com consumo banalizado de bebidas alcoólicas;
- Foi possível identificar comentários contendo a ideia de que esse misto de humilhação coletiva, privataria descarada e desinvestimento é sinônimo de transporte público, quando, na verdade, é um projeto; e
- Finalmente, podemos observar a ausência de qualquer menção à Assembleia Legislativa, ao Governo do Estado do Rio de Janeiro e à CENTRAL (Companhia Estadual de Engenharia de Transportes e Logística), que são copartícipes, em conjunto com o eleitorado, no teatro do horror que tem sido a liberalização (eis o termo correto) dos transportes no Rio de Janeiro.
Ao sermos coniventes com os descasos que permeiam, das mais diferentes formas, a mobilidade urbana nas milhares de cidades do nosso país, isentamos a classe política, isentamos a nós mesmos e normalizamos a destruição do futuro de milhões de pessoas. Em mais de uma ocasião, já escrevemos sobre isso, como foi o caso em janeiro e também em dezembro do ano passado.
No Rio de Janeiro, o sistema da CENTRAL, privatizado por meio de um contrato ruim de concessão no fim dos anos 1990, há muito revela ser uma máquina de moer gente, que embrutece e corrói o futuro da população dos subúrbios. Na verdade, deveria servir de alerta o estado lastimável da malha concedida à SuperVia, que só não está pior porque o governo fluminense — o governo, não a concessionária, sublinhamos — adquiriu alguns trens chineses.
Feito o alerta, gostaríamos de aproveitar para refrescar a memória de paulistas que ficaram impressionados, principalmente paulistas que se orgulham de votar em partidos de oposição para a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo: há alguns anos, três linhas da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) estão na mira de duas concessões (uma delas suspensa recentemente).
Uma das concessões já está com tramitação avançada, assim, gostaríamos de lembrar moradores de Osasco, Carapicuíba, Jandira, Barueri e Itapevi que o futuro de vocês ficará nas mãos de uma concessionária por, pelo menos, trinta anos, mas não apenas moradores de algumas cidades da Sub-região Oeste serão afetadas, como as linhas 8-Diamante (Amador Bueno-Itapevi-Júlio Prestes) e 9-Esmeralda (Osasco-Grajaú) ainda atendem parte das zonas Oeste e Sul, moradores de uma série de bairros, incluindo Santo Amaro, Interlagos e Grajaú, também terão suas vidas afetadas pelas próximas décadas.
Já a outra linha afetada, 7-Rubi (Luz-Jundiaí) está patinando para ser concedida, pois o governo prevê concedê-la à iniciativa privada como parte de um trem regional capenga, que nos presenteará com baixo desempenho e baixa resiliência pelas próximas décadas. Até a empresa responsável pela parte provinciana da malha de metrô já parece saber que o modelo adotado pela CPTM é uma porcaria, tendo apresentado uma proposta muito mais arrojada — e que se traduz num risco adicional, uma vez que pode significar canibalização por meio de concorrência predatória e erosão dos princípios de solidariedade e complementaridade que são esperados em redes decentes de transporte público.
Até o momento, a oposição na Alesp não teve nem a dignidade de comentar os editais, mesmo quando torpedeados, assim, aproveitamos também para convidar quem vota no PT (Partido dos Trabalhadores) e no PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) a fazer o exercício de pesquisar no Twitter por CPTM from:NomeDaArroba
ou trem from:NomeDaArroba
. Serão poucas manifestações por parte de nossos nobres parlamentares, que embolsam centenas de milhares de reais ao fim de cada mandato, podemos garantir.
Finalmente, um último alerta amigável: hoje, é o carioca sofrendo na mão de uma concessionária, amanhã, será você, paulista trouxa, que passa pano pra Linha 4-Amarela, ignorando ou desconhecendo o teor garantista e lesivo daquela concessão patrocinada.
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