Por Caio César | 11/07/2021 | 6 min.
Quase uma semana após reportagem do Estadão tratando de um possível imbróglio judicial, o secretário Alexandre Baldy (Progressistas), utilizou o Twitter e publicou a declaração em resposta ao perfil São Paulo YIMBY.
Nunca houve e não há troca ou substituição de projeto. Muito obrigado https://t.co/AHd6MnkWFw
— @alexandrebaldy (@alexandrebaldy) July 10, 2021
Então, fica o nosso questionamento, que se soma às várias perguntas do site Metrô CPTM, também não respondidas por Baldy ou outro representante da pasta de transportes metropolitanos do governo paulista: se o cancelamento da Linha 18-Bronze (Tamanduateí-Djalma Dutra), a despeito da existência de um certame com vencedor já determinado há anos, balizado por um projeto que, inclusive, foi em parte custeado pelo erário são-bernardense, de forma a favorecer um projeto privado de BRT (Bus Rapid Transit ou transporte de massa por ônibus, em tradução livre para o português brasileiro), proposto pela única concessionária existente em toda Área 5, que tem operado e mantido o Corredor Metropolitano ABD (São Mateus-Jabaquara) desde 1997, não implica troca ou substituição de projeto, do que se trata, afinal?
Para tornar realidade a Linha 18, o prefeito de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho, atual presidente reeleito do Consórcio Intermunicipal Grande ABC, foi responsável pelo investimento de R$ 1,3 milhão, em 2009, para a elaboração do projeto funcional do monotrilho. A iniciativa foi fundamental para agilizar o processo junto aos governos estadual e federal.
Ainda que se argumente que as últimas decisões do Executivo paulista, dirigido por João Doria (PSDB), visam apenas renovar um contrato com novas contrapartidas por parte da Metra, empresa de ônibus de propriedade de uma oligarquia que possui outras empresas permissionárias na mesma Área 5, há brechas para outros entendimentos.
E, com isso, não queremos dizer que Baldy ou Doria estão agindo de maneira corrupta, porém, acreditamos que esgarçar um contrato de 1997, que envolvia apenas a operação e manutenção de um corredor projetado e construído pela EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos, em risco de extinção por força da Lei 17.293/2020) na década de 1980, para que este inclua uma ampliação substancial da infraestrutura e dos ganhos de monopólio da Metra, ferindo os interesses de um contrato firmado com outro grupo empresarial, não é uma medida acertada, a despeito de quão sedutora talvez tenha sido por uma ótica estritamente fiscalista.
O COMMU considera que, ao aceitar a proposta da Metra, o governo substituiu um projeto submetido aos ritos burocráticos tradicionais por uma solução turnkey às avessas, na qual um operador privado preexistente, pelo poder que passou a concentrar, contrata ele mesmo os estudos de engenharia e as obras civis, tirando dinheiro do próprio caixa. Recentemente, Baldy chegou a comparar o polêmico aditivo com a prorrogação do contrato de concessão da Malha Paulista, feito pelo Governo Federal, no entanto, entendemos que há falsa simetria, pela brutal ampliação de escopo presente no primeiro em comparação com o segundo, além disso, a concessão da Malha Paulista é um dos maiores fracassos da história brasileira, sendo marcada pela dilapidação do patrimônio ferroviário das extintas RFFSA (Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima) e Fepasa (Ferrovia Paulista Sociedade Anônima) por diferentes empresas privadas focadas no transporte de cargas de baixíssimo valor agregado (leia-se commodities agrícolas e minerais), com diversos acidentes e autuações ao longo do percurso.
A manutenção dos ganhos de monopólio da Metra, além de se sobrepor às audiências públicas, executadas sob responsabilidade da Companhia do Metropolitano de São Paulo (METRÔ, usualmente grafada como Metrô), ao interesse legítimo do povo de São Bernardo do Campo, expressos enquanto o Executivo era encabeçado por Luiz Marinho (PT), arrisca condenar algumas das principais economias da Macrometrópole Paulista a uma solução de mobilidade inferior, com impactos que poderão superar (e muito) os milhões que a atual gestão pretende deixar de despender.
Considerando a história de Franco Montoro, não é exagero afirmar que São Paulo está nas mãos dos tucanos desde o início da redemocratização. O povo paulista tem, a cada quatro anos, confiado os rumos do estado ao PSDB. Para fins eleitorais e políticos, o BRT ABC ameaça a continuidade do domínio tucano, aumenta o coro da extrema-direita e do bolsonarismo (com a qual João Doria rompeu), se soma a outros embates regionais (como a luta contra o pedágio que tem sido travada em Mogi das Cruzes) e abre espaço para futuras candidaturas ou soluções governativas de centro ou centro-esquerda, inclusive fortalecendo o ex-governador Geraldo Alckmin, que já defendeu a Linha 18 em 2020.
Qualquer pessoa que diga que o BRT ABC tem potencial para entregar melhor oferta está mentindo. Qualquer pessoa que defenda o modelo de Bogotá como uma resposta adequada para entrega de maior capacidade com menor custo, está negando as características do tecido atendido e o caráter de um projeto que já está pronto e já foi apresentado. Durante sua história, o COMMU tem rechaçado comparações oportunistas e desqualificadas, que tentam substituir sistemas metroferroviários por corredores de ônibus com um punhado de tecnologias inspiradas nos sistemas sobre trilhos. Fizemos comparações, ensinamos um cálculo simples de capacidade × hora e escrevemos diversos artigos importantes sobre a Linha 15-Prata (atualmente Vila Prudente-São Mateus, futuramente Ipiranga-Jardim Colonial). E mais: qualquer pessoa que diga que o BRT ABC será mais rápido está desrespeitando a sua e a nossa inteligência, pois já se sabe que os tempos de viagem serão 55% superiores ao monotrilho quando utilizando os serviços expressos do futuro BRT em comparação com um monotrilho que seria completamente parador.
De uma vez por todas, que fique claro: ônibus não são trens. Ônibus são ônibus! Que se repita em alto e bom som, se necessário for.
É preciso que a sociedade civil continue a pressionar seus representantes eleitos e que não deixe de instar a oposição a se posicionar vocalmente contra o BRT ABC. São Bernardo do Campo não pode ficar refém de uma família secular de operadores de ônibus, que não satisfeitos em operar serviços de baixíssimo padrão com veículos rústicos de motorização dianteira e sistema isolacionista de bilhetagem, utilizam o capital acumulado para sabotar as vidas de milhões de habitantes da Região Metropolitana de São Paulo que moram, trabalham, estudam, consomem e/ou desfrutam não só no município de São Bernardo do Campo, mas também nos municípios de Santo André e São Caetano do Sul, além da capital paulista.
Finalmente, como também já discutimos no passado, a Linha 18-Bronze nunca foi uma “bala de prata” capaz de solucionar todos os problemas de mobilidade de uma região tão complexa e mal urbanizada como o Grande ABC, entretanto, entregaria maior capacidade, não estaria sujeita a interferências (como cruzamentos em nível ou inundações), estaria dentro de um arcabouço jurídico-institucional que facilitaria integração física e tarifária plenas (ou seja, sem cobrança de tarifa) com o restante da rede metroferroviária na Estação Tamanduateí e, por ter perfil elevado, a exemplo da Linha 15-Prata, permitiria a circulação de bicicletas.
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