Frente com verniz progressista divulga petição de caráter reacionário e ataca críticos no Twitter

Por Caio César | 16/08/2021 | 8 min.

Legenda: Logotipo do COMMU
Favorável ao adiamento da revisão do Plano Diretor Estratégico (PDE) da capital paulista, a denominada “Frente São Paulo Pela Vida” defende gabarito de 10 metros de altura para quadrilátero em Pinheiros por meio de abaixo-assinado eletrônico

Valendo-se de uma lista com 490 organizações sociais signatárias, a Frente São Paulo Pela Vida argumenta no Twitter que suas entidades estão indignadas com “a velocidade e extensão das obras de edifícios em Pinheiros” e que o “Bairro” (sic) precisa ser preservado contra o que seria uma “verticalização inadequada no único quadrilátero horizontal”.

Houve reação. Membros do COMMU e outras pessoas que conhecem nosso trabalho começaram a rebater o teor da petição, que busca preservar um quadrilátero na área de influência direta da Estação Fradique Coutinho da Linha 4-Amarela (Luz-São Paulo·Morumbi). Área considerada “nobre” e disputadíssima.

A conta São Paulo YIMBY do Twitter também parece ter contribuído para que o absurdo se espalhasse, atraindo também setores progressistas adeptos de vertentes do liberalismo econômico. O resultado é que a maioria das reações foram contrárias, a despeito de o abaixo-assinado já contar com mais de mil assinaturas.

Legenda: Destaque para o principal retuite comentado feito pelo São Paulo YIMBY

Nosso integrante Lucian De Paula, anuindo com a noção de que o aumento da oferta de moradias no quadrilátero não é uma ameaça à vida em São Paulo, salientou que, se há vida sofrendo ameaça, esta se encontra no entorno dos mananciais, justamente por causa de movimentações e abaixo-assinados como esse. Para o arquiteto e urbanista, não tem cabimento esse bucolismo na cidade. De Paula tem outra sugestão para Frente: no lugar de evitar que pessoas morem perto de uma estação de metrô, que se lute pela proibição de garagem em todos os novos empreendimentos — caso a preocupação com trânsito seja uma prioridade das entidades.

Ao ser questionada sobre o significado dos termos “verticalização inadequada” e “preservar”, ao passo que também era acusada de ventilar ideias atrasadas e elitistas, a Frente desafiou a inteligência alheia:


Não somos contra a verticalização, somos contrários à predação da cidade em nome de interesses de setores do mercado imobiliário. Preservar espaços horizontais é compatível com a verticalização, mas não da forma que ocorre na cidade de São Paulo hoje.

Ora, mas a petição compartilhada é absolutamente contrária à verticalização, além de também envolver a predação da cidade em nome de interesses de setores do mercado imobiliário, no caso, de proprietários segregacionistas e que adotam postura especulativa ao promover artificialmente a escassez, fazendo lobby para que a oferta de unidades não possa ser ampliada.

Diante da resposta, os integrantes Caio César e Lucian De Paula sugeriram que a petição passe a adotar uma redação coerente, uma vez que a atual está coletando assinaturas para um objetivo diferente daquele que a Frente diz defender.

O perfil da Frente, de maneira eticamente questionável, chegou a capturar um dos compartilhamentos comentados para atacar um dos críticos, postura esta que rechaçamos com todas as nossas forças, uma vez que utilizou populações vulneráveis das periferias das zonas leste e sul, supostamente representadas por meio de entidades signatárias, para deslegitimar o contraditório e associá-lo com um espantalho mercadológico.

A lista das organizações signatárias foi compartilhada usando uma hiperligação que apontou para um arquivo PDF (formato de documento de alta portabilidade) no serviço Drive do Google. Seus metadados apontam que a conta proprietária é de Karina Cárdenas, que chegou a se envolver em discussões no Twitter, mantendo uma linha acusatória desonesta e com pouco nexo na realidade.

Legenda: Detalhe da ficha de metadados do Google Drive

Mais uma vez, nosso integrante Lucian De Paula questionou a atitude, considerando muito desonesto que a Frente, se valendo de movimentos de moradia, sem teto e ecossocialistas, opte por empurrar uma campanha elitista que quer proibir adensamento e qualquer coisa com mais de 10 metros de altura do lado do metrô. Para De Paula, os integrantes da Frente envolvidos na defesa intransigente do abaixo-assinado provocam espraiamento, defendem privilégio e se dizem pró-movimentos sociais.

Nosso integrante Thiago de Thuin também teceu considerações. Para Thuin, um grupo de terratenentes, se vendo na ameaça de perder seus privilégios, não é um movimento por moradia, ainda mais quando a meta é explicitamente manter baixa a densidade demográfica num bairro central com metrô. Thuin também não descarta que as grandes construtoras e incorporadoras sejam horríveis, mas que, se o são, não é por conta da verticalização e sim por conta de prédios carristas, cheios de muros cegos e garagens.

Em linha com a produção de conteúdo e bandeiras do Coletivo, Thuin afirma que um movimento proibindo tais práticas mercadológicas seria fantástico, e que outras opções seriam ainda a exigência de uma fração de moradia social junto aos empreendimentos, além de aumento do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).

Como temos buscado alertar e apontar em artigos recentes, estamos diante de uma narrativa promotora de uma “São Paulo de Schrödinger”, o que não passa de um oximoro, uma noção paradoxal e inatingível de cidade, que só serve para defender o status quo e posturas conservadoras segregacionistas.

Introdução Começo este artigo dizendo que as discussões mais importantes parecem surgir pelos motivos mais errados. O caso do adensamento e da verticalização numa das mais populosas regiões do estado de São Paulo, não é exceção. E não é a primeira vez. Contexto: a Porte, uma construtora sediada no Tatuapé, responsável pela verticalização de parcelas relevantes da região, com um passado talvez não muito brilhante em termos arquitetônicos, decidiu que viraria a página: adotou uma linguagem arquitetônica mais contemporânea, passou a ser mais cuidadosa e decidiu incorporar uma espécie de “espírito bratkeano”, tomando para si o desafio de estimular o surgimento de uma “Berrini local”, batizada de “Eixo Platina”, em alusão à Rua Platina, paralela à Radial Leste.

O que tem ficado evidente é que parte da esquerda não defendia o Plano Diretor Estratégico aprovado durante a gestão Fernando Haddad (PT), mas sim o próprio Fernando Haddad. Com sua saída, a necessidade de aprovação incondicional para fins políticos deixou de ser necessária. As diretrizes promovendo o adensamento e verticalização junto a equipamentos e infraestruturas de mobilidade urbana, caso da Estação Fradique Coutinho, passaram a ser objeto de disputa, revelando hipocrisia, mau-caratismo e falta de compromisso com a construção de uma cidade para pessoas.

Gostaríamos de convidar as organizações signatárias para repensarem sua adesão à Frente, inclusive pela ótica da necessidade de adiamento da revisão do PDE. Como também apontamos em artigo recente, uma série de outros processos associados ao planejamento territorial continuam em andamento, além disso, as atividades legislativas e executivas, assim como as vidas da maioria, não foram paralisadas. Pode ser um engodo.

É importante que os movimentos e organizações com raízes nas nossas periferias avaliem se a tentativa de congelar ou dificultar modificações em um quadrilátero de Pinheiros realmente contribuirão para o aumento da oferta de moradia e para uma cidade mais justa. Se a questão realmente tivesse uma perspectiva de classe, buscando ampliar o acesso à moradia para segmentos de baixa renda, o abaixo-assinado não deveria ter outro teor?

Lamentamos que parcelas da sociedade adotem estratégias tão torpes para promover pautas retrógradas. Problemas são resolvidos quando os dissecamos de maneira aberta e honesta. A questão não envolve a preservação de fachadas ou de negócios. A questão não envolve aumento da pluralidade de usos e/ou de rendas. O teor do abaixo-assinado tem caráter rodoviarista, se preocupando excessivamente com o trânsito quando a região é bem servida de transporte público e está a pouquíssimos metros da Avenida Rebouças.

É irônico que tudo isso tenha acontecido pouco tempo depois da viralização de um trecho de uma entrevista do Spotniks que, entre as pessoas convidadas, tinha a deputada federal Tabata Amaral (sem partido). No excerto, Amaral denuncia a existência de uma esquerda incompetente e corporativista, incapaz de observar o que chamou de “interesses difusos”, se referindo a pautas de setores da sociedade que não contam com sindicatos e outras organizações com capacidade de lobby. Não teria sido esse abaixo-assinado mais uma demonstração de incompetência, corporativismo e negligência às pautas urbanas dos menos favorecidos?

Legenda: A fala da deputada foi compartilhada por Pedro Menezes, economista que participou como entrevistador

Finalmente, poderíamos estar diante de uma iniciativa inédita para um quadrilátero modelo, talvez fortemente orientado para o pedestre e com uma logística cuidadosa de cargas, reduzindo ou eliminando a circulação de automóveis, com vistas a tentar estimular maior convívio entre diferentes classes, sem necessariamente dinamitar os estabelecimentos comerciais existentes. Não foi o caso. Perde São Paulo.


Colaborações: Agradecimentos a todas as pessoas que se engajaram no Twitter contra a hipocrisia elitista



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