Por Caio César | 03/10/2021 | 14 min.
Índice
Prólogo
Recentemente, uma discussão entre os membros Caio César e Tiago de Thuin acontecia no grupo fechado do COMMU no Telegram. O assunto era a verdadeira “sinuca de bico” da construção de ligações ferroviárias regionais verdadeiramente competitivas, principalmente entre as regiões metropolitanas de São Paulo e da Baixada Santista. Se você suspeita que o futuro trem intercidades entre São Paulo, Jundiaí e Campinas já é tacanho, confira o exercício de tentar repetir o modelo mirando em cidades como Santos, São Vicente ou Praia Grande.
Contextualização
A discussão começou após a apreciação de um voto de 31 de agosto, do Ministério Público vetando a extensão da concessão das rodovias do SAI (Sistema Anchieta-Imigrantes), divulgado pelo perfil São Paulo YIMBY no Twitter. Não é a primeira vez que, numa atividade cidadã, temos contato com votos, decisões ou comentários ligados ao Ministério Público do Estado de São Paulo e discordamos abertamente do teor, assim, não foi diferente ao nos depararmos com a interpretação de um suposto problema, na página 25 do voto:
O Sistema Anchieta-Imigrantes, assim, está obsoleto há muito tempo. Não comporta adequadamente o elevado número de automóveis que dele se utiliza, em especial para o turismo em épocas de feriados prolongados, sendo necessárias mais de seis (6) horas de viagem para vencer um percurso de menos de 60 quilômetros entre a Capital e a Baixada Santista; bem como não suporta o enorme afluxo de veículos pesados, máxime em períodos de safra da produção agrícola nacional, ocasionando intermináveis filas indianas de caminhões que buscam o cais do Porto de Santos para a exportação de mercadorias, em fomento ao comércio exterior do Brasil.
A conclusão de que o SAI atingiu saturação tal a ponto de estar obsoleto, se deveu após, entre outros elementos, a menção a um fluxo superior a 600 mil veículos no SAI em direção ao litoral durante 27/12/2019 e 01/01/2020, com base em dados do site ABC do ABC.
E a solução oferecida pelo procurador foi, obviamente, simples, objetiva e, ao nosso ver, incorreta:
Mais uma solução rodoviária (e rodoviarista)? Não, por favor, não! E, diante do absurdo, começamos a discutir a importância de recuperarmos o transporte sobre trilhos entre as duas metrópoles.
Mairinque-Santos é perda de tempo
No que diz respeito ao transporte de carga, suspeitamos que é possível triplicar a capacidade de carga da antiga EFS (Estrada de Ferro Sorocabana), com mais ou menos a capacidade que a nova autoestrada possuiria, apenas com investimentos em sinalização e um pátio novo (a premissa é de que o tráfego atual é de 12 trens cargueiros/dia, no máximo, 18 trens cargueiros/dia, sendo que daria para ampliar a oferta para mais de um trem/hora, se o pátio embaixo fosse melhorado). Atualmente, na falta de pátio para receber os trens, foram colocando mais armazenagem no lugar de trilho.
Além da velha EFS, cujo transporte de carga é objeto de concessão desde os anos 1990, e atualmente está nas mãos da Rumo, com o Ferroanel Norte seria possível migrar a carga destinada ao Porto de Santos, enviando-a para Sepetiba, onde não tem cidade para atrapalhar e a baía é bem mais funda.
A referência à EFS diz respeito à Mairinque-Santos, que está totalmente operacional, em via dupla e com bitola larga. Para cargas, é funcional, mas para um trem de passageiros sair de São Paulo e ir a Santos, seria uma bela volta, e com geometria ruim pra aumentar a velocidade, para não dizer que, além do traçado atualmente operacional, acessar a Mairinque-Santos seria um capítulo à parte, porque ela não passa por São Paulo, o que poderia exigir uma linha nova até Embu-Guaçu.
A situação da descida pela Sorocabana reforça que o escoamento de cargas pela antiga Santos-Jundiaí, utilizando o trecho a cremalheira que se inicia na turística vila de Paranapiacaba, em Santo André, não vai acabar, no entanto, o transporte de cargas não é como o transporte de passageiros: para a maioria dos casos, não faz diferença se o trem demora duas ou dez horas.
E a Estação Evangelista de Souza, que conectava a Mainrinque-Santos e o antigo Ramal de Jurubatuba da Fepasa (Ferrovia Paulista Sociedade Anônima), que iniciou sua guinada rumo à metronização ao ser transformado na Linha Sul do Trem Metropolitanos e, posteriormente, nas linhas C-Celeste e 9-Esmeralda, já sob responsabilidade da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), como se encaixa no quebra-cabeças que estamos tentando montar?
Em primeiro lugar, a Estação Evangelista de Souza está localizada depois da Estação Varginha, que passa por um processo de reconstrução como parte de mais um esforço de prolongamento dos serviços metropolitanos da Linha 9-Esmeralda, de forma bastante similar aos que foram feitos quando houve a supressão das viagens entre Jurubatuba e Grajaú, eliminando o tráfego em bitola métrica e a utilização de antigas estações com estruturas precárias de madeira, que jamais deveriam ter ido além de uma operação provisória. Em segundo lugar, o trecho entre Evangelista de Souza e a Mairinque-Santos, avançando ainda mais no extremo sul de São Paulo, foi dilapidado: há, se muito, vestígios do antigo posteamento. Em terceiro lugar, alguns pontos do leito, que segue preservado, apresentam ocupações.
O abandono do trecho se reflete no Google Maps e Google Earth, em que, na altura do cruzamento entre a ferrovia e o Rodoanel Mario Covas, a via é legendada como “Via CPTM” a norte e “Via Ferroban” a sul. A concessionária privada Ferroban (Ferrovia Bandeirantes Sociedade Anônima) operou entre 1998 e 2002, ou seja, a legenda está com quase 20 anos de atraso.
Intuitivamente, é fácil pensar que “o resto do leito tá aí” e que bastaria pensar numa espécie de expansão a partir da nova Estação Varginha da Linha 9-Esmeralda, afinal, praticamente não demandaria desapropriações em área urbana, que são um dos maiores custos em obras metroferroviárias, porém, não é tão fácil, além da questão ambiental (ou pretensamente ambiental, uma vez que negligenciamos o entorno das represas Billings e Guarapiranga), para a qual levar um transporte robusto, numa situação em que morar é um desafio e tanto, poderia representar um agravamento ainda maior da situação, há outro problema: mesmo recuperando a descida pela Linha 9 e recuperando a conexão desta com a Mairinque-Santos, os tempos de viagem continuariam muito ruins.
De fato, encontrando um relato de época, produzido no fim dos anos 1990, é muito fácil concluirmos que uma viagem de trem entre Santos e São Paulo demorava muito, vide a passagem “a saída de volta também se deu pontualmente, às 17h30” e também “entre 20h30 e 21h, chegamos ao final da viagem, no terminal da Barra Funda”. Assumindo que o viajante iniciou a viagem de volta pela mesma estação em que desembarcou (Ana Costa), sua viagem entre a Barra Funda, então uma estação cujas edificações tinham cerca de dois anos de idade, e Santos, levou, com otimismo, 3 horas.
Segundo o Shopping News, 16 Dez. 1990, a saída do terminal da Barra Funda (SP/SP) foi transferida das 6h35 para as 8h15, o que permite usar o metrô para chegar lá. A composição chega ao terminal de Santos às 12h05 e torna a partir às 17h30, o que permite apreciar a paisagem também na volta, — pelo menos durante o verão, pois ainda é dia claro, — chegando a Barra Funda às 20h55.
Ora, com base no parágrafo acima, extraído da mesma fonte, temos que: 8h15 às 12h05 = 3h55 de viagem e 17h30 às 20h55 = 3h25 de viagem, num cenário em que a oferta do Trem Metropolitano era bem menor, principalmente no que hoje é a Linha 9-Esmeralda. É triste admitir, mas mesmo com um trem pendular, um traçado do tipo levaria mais de 2 horas, o que reforça nossas suspeitas de que não seria competitivo em comparação com as atuais opções rodoviárias, como os ônibus que partem da rodoviária integrada à Estação Jabaquara, exceto quando da ocorrência de severos congestionamentos.
Trens intercidades precisam ser velozes
Diante da situação e da nossa antipatia em relação ao tipo de trem intercidades que o governo paulista está fomentando, decidimos radicalizar: e se a descida fosse feita por um tipo especial de trem de alta velocidade? Eliminar-se-ia a necessidade de cremalheira e, principalmente, de insistir num percurso pouco direto para descer a muralha que separa São Paulo do litoral sul.
Por “tipo especial de trem de alta velocidade”, leia-se: maglev ou trem de levitação magnética, capaz de desenvolver velocidades entre 300 e 620 km/h. E, melhor ainda, construído como parte da recuperação da proposta do antigo Expresso Oeste-Sul e do incipiente trem regional para Sorocaba (este último utilizando áreas ao longo da rodovia ditador Castello Branco, possivelmente em elevado, com oportunidade de conexão com Alphaville em Barueri).
Segundo uma reportagem em vídeo do jornal francês Le Monde, foram os trens de alta velocidade que preservaram a hegemonia da ferrovia na França. Apesar de o vídeo ter legendas em português, segue um pequeno resumo:
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As ferrovias francesas começaram privadas, com custeio estatal para as obras mais caras, depois acabaram entrando em crise, uma parte da malha foi desmobilizada;
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O Estado encampou tudo, inicialmente como acionista majoritário, com 51%, na figura da SNCF (Société Nationale des Chemins de fer Français, traduzido livremente por nós como Sociedade Nacional das Estradas de ferro Francesas), que existe até hoje;
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Quando a ferrovia, já nas mãos da SNCF, entra em crise em virtude da concorrência pelo automóvel e pelo avião, a criação do TGV (Train à Grande Vitesse, traduzido livremente por nós como Trem de Alta Velocidade ou TAV) acaba devolvendo a competitividade aos trilhos.
Como vimos, acima no exercício envolvendo a Mairinque-Santos, a Estação Evangelista de Souza e o trecho entre esta e a Linha 9, é muito complicado insistir em ligações regionais realmente funcionais usando antigas linhas de baixa velocidade. Simplesmente não é competitivo.
Mesmo gostando muito de trem, pensar em gastar cerca de 3 horas para descer até o litoral, quando um automóvel faz o trajeto em cerca de uma hora, numa condição em que não há saturação, simplesmente coloca a ferrovia numa desvantagem profunda. Não nos resta opção: se queremos reduzir a pressão do automóvel sobre nossas cidades, precisamos de trens muito velozes, e a tecnologia maglev é uma das melhores e mais versáteis.
Apesar de soar radical num primeiro momento, vale a reflexão: com o maglev cada vez mais maduro, somado ao desenvolvimento de uma tecnologia nacional de maglev de média velocidade (100-200 km/h), considerando que as vias centrais de trilho de aço já estão entupidas porque viraram metrô, será que o maglev não deveria ser o padrão para se pensar em trens intercidades? Trem intercidades com padrão convencional roda-trilho só faz sentido se a geometria significar que pode ser implantado sem a necessidade de grandes obras.
As vantagens de um trem de levitação magnética são extremamente relevantes: é mais leve, o custo de operação é menor, e galga quaisquer gradientes. Amadurecendo o protótipo Cobra da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), o país poderia desenvolver um maglev capaz de suportar curvas verticais que seriam desconfortáveis num trem com múltiplos carros.
É claro que, sendo mais realista, a implantação de um maglev não deve ficar dependente de tecnologia nacional. Afinal, quando consideramos a tecnologia da Aeromóvel (que, assim como a maioria dos maglevs, é proprietária), nem a chegada da Marcopolo parece ter ajudado. Evidentemente, talvez uma empresa como a Aerom (detentora da tecnologia do Aeromóvel) ou mesmo a Marcopolo, poderia ter interesse para troca tecnológica e parceria com alemães, chineses e coreanos, para citar quem possui domínio para desenvolver um trem de alta velocidade capaz de vencer um relevo tão desafiador.
Modelos de velocidade média ou baixa já são dominados por fabricantes chinesas e coreanas, mas desconfiamos que não há interoperabilidade, ou seja, são desenhos proprietários incompatíveis entre si, o que impede que trens de média e alta velocidade compartilhem infraestrutura, principalmente misturando diferentes fabricantes.
Para se ter noção do potencial de uma ligação do tipo, um trajeto de 50 km com 100 km/h de velocidade média pode ser vencido em meia hora, o que já é basicamente metade do tempo do automóvel sem trânsito. Um traçado do tipo Santos-Jabaquara se encaixaria em tais parâmetros, o que nos leva a crer, inclusive, que seria capaz de produz uma elevada pressão por moradia pela classe média resolvendo fazer commute entre a Baixada Santista e a capital paulista.
Prólogo Recentemente o CityLab abordou algumas questões interessantes envolvendo o trem de alta velocidade que está sendo implantado na Califórnia, costa oeste dos Estados Unidos e, particularmente, uma delas se destacou a meu ver: a possibilidade de reduzir os custos habitacionais ao colocar um trem-bala em funcionamento. Antes de tratar do casamento entre trens rápidos e moradia mais acessível, faz-se necessário contextualizar brevemente a atual situação dos trens regionais, comumemente chamados de trens intercidades pela STM (Secretaria dos Transportes Metropolitanos) e pela CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitano).
O mínimo é a paridade: a não ser pra situações em que o nível é o da centralidade urbana, em outras palavras, linhas como a 9-Esmeralda ou a 10-Turquesa até poderiam chegar na Baixada Santista, ainda que com poucos horários, e alguém sem dinheiro ou que não quisesse o carro fazer uso destas, mas uma linha de parada restrita muito mais lenta que o carro não faz sentido. De qualquer maneira, poucos lugares têm trilhos que permitiriam paridade.
Quando olhamos para as possibilidades de um TAV maglev, o atendimento a Campinas proposto pelo governo estadual está bem longe de um trem regional ou trem intercidades. É mais fácil encarar como uma expansão da CPTM feita da forma errada, não por acaso, defendemos uma proposta conciliadora, que friamente, não passa de um trem com duas classes e serviços expressos.
Além de vislumbrarmos uma ligação Sorocaba-Baixada Santista (muito provavelmente, Sorocaba-Praia Grande, parte paralela com a Linha 8, parte paralela com a Linha 9, parte junto à rodovia ditador Castello Branco), com um túnel robusto em algum momento e, possivelmente, a necessidade de intervenções junto ao eixo formado pela SP-55/via Expressa Sul) para capilaridade e inserção no município de Praia Grande, vislumbramos também uma conexão em Pinheiros com uma segunda linha, que articularia em subterrâneo, além de um dos bairros mais queridinhos da Zona Oeste, que seguiria depois com uma conexão em Paulista com as linhas 2 e 4, seguindo para Tatuapé, para acesso às linhas 3, 11, 12 e 13, depois possivelmente para algum ponto na área central de Guarulhos, então para uma estação subterrânea junto ao Terminal 2 do GRU Airport e, finalmente, seguiria pela rodovia BR-116, provavelmente em elevado, atendendo municípios como São José dos Campos (oportunidade de atendimento ao shopping Vale Sul, Parque Res. Aquarius e conexão com o futuro VLP Linha Verde, com capacidade de articular o acesso em direção à área central), Taubaté (oportunidade de articulação com a área central com implantação de VLT, monotrilho ou Aeromóvel utilizando a avenida Des. Paulo de Oliveira Costa) e Aparecida (possivelmente com estação junto ao Santuário Nacional de Ns. Sra. Aparecida e articulação entre esta e o restante do tecido urbano com transporte sobre pneus de padrão adequado).
Introdução O período eleitoral cria um ambiente farto para a disseminação dos mais variados tipos de ideias, nem sempre com os devidos cuidados. De olho nas candidaturas para as prefeituras e vereanças dos mais de 30 municípios da Região Metropolitana de São Paulo, nós do COMMU fomos surpreendidos pelas falas do candidato Reinaldo Monteiro (PROS), um dos proponentes à Prefeitura de Barueri, na Sub-região Oeste, principalmente aquelas noticiadas pelo Diário da Região, em reportagem intitulada "Candidatos sugerem aero trem contra trânsito em Osasco e Barueri".
Finalmente, não esboçamos nenhum traçado preciso, uma vez que nós, como sociedade, carecemos de um diagnóstico recente pra implantação de ligações competitivas. Tudo o que temos é para ligações de baixa velocidade e, em que pese sua inferioridade diante de um TAV, o quadro atual é o de um serviço ainda pior do que aquele que o governo paulista estudava no início da década de 2010. Esperamos que este artigo suscite o surgimento de mais discussões a respeito do tema.
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