Por Caio César | 21/11/2021 | 9 min.
Índice
Prólogo
Entre as sugestões das pouco mais de 15 empresas que participaram das sondagens realizadas pelo governo estadual em setembro, comentadas pelo site Metrô CPTM em 18 de novembro de 2021, há elementos preocupantes e que, mais uma vez, reforçam que o TIC (Trem Intercidades) Eixo Norte é um projeto limitado e controverso.
Contextualização
Parece existir muito pouca preocupação com o bem-estar do passageiro atual da Linha 7-Rubi (atualmente Jundiaí-Brás, como parte do Serviço 710) da CPTM (Companha Paulista de Trens Metropolitanos), fora o pouco dinamismo (ausência de estações e estratégias de desenvolvimento urbano e imobiliário) para as estações do serviço parador que deverá operar entre Francisco Morato e Campinas (chamado de TIM, sigla para Trem Intrametropolitano), compartilhando seus trens com a Linha 7-Rubi e suas vias com o único serviço regional, que deverá ser completamente expresso entre as estações Campinas e Palmeiras·Barra Funda (que é o TIC de facto).
Para além dos pedidos garantistas, como aqueles em torno do aporte governamental (cujo teto está definido em 80%), operações de câmbio e da adoção de mecanismos de proteção de demanda (algo que já adotado em parcerias público-privadas anteriores), a preocupação que realmente levou à escrita deste artigo gira em torno do material rodante (ou seja, dos trens) e do paradigma operacional que definirá os futuros serviços ferroviários em escala regional entre as regiões metropolitanas de São Paulo e Campinas.
O aspecto mais preocupante consiste na sugestão de utilização de trens do tipo push-pull (configuração na qual uma das extremidades do trem possui uma locomotiva, enquanto a outra possui uma cabine de comando capaz de comandar a mesma locomotiva, permitindo bidirecionalidade), a exemplo de alguns sistemas de trens suburbanos e regionais norte-americanos.
Vale ainda salientar que a utilização de trens de dois andares, se similares aos empregados em serviços suburbanos e regionais norte-americanos, não parece provável: mesmo que o governo do estado autorize a relação de obras para compatibilização do gabarito (como obras no túnel do Botujuru), os custos, complexidade e número de intervenções, provavelmente, desincentivariam a iniciativa privada.
Considerando as informações do site Metrô CPTM, existiria uma preocupação com a capacidade de absorção da demanda do futuro TIC. O que se destaca, porém, é a menção a uma composição de mais de 300 metros de comprimento (demandando extensão das plataformas). Para efeito de comparação, as séries adquiridas nos últimos anos pela CPTM para o Trem Metropolitano possuem composições com 170 metros de comprimento.
Como divulgado pelo site Via Trolebus com base na consulta pública realizada em agosto pelo governo paulista, dois tipos de composição seriam admitidas para o futuro TIC:
- Trem de um andar com 12 carros (produto do acoplamento de dois trens-unidade de seis carros), com comprimento total de 300 metros e capacidade para até 1.100 passageiros sentados; ou
- Trem-unidade de dois andares, com comprimento total de 150 metros e capacidade para até 800 passageiros sentados).
Combinados, estes dois fatores — configuração push-pull e composições maiores do que 300 metros e/ou com 2 andares de altura completa — podem reforçar que uma ou mais empresas estão olhando para serviços com caráter muito díspar em relação ao Trem Metropolitano.
Crítica propositiva
Mais uma vez, fica a impressão de que a solução proposta pelo governo não é adequada. O governo acerta quando admite que as metrópoles de São Paulo e Campinas precisam de uma conexão ferroviária entre elas, eliminando a imperdoável ausência de uma articulação ferroviária macrometropolitana, mas erra ao tentar reaproveitar uma infraestrutura centenária e repleta de gargalos para implantar um serviço regional totalmente distinto de um serviço metropolitano que há décadas está sob constante pressão.
Nem sempre é possível viabilizar uma solução ótima ou que represente o estado da arte, sabemos, tanto que acreditamos que seria melhor não tentar implantar serviços díspares, com materiais rodantes distintos, especialmente sem considerar cuidadosamente a possibilidade de atrelar um ou mais empreendimentos imobiliários associados, entretanto, quando olhamos para as perguntas, fica a impressão de que as premissas e propostas limitam a capacidade e ampliam o surgimento de conflitos. Fica a impressão de que governo e mercado subestimam a Linha 7-Rubi, seus problemas e seus passageiros.
Quando fizemos a proposta de uma solução conciliadora (batizada de “macrô”, uma contração à francesa, em alusão à Macrometrópole Paulista), ainda em abril do ano retrasado, sugerimos a possibilidade de máximo reaproveitamento do atual material rodante e tentamos reduzir os riscos da empreitada. Mais de dois anos antes da consulta pública, sugerimos um formato de material rodante que seria capaz de respeitar o comprimento máximo de 300 metros e entregar 2 carros extras de 2 andares em cada extremidade, totalizando 12 carros (4 regionais de dois andares, sendo 2 em cada extremidade, e 8 metropolitanos comuns, herdados do trem original).
Sim, a capacidade por composição seria menor, contrariando as premissas divulgadas pelo poder público em agosto último, mas as possibilidades seriam maiores. Na prática, a capacidade real, considerando a maior versatilidade, provavelmente seria superior.
Na proposta do COMMU, o futuro concessionário não precisaria adquirir novos trens e nem renovar os trens atuais em processos separados. O processo seria um só e abriria a possibilidade de oferecer serviços expressos e paradores mais versáteis entre a capital e Campinas, não um único expresso. O passageiro do metropolitano seria sempre beneficiado e, finalmente, ganharia um serviço expresso numa região com perspectivas tímidas de desenvolvimento e relevo de difícil ocupação. Consequentemente, a ideia de Trem Intrametropolitano não existiria, porque não faz sentido chegar em Campinas sem a perspectiva de um serviço parador robusto e a capacidade de servir as principais estações das cidades daquela região metropolitana, mesmo que muito pontualmente ao longo do dia. Só entre Jundiaí e Francisco Morato, sugerimos a implantação de seis novas estações: Belém Capela, Centro de Jundiaí, Complexo Fepasa, Jardim Tiradentes, Paço·Jd. Botânico e Parque da Cidade.
A proposta do governo entrega um TIC e, simultaneamente, tenta criar outra categoria de serviço, chamada de TIM, ofuscando o fato de que o TIM não passa do mesmo Trem Metropolitano de sempre, só que piorado, com menos estações e sem perspectiva de dinamização. A proposta também não garante um futuro promissor para a Linha 7.
Em outras palavras, o governo quer fazer tudo, mas no final das contas, não vai fazer nada direito. Não seria melhor oferecer um serviço mais compatível com a realidade da infraestrutura que está sendo concedida?
E, se o TIC sair tal como proposto pelo Executivo, mambembe, capenga e tacanho, será capaz de sobreviver no longo prazo? Uma medida relativamente simples, como o oferecimento de faixas exclusivas que permitam a circulação de ônibus rodoviários nas rodovias que ligam São Paulo e Campinas, preferencialmente complementadas por terminais e estações, seria capaz de ameaçar a demanda, prejudicando o erário devido às prováveis cláusulas garantistas que vão condicionar a participação da iniciativa privada?
A mobilidade regional entre as metrópoles e aglomerações urbanas paulistas, pelo menos nas últimas décadas, tem se dado por meio de rodovias, geralmente concedidas e dotadas de múltiplas praças de pedágio. Tais rodovias, quando comparadas com as ligações sobre trilhos existentes, geralmente voltadas para o transporte urbano ou apenas para o transporte de cargas, são mais modernas e apresentam traçado menos sinuoso, conferindo aos seus utilizadores tempos de viagem bastante competitivos fora dos horários de pico.
E, se você acha que o trio faixa exclusiva, estação e terminal não combinam com rodovia, a experiência de Seattle nos mostra justamente o contrário. As faixas são exclusivas e compartilhadas entre ônibus e automóveis com 2 ou mais ocupantes. Estações e terminais são anunciados previamente, como em serviços de BRT (transporte de massa por ônibus, em tradução livre para o português brasileiro).
E, se outra empresa privada se oferecer para construir um trem ao longo da Rodovia dos Bandeirantes, como se previa originalmente, mas usando tipologias compatíveis com as faixas adicionais para carros que, contrariando o bom senso, foram construídas na década de 2010? Enquanto a CPTM está modelando um regional que mais parece um trem suburbano norte-americano, nomes do METRÔ apontam para um caminho completamente oposto e, potencialmente, concorrente!
O planejamento que está levando à atual proposta não parece considerar que, dentro ou não de uma noção de complementaridade, o surgimento de um ou mais serviços estruturais de transporte coletivo entre São Paulo e Campinas poderia desafiar a modelagem financeira do TIC Eixo Norte. Num cenário de racha entre tucanos, desmonte de estruturas de planejamento, surgimento de novas e duvidosas regiões metropolitanas e ampliação de concessões e parcerias público-privadas, não é possível descartar uma ameaça do tipo, principalmente quando a carta do garantismo foi colocada na mesa durante uma sondagem mercadológica.
Como argumentamos recentemente, trens regionais precisam ser velozes e altamente competitivos, o que significa que infraestrutura centenária em mau estado ou repleta de gargalos não pode ser reaproveitada. Parte da antiga infraestrutura ferroviária, aliás, nem existe mais, tendo sido dilapidada ao longo de décadas de conivência e desprezo por parte da sociedade como um todo. E, mesmo quando existe, pode ter sido mal projetada. Faria muito mais sentido projetar uma rede básica de alta velocidade para interligar as principais cidades-sede das regiões metropolitanas da Macrometrópole e desenvolver um olhar mais cuidadoso em torno do Trem Metropolitano da CPTM.
Que fique claro: reaproveitar ferrovias antigas com boa inserção urbana, mas geometria ruim e outros gargalos, não é um problema, desde que os serviços oferecidos não tentem concorrer com rodovias construídas décadas — mais de um século, em alguns casos — depois. Perde Campinas, que poderia ver surgir o embrião de um sistema de metrô, sem criar falsas expectativas em torno da articulação ferroviária com São Paulo, mantendo aberta a possibilidade de pleitear um trem regional “de verdade”.
Conclusão
O governo pode chamar o futuro trem regional da forma que desejar, mas ele não é um trem regional competitivo, da mesma forma que a malha do METRÔ não é metropolitana, porque nasceu pelas mãos da capital paulista nos anos 1960 e, sessenta anos depois, ainda não foi capaz de atender nem mesmo Guarulhos. Não por acaso, diante da modernização que a CPTM tem executado desde o começo da década de 1990, o COMMU insiste na tese de que existem duas malhas de metrô na Região Metropolitana de São Paulo.
Seria muito mais fácil (e lógico) converter a CPTM numa espécie de metrô regional, a exemplo da experiência francesa com a RER (Rede Expressa Metropolitana, em tradução livre para o português brasileiro) do que tentar inserir diferentes serviços em diferentes linhas, carecendo de uma proposta coesa.
Enfim, pelo visto e, como sempre, está sobrando para a CPTM, historicamente mal resolvida, fazer malabarismos para desenvolver um paradigma operacional capaz de atender todas as escalas: local, metropolitana e regional. Até o momento, o resultado não parece ser dos melhores…
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