Dois meses de Next Mobilidade: impressões e comentários sobre as linhas 152 e 218

Por Caio César | 13/03/2022 | 6 min.

Legenda: Ônibus da linha 218 circulando pela Avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Bernardo do Campo
São perceptíveis o salto de qualidade na linha seletiva e aumento da regularidade e confiabilidade tanto da linha seletiva quanto da linha comum

Em 12 de janeiro, o Diário do Transporte publicava uma feliz notícia sobre a desmobilização da operação de uma série de péssimas empresas de ônibus do ilustríssimo senhor Baltazar José de Sousa, a saber: Urbana, Viação São Camilo, Viação Riacho Grande, Viação Imigrantes e Viação Triângulo.

A salada das permissionárias nanicas e precárias do Grupo Baltazar deu lugar à Next Mobilidade, empresa ligada ao império da família Setti Braga, e que assumiu como concessionária da Área 5 da EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos) num controverso aditamento contratual, cujo principal efeito colateral foi o cancelamento da Linha 18-Bronze (Tamanduateí-Djalma Dutra) da Companhia do Metrô em prol do BRT (Bus Rapid Transit, ou transporte de massa por ônibus, em tradução livre do inglês para o português brasileiro) ABC da EMTU.

Quase uma semana após reportagem do Estadão tratando de um possível imbróglio judicial, o secretário Alexandre Baldy (Progressistas), utilizou o Twitter e publicou a declaração em resposta ao perfil São Paulo YIMBY. Nunca houve e não há troca ou substituição de projeto. Muito obrigado https://t.co/AHd6MnkWFw — @alexandrebaldy (@alexandrebaldy) July 10, 2021 Legenda: Retuíte comentado do secretário Alexandre Baldy Então, fica o nosso questionamento, que se soma às várias perguntas do site Metrô CPTM, também não respondidas por Baldy ou outro representante da pasta de transportes metropolitanos do governo paulista: se o cancelamento da Linha 18-Bronze (Tamanduateí-Djalma Dutra), a despeito da existência de um certame com vencedor já determinado há anos, balizado por um projeto que, inclusive, foi em parte custeado pelo erário são-bernardense, de forma a favorecer um projeto privado de BRT (Bus Rapid Transit ou transporte de massa por ônibus, em tradução livre para o português brasileiro), proposto pela única concessionária existente em toda Área 5, que tem operado e mantido o Corredor Metropolitano ABD (São Mateus-Jabaquara) desde 1997, não implica troca ou substituição de projeto, do que se trata, afinal?

Cerca de 2 meses depois, como usuário de algumas das linhas que estavam sob controle do Grupo Baltazar, eu tenho muito a comemorar, embora lamente o formato discutível encontrado pelo governo paulista.

Enquanto minha utilização da linha 153 (Terminal Sacomã-Conjunto Terra Nova II) tem sido bastante esporádica, por outro lado, minha utilização das linhas 152 (Terminal Sacomã-Área Verde) e 218 (Terminal Rodoviário Tietê-Área Verde) tem crescido bastante.

No passado, devido às más práticas da Viação Riacho Grande, a utilização da 152 era tão frustrante, que eu chegava a preferir utilizar os serviços da Linha 10-Turquesa (Brás-Rio Grande da Serra) em conjunto com a linha 286 (Terminal Metropolitano Santo André Oeste-Terminal Metropolitano Ferrazópolis), o que significava tanto ônus financeiro, quanto ônus em termos de qualidade de vida, já que eu perdia mais tempo e nem sempre conseguia um assento. Quando a 152 funcionava a contento, eu economizava tempo e dinheiro, ainda que dependesse de ônibus com problemas de conservação. No passado, quando eu insistia em usar na 152, me sentia apostando numa loteria ou jogo de azar de muito mau gosto.

Acostumado com a completa negligência do Grupo Baltazar em relação ao material rodante e cumprimento de horários na linha 152, fui surpreendido positivamente com a pontualidade da Next. Não só ficou mais fácil encontrar um ônibus de prontidão no Terminal Sacomã, como foi possível encontrar parte da frota equipada com ar-condicionado, um alento durante o verão.

Legenda: Ônibus com ar-condicionado e bancos de perfil alto na linha 152, provavelmente oriundo da Região Metropolitana do Rio de Janeiro

A sincronização entre a primeira perna do meu trajeto, realizado na linha 574J-10 (Metrô Conceição-Terminal Vila Carrão) também passou a ser viável, uma vez que os ônibus da Next estão equipados com GPS. Tornou-se trivial tirar o celular do bolso e, utilizando um aplicativo como o Moovit, verificar a passagem de coletivos ao longo de diferentes pontos da rodovia Anchieta.

A disponibilidade de dados em tempo real, inclusive, é o que tem tornado possível o embarque na linha 218, tanto na ida, quanto na volta. Praticamente lendária ou secular enquanto estava nas mãos da Viação Imigrantes, a 218 se tornou uma das minhas queridinhas, uma vez que sua frota parece ser exclusivamente composta pelos ônibus rodoviários originalmente destinados para a circulação no Corredor Metropolitano ABD por meio do serviço UBus (algo que carinhosamente apelidamos de “clandestino de luxo”).

Na 218, os seletivos não competem com o parco espaço do Corredor ABD e não interferem na circulação do que, reza a lenda, pode ser considerado um BRT de categoria mais simples. Em meio à pandemia e à crise econômica, considerando meus horários privilegiados de embarque, a experiência não poderia ser melhor: ônibus limpos, confortáveis, com muitos assentos disponíveis e conduzidos por profissionais cuidadosos. Trata-se de uma linha verdadeiramente seletiva e, acredito eu, com excelente relação custo × benefício, uma vez que sua tarifa é apenas 60 centavos mais cara do que aquela observada na 152 (R$ 7,40 da seletiva face R$ 6,80 da comum).

Legenda: Detalhe do interior do tipo de ônibus rodoviário que tem circulado na linha 218: poltronas confortáveis, bandejas com porta-copos e saídas individuais reguláveis de ar-condicionado

Se a Next Mobilidade não sabotar a operação no futuro de forma a favorecer o BRT ABC, a princípio, são necessários poucos ajustes nas linhas, a começar pela utilização de um material rodante mais adequado às características viárias na 152. Ainda que o ar-condicionado contribua para aumentar o conforto, toda a frota alocada é composta por ônibus de piso alto e motorização dianteira que, como sabemos, são veículos rudimentares e desconfortáveis. Mesmo o precário Grupo Baltazar possuía alguns ônibus de motorização traseira adquiridos de uma empresa que operava no sistema da capital paulista. Era possível embarcar nestes ônibus tanto na 152 quanto na 153, embora sua presença estivesse longe de ser majoritária.

Legenda: Detalhe de ônibus de piso baixo na linha 153 em 19/03/2019

Ademais, ainda que a cor vermelha facilite na identificação, padrões existem para serem seguidos. Eu francamente anseio que, ao longo dos próximos meses, a Next Mobilidade adéque seus seletivos mais novos para a identidade visual da EMTU ou, alternativamente, negocie uma variação na identidade visual, como já acontecia nos serviços da Metra por ela incorporados. Vale dizer ainda que, em mais de uma oportunidade, pude observar veículos com portas à esquerda na linha 152, portas estas que, por não serem necessárias e nunca utilizadas, acabam contribuindo para reduzir a oferta de assentos.

Justificativa Considerando as últimas discussões que realizamos internamente a respeito do transporte sob demanda, uma das possibilidades levantadas é a de que o modelo do fretamento (quando pessoas ou grupos de pessoas contratam um ônibus para se deslocarem entre pelo menos dois pontos, a partir de necessidades em comum) possui o espaço e a força que conhecemos, sendo onipresente na capital paulista, devido à situação da malha de transporte sobre trilhos.

Finalmente, espero que este artigo seja uma adição profícua à biblioteca do COMMU, principalmente para desmistificar a ideia de que linhas seletivas não são relevantes. Ainda que a diferença não seja muito grande, a utilização da linha 218 no lugar das linhas 10 da CPTM e 286 do Corredor ABD resulta em economia. Une-se o útil ao agradável quando, além de mais econômica, a linha tem caráter expresso e ônibus seletivos confortáveis. A Região Metropolitana de São Paulo precisa urgentemente preencher as lacunas existentes na oferta de diferentes serviços de transporte público coletivo, oferecendo tanto linhas estritamente locais para viagens curtas, quanto boas linhas seletivas para longas viagens.




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