Por Caio César | 13/04/2022 | 8 min.
Em seu canal no YouTube, Reece se apresenta para um público de cem mil inscritos como urbanista e analista de transportes coletivos de massa. Situado em Toronto, no Canadá, Reece discute não só sistemas norte-americanos, mas também sistemas localizados em virtualmente qualquer lugar do mundo.
O fato de o RMTransit ser um canal voltado a um público de nicho, infelizmente, não impediu que Reece repetisse alguns cacoetes comuns acerca dos sistemas sobre trilhos da Região Metropolitana de São Paulo.
Já com 25 mil visualizações, o vídeo que retrata as linhas da Companhia do Metropolitano de São Paulo (METRÔ, usualmente grafada como Metrô) utilizou imagens cedidas por terceiros e, muito provavelmente, foi contaminado pela maneira como estes enxergam o sistema.
De partida, nota-se que, mesmo se comprometendo a produzir um vídeo voltado à Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), o autor estabelece uma série de comparações com pontas soltas, segregando e inferiorizando os serviços do Trem Metropolitano enquanto exibe algumas poucas imagens das estações Luz e Pinheiros.
Reece parece não perceber ou não compreender minimamente as contradições que permeiam nosso sistema metroferroviário: por exemplo, o autor destaca que a CPTM opera “Metro-style trains with lots of doors” (algo como “trens semelhantes a metrôs com muitas portas”) e se volta a um atendimento de caráter suburbano, duas afirmações problemáticas por três motivos:
- Considerando as práticas de urbanização do Canadá e os Estados Unidos, que provavelmente são responsáveis por uma parte substancial da base de inscritos do canal, o autor deveria ter sido mais cuidadoso e explicado que a ideia de subúrbio, no contexto de São Paulo, não necessariamente remete a uma forma de morar que nega a cidade e é fundamentalmente dependente do automóvel para ser viável;
- Mesmo que possuam 8 ante os 6 carros do material rodante da Cia. do Metrô, é perceptível que os trens da CPTM mostrados no vídeo apresentam o mesmo número de portas por carro em comparação com os trens do Metrô, ou seja, quatro de cada lado;
- Se o atendimento é predominantemente suburbano, e o padrão do material rodante não difere, fica subentendido que o Metrô possivelmente atende áreas suburbanas também.
O caso das linhas 3-Vermelha (Corinthians·Itaquera-Palmeiras·Barra Funda) e 5-Lilás (Capão Redondo-Chácara Klabin), por exemplo, não parece suscitar no autor a ideia de que alguma coisa está na errada na classificação, visto que o tramo leste da primeira é basicamente paralelo e adjacente ao eixo original da Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB), sendo Corinthians·Itaquera uma exceção notável (e urbanisticamente problemática); enquanto a segunda nasceu pelas mãos da CPTM e sofreu uma série de influências, a começar pelo material rodante original, idêntico ao da CPTM do ponto de vista do usuário, que encontrava ar-condicionado, bancos revestidos de tecido e portas entre os carros.
E os sinais não param por aí: ainda que não seja de conhecimento do público geral, há trens da CPTM e da Cia. do Metrô que partilham a mesma plataforma tecnológica. As frotas F e G do Metrô e as séries 2070 e 9000 utilizam a plataforma Alstom Metropolis, situação similar à relação entre a Frota H e as séries 7000, 7500, 8000 e 8500, que utilizam a mesma plataforma da CAF. Não faria sentido fazê-lo se os sistemas não fossem suficientemente semelhantes no papel que desempenham enquanto transporte de massa. Não por acaso, a aparência dos trens não é significativamente diferente.
O caso da Linha 5-Lilás também é problemático porque o autor não contextualizou adequadamente sua conectividade, uma vez que preteriu a CPTM. De novo, os sinais estavam todos lá: se o autor repete o cacoete de que os serviços do Metrô são de alta capacidade e atendem regiões urbanas em detrimento das suburbanas, como é que a Linha 5 sobreviveu tanto tempo isolada da rede? A resposta é simples: sobreviveu porque a Linha 9, diferente do que pode ter parecido, não apresentava um serviço significativamente diferente e inferior, sendo um elemento de conectividade relevante, cuja importância foi reiterada pela construção do trecho da Linha 4-Amarela (Luz-Vila Sônia) entre as estações Luz e Pinheiros. A integração em Pinheiros foi iniciada em junho de 2011, facilitando o acesso à Zona Central, enquanto a Linha 5-Lilás só se conectaria à Estação Santa Cruz em setembro de 2018, oferecendo uma alternativa quase uma década depois.
Mas os piores comentários de Reece foram aqueles relacionados ao atendimento da CPTM em Cumbica, quando uma espécie de “síndrome de colonizador” contamina os argumentos, tratando uma solução nacional baseada no Aeromovel como um fracasso, aquém da grandiosidade e importância do aeroporto. Não passou pela cabeça do sujeito qualquer noção sobre soberania tecnológica, com uma solução brasileira sendo automaticamente classificada como inferior por não ter sido suficientemente disseminada mundialmente.
O autor também fez comentários criticando a operação da Linha 13, os quais mereceriam maior aprofundamento — quem sabe no futuro, se um vídeo dedicado à CPTM chegar a ser publicado?
O atual governo estadual tem falhado na tentativa de tentar tornar a Linha 13-Jade (Eng. Goulart-Aeroporto·Guarulhos) mais atrativa. Em que pese as limitações orçamentárias, os esforços envidados até o presente momento parecem ter sido apostas, no mínimo, duvidosas. A ligação entre a capital e o aeroporto internacional foi implantada no primeiro quadrimestre de 2018. Não há como o governo imprimir uma marca positiva diante das carências históricas de infraestrutura que tem falhado em sanar.
Reece também poderia ter sido mais cuidadoso ao se deslumbrar com o material rodante da Linha 4-Amarela, parecendo pressupor que a passagem livre entre os carros num trem com operação automatizada constituem dois atributos que, para alguns, são inusitados para uma cidade como São Paulo. Soa como se ele dissesse que aqueles trens são bons demais para serem encontrados no Terceiro Mundo (para usar um termo anacrônico e condizente com uma visão preconceituosa como essa). É oportuno salientar que, em matéria de trens com passagem livre entre carros, parte significativa do material rodante da CPTM (séries 2700, 8000, 8500, 9000 e 9500) não deixa nada a desejar em comparação com a frota da Linha 4.
Finalmente, o trabalho de Reece não é de todo o mau. Seu canal utiliza linguagem acessível e já cobriu uma série de sistemas, a despeito das limitações do autor, que provavelmente não pode viajar e conhecer cada sistema in loco. É possível que o autor tenha sido contaminado por reportagens de baixa profundidade e pelo senso comum das pessoas com quem dialogou.
A CPTM é um sistema heterogêneo, complexo e marginalizado, cuja compreensão se torna mais fácil a medida que desenvolvemos uma visão mais panorâmica e interdisciplinar. Se, por um lado, é verdade que algumas estações do Trem Metropolitano não são condizentes com o que se espera em termos de acessibilidade e conforto, por outro, também é verdade que a rede tem passado por modernização e possui diversas estações de boa qualidade, que em diferentes períodos do dia são atendidas por serviços de alta frequência que, quando colocados em perspectiva ao lado de outros sistemas brasileiros, oferecem uma oferta de lugares que está muito longe de ser desprezível.
Enfim, não é a primeira vez que algo assim acontece…
Vamos brincar Vou propor aqui uma coisa bem simples: de 1 a 4, teremos algumas colocações sobre a realidade de quem depende do transporte sobre trilhos, leia, pense na malha de trens da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) e no quanto as colocações parecem verdadeiras ou falsas, em seguida, continue lendo o nosso texto. Pronto? Então vamos lá! “A situação econômica não é boa (…) Pessoas estão enfrentando dificuldades para procurar um emprego e permanecer nele.
Introdução Em 29 de novembro de 2017 o periódico britânico The Guardian publicou reportagem intitulada "The four hour commute: the punishing grind of life on São Paulo’s periphery", algo como “A viagem de quatro horas: o castigo da vida na periferia de São Paulo” em uma tradução livre. O texto é fruto de uma semana dedicada à cobertura de diversos aspectos da vida em São Paulo, no entanto, o olhar do jornal acabou resultando em algumas posturas que não parecem contribuir positivamente para a análise do problema, a começar pelo título, que além de ambíguo e caçador de cliques, acaba contribuindo para dobrar o problema de tamanho: permite a interpretação de que são quatro horas de viagem na ida e mais quatro horas de viagem na volta.
Parte 1: qualidade, prazo e investimento Recentemente o Estadão publicou um inusitado editorial sobre a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, no qual acertadamente chamou atenção para sua importância e um processo modernizador que se arrasta desde o início da década de 1990. O problema começa quando o editorial sobre a CPTM esbarra no famigerado hábito que a imprensa e algumas pessoas têm de falar em qualidade sem definir o que exatamente entendem por qualidade.
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