Alta dos combustíveis e a falta de consciência

Por Caio César | 25/06/2022 | 4 min.

Legenda: Trólebus da linha 286TRO no Terminal Metropolitano Santo André Oeste
A atual crise econômica atravessada pelo país, especificamente no tocante à corrosão do poder de compra do Real e o aumento do preço dos combustíveis fósseis, notadamente aqueles derivados de petróleo, parece não ser suficientemente dura para incomodar as candidaturas ao Executivo e ao Legislativo do estado de São Paulo e, consequentemente, parte substancial do eleitorado

É lamentável que a experiência adquirida com a implantação e operação de ônibus elétricos convencionais, por exemplo, não tenha nenhum papel relevante para ensejar propostas nas campanhas. O surgimento do Corredor Metropolitano ABD, que atende aos municípios de Diadema, São Bernardo do Campo, Santo André e São Paulo, é fruto de uma série de esforços envidados a partir da década de 1970, marcada pelos choques que ficaram conhecidos como crises do petróleo e, mesmo assim, parece não servir de exemplo, tanto com relação aos acertos, quanto com relação aos equívocos.

A mensagem parece não estar clara: sem um programa claro e rigoroso de eletrificação dos transportes, o estado de São Paulo não sairá melhor da atual crise, nem estará mais bem preparado para enfrentar as próximas possíveis crises.

Não há mais tempo a perder. Corredores de ônibus como o ABD precisam ser regra, não exceção. E a simples ideia de operar ônibus a diesel (algo que infelizmente ainda ocorre no Corredor ABD, diga-se de passagem) precisa ser colocada no único lugar que lhe cabe: o passado distante.

Infraestruturas pensadas com foco excessivo nos automóveis, como são as principais rodovias paulistas, precisam passar por mudanças, abrindo espaço para ônibus, trens e bicicletas. É sintomático que a privatização das rodovias, geralmente envolvendo contratos intermináveis, considerando a renovação frequente e uma alternância quase nula nos grupos empresariais responsáveis pela operação e manutenção, pouco seja criticada por candidaturas à esquerda.

Os atuais contratos de concessões rodoviárias são a perfeita expressão de um rodoviarismo empoeirado, anacrônico e nocivo para o ambiente, produzindo obras viárias de utilidade e qualidade questionáveis, geralmente marginalizando o transporte público coletivo e qualquer indivíduo que não se submeta à condução de um veículo automotor.

Sem titubear, não podemos ter medo de questionar a ausência de sistemas mais sofisticados de transporte ao longo dos principais eixos rodoviários do estado. Corredores de ônibus, ciclovias e ferrovias não são um palavrão, mas tecnologias óbvias e maduras, que continuam sendo ignoradas por uma parcela muito grande do eleitorado e do tecido político.

Ora, se o eleitorado é sectário a ponto de se colocar contra o transporte público ou contra ciclovias, é dever da esquerda, sobretudo aquela abrigada dentro de mandatos e partidos políticos (estruturas estas que a sociedade ajuda a custear, frise-se), convencê-lo do contrário, ganhando sua confiança e seu voto.

Em 2022, candidaturas como Fernando Haddad (PT) possuem uma dívida histórica com todas as pessoas que caminham, pedalam e embarcam diariamente em ônibus e trens do Metrô e da CPTM. Os desafios que estão colocados não são novos e, como dissemos, dada a situação crítica na qual nos encontramos, deveriam ser encarados de frente, com a cabeça erguida. Estamos cansados de candidaturas, filiados, eleitores, militantes, ativistas e mandatos que se acovardam com as mãos no volante e, diante de uma proposta mais arrojada, como o desmonte das marginais dos rios Pinheiros, Tietê e Aricanduva, revelam tacanhez e reacionarismo.

É enervante passar quase dez anos falando da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) e perceber que boa parte do ativismo organizado não nutre qualquer interesse verdadeiro e publicamente verificável, transparecendo que as cerca de 3 milhões de pessoas que dependiam do Trem Metropolitano antes da pandemia não são relevantes. Justamente o único meio de alta capacidade capaz de penetrar numa série de municípios pobres, repletos de bairros que nada mais são do que uma colcha de loteamentos de origem clandestina e irregular, cujas patologias construtivas e urbanísticas possivelmente nunca serão superadas.

Falta consciência. Falta capacidade de perceber o óbvio: não é o subsídio desenfreado e desavergonhado aos combustíveis fósseis, nem a insistência na iconoclastia do automóvel, os principais remédios diante de uma alta dos combustíveis, mas sim um processo robusto de planejamento, comprometido com a transformação de eixos estratégicos e capaz de incidir no curto, médio e longo prazos. Táxis-que-não-são-táxis via aplicativo, serviços de entrega sob duas rodas em regime de exploração brutal e carros elétricos a preço de ouro, nenhuma dessas coisas é faz parte do rol de soluções que precisamos para reduzir nossa dependência dos hidrocarbonetos, não importa quão agressivas sejam as ações de marketing de um punhado de startups ou montadoras desesperadas.

Esperamos a apresentação de programas que foquem verdadeiramente nos desafios de mobilidade que enfrentamos cotidianamente, colocando um freio definitivo na carrocracia interiorana e no transporte marginalizado e subfinanciado da RMSP (Região Metropolitana de São Paulo). Não há nada mais vergonhoso do que eleger candidaturas que negligenciam a mobilidade urbana (e algumas o fazem já nos planos que apresentam durante a campanha), sejam elas para o Palácio dos Bandeirantes ou para a Assembleia Legislativa.




Se você ainda não acompanha o COMMU, curta agora mesmo nossa página no Facebook e siga nossa conta no Instagram. Veja também como ajudar o Coletivo voluntariamente.



comments powered by Disqus