Por Caio César | 29/06/2022 | 5 min.
Em mais uma greve dos ônibus dos operadores privados do sistema estrutural da SPTrans (São Paulo Transporte), a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) repete receituário ultrapassado e privilegia o automóvel, liberando faixas exclusivas e corredores de ônibus para que sejam invadidos por automóveis, caminhões e motocicletas.
É sintomático que a CET continue prejudicando a infraestrutura de priorização do transporte público sobre pneus, negando, por exemplo, que a despeito da paralisação das linhas do sistema estrutural, permanecem circulando as chamadas “lotações”, geralmente ônibus de menor porte que fazem parte do sistema local, responsável por atendimentos entre bairros, incluindo linhas alimentadoras para terminais de ônibus urbanos da SPTrans e estações do sistema de metroferroviário.
A postura da CET revela a ausência de integração entre o controle do tráfego de veículos e a operação dos transportes públicos coletivos no que tange às responsabilidades da prefeitura do município de São Paulo. É perceptível que a SPTrans não tenta ou, se tenta, perde feio na queda de braço com a CET.
Nem na greve passada, nem na greve que ocorre hoje, 29, foram divulgados relatórios ou painéis (dashboards) para acompanhamento do sistema de ônibus. Não sabemos, de forma periódica ou em tempo real, quais são as linhas afetadas em diferentes contextos (como empresas, zonas, distritos, subprefeituras e terminais), não sabemos quais são as linhas não afetadas que dependem da infraestrutura de priorização e quais seus níveis de oferta de lugares. Não sabemos quantos ônibus estão rodando nas linhas ou como estão rodando. Não sabemos se o volume de passageiros aumentou ou diminuiu em estações do sistema metroferroviário alimentadas pelas linhas de ônibus que ficaram de fora da greve.
A única coisa que sabemos é que o rodízio de veículos foi suspenso e que a CET, utilizando seu sofisticado arcabouço de monitoramento dos anos 1970 (se muito), decidiu que os ônibus devem perder prioridade porque parte da frota deixou de circular. A imprensa basicamente repete os posicionamentos institucionais ou faz reportagens previsíveis sobre as dores de quem depende de ônibus num dia como hoje.
Faz sentido? Não faz. São Paulo, hoje com cerca de R$ 30 bilhões em caixa, demonstra que não tem pessoas e ferramentas para gerenciar as crises de mobilidade que, periodicamente se agravam e afetam nossas vidas. A única coisa que São Paulo sabe fazer é suspender o rodízio e desativar faixas exclusivas e corredores de ônibus. Em outros momentos atípicos, a cidade ativa linhas especiais de ônibus, que circulam um punhado de vezes ao longo do ano para atender eventos, como corridas no Autódromo de Interlagos ou desfiles carnavalescos no Sambódromo do Anhembi. E só.
Insatisfações à parte, o COMMU é conhecido por tentar elevar o nível da discussão e não poderia ser diferente: a partir de hoje, nós adquirimos a capacidade de coletar dados de posicionamento de todos os ônibus do município (oferecidos pelo sistema Olho Vivo da SPTrans), cruzando-os com dados de demanda (disponibilizados em pilhas de planilhas, que já havíamos importado no passado, populando uma tabela no PostgreSQL com 1,5 milhão de linhas) e dados de itinerários em formato GTFS (Especificação Geral sobre Feeds de Transporte Público, cuja capacidade de baixar e tratar já havíamos desenvolvido e aprimorado nos últimos anos).
Não está claro se vamos avançar com as análises por uma questão de disponibilidade de tempo e de recursos, mas é fato que agora temos a capacidade para observar melhor qualquer greve de ônibus na maior cidade do estado. A título de curiosidade, estamos fornecendo mapas preliminares a partir dos dados produzidos. Detalhes e/ou um futuro aprofundamento poderão ser divulgados oportunamente, em um ou mais artigos a serem publicados no site.
Os mapas permitem identificar a circulação de ônibus (a partir da lista de prefixos dos veículos e a geolocalização de cada um por linha de ônibus, extraída programaticamente do Olho Vivo) e identificar quais linhas tinham uma maior alocação de prefixos no espaço, ou seja, quais linhas apresentavam uma maior circulação de ônibus. Além disso, foram observados algumas lacunas de atendimento por ônibus, sobretudo em uma área localizada na porção sudoeste da cidade. Finalmente, foram isoladas as linhas com maior alocação, evidenciando, por exemplo, a forte tronco-alimentação na “calha” de linhas metroferroviárias que atendem o leste metropolitano, papel alimentador este que o sistema local tem desempenhado há vários anos.
A principal hipótese que motivou a coleta dos dados é a de que a CET está equivocada ao desativar a infraestrutura de priorização viária dos ônibus. E mais: suspeitamos que a CET poderia acrescentar trechos adicionais em momentos atípicos, visando facilitar a circulação de linhas locais e intermunicipais, pois nossa experiência oferece bons indícios de que é possível identificar facilmente quais são os locais em que elas estão concentradas, basta combinar dados de demanda, GTFS e do Olho Vivo.
É lamentável que um morador da Zona Leste, praticamente sozinho, precise gastar tempo e dinheiro para entender a própria cidade, já que o poder público e outras parcelas da sociedade, incluindo mandatos omissos ou com baixa capacidade técnica, parecem ter prioridades que estão a anos-luz de distância de nossos pontos de ônibus.
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