Direto ao ponto: revisão do plano diretor paulistano

Por Caio César | 20/09/2022 | 6 min.

Legenda: Capa adaptada a partir da primeira página do caderno do Monitoramento Inicial
Desorganizados e silenciosos, estamos desperdiçando uma oportunidade, enquanto setores pouco representativos preservam seus modos de vida insustentáveis e que intoxicam a vida da maioria de nós

Por meio do nosso membro Lucian, soube que a municipalidade realizará uma reunião em 14/10/2022 para discutir a revisão do PDE (Plano Diretor Estratégico). Obviamente, parece existir toda uma burocracia na divulgação e, por ser uma reunião extraordinária, não consegui encontrá-la no calendário de reuniões do CMTT (Conselho Municipal de Trânsito e Transporte), sendo assim, reproduzo abaixo o e-mail encaminhado:

Aos Conselheiros,

A Secretaria Municipal de Mobilidade e Trânsito – SMT, convida para participar da Reunião Extraordinária do Conselho Municipal de Trânsito e Transporte – CMTT.

Quando: 14.10.2022 (sexta-feira)

Horário: 09h às 12h

Onde: ONLINE – FERRAMENTA MICROSOFT TEAMS

Pauta: “Levantamento de Propostas para Revisão Intermediária do Plano Diretor Estratégico”.

Link para pesquisa: https://planodiretorsp.prefeitura.sp.gov.br/

Em breve encaminharemos a apresentação que será usada durante a reunião.

Para facilitar o acesso, segue o link:

https://teams.microsoft.com/l/meetup-join/19%3ameeting_ZDc3MzZlZTctNGUyMi00YWJiLTk0Y2MtMGVmZDI4YjU4MTg2%40thread.v2/0?context=%7b%22Tid%22%3a%22f398df9c-fd0c-4829-a003-c770a1c4a063%22%2c%22Oid%22%3a%2287a99c13-d65f-4438-a317-c8a92265d18a%22%7d

O que precisa ser enfatizado é que a revisão do PDE deveria ajudar na construção de uma cidade mais compacta, rejeitando os pleitos dos “suburbanos” que moram ao lado da Av. Faria Lima ou outras vias centrais e de interesse metropolitano, que inundaram uma das mais recentes etapas não presenciais do processo.

É o PDE, com a compactação que deveria promover, a principal alavanca condicionadora de uma asfixia silenciosa ao automóvel. Sobretudo com uma cidade (o que não envolve apenas a figura apática do atual mandatário, mas parcela substancial do eleitorado) que demonstra que não quer restringir a utilização irracional do carro.

Continuamos iludindo as pessoas e vendendo o sonho de que todo mundo pode e deve ter carro. Este sonhador, produto da ilusão que nossa sociedade insiste em alimentar, protege a figura do “indivíduo realizado”, que possui um ou mais automóveis na garagem.

A construção de uma onda transformadora da cidade de São Paulo basicamente inexiste. O processo de revisão do PDE tem deixado isto muito claro: o que nós temos é só disputa de setores endinheirados. Não existe discussão verdadeira de cidade e muito menos de participação popular, até porque, hoje, a participação popular tornaria São Paulo numa Houston ou Los Angeles piorada.

Se a gente pegar o documento “Monitoramento Inicial” (baixe aqui) feito pela gestão Ricardo Nunes (MDB), existem alguns apontamentos interessantes. Se pegarmos os comentários feitos nas plataformas, temos uma noção de quem são os lobistas. O foco da discussão precisa estar nos resultados do PDE elaborado e aprovado durante a gestão Fernando Haddad (PT).

Muitas dúvidas pairam no ar, sendo que a imprensa (especializada ou não), além de outros atores civis organizados mais bem capitalizados (social e financeiramente), deveriam encabeçar o escrutínio do processo, quando não encabeçam! Não é razoável que um “Zé Anônimo”, morador da Zona Leste paulistana, precise fazer reflexões sofisticadas porque não aguenta mais uma cidade com um uso e ocupação do solo tão grotesco.

  • A produção imobiliária melhorou ou piorou?
  • Quais foram os erros? Quais foram os acertos?
  • O estoque de quitinetes é basicamente isso, um estoque de área construída para virar apartamento maior, surfando na ausência de IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) progressivo no tempo?
  • Qual é a metragem ideal para nosso perfil familiar?
  • O PDE está levando à produção acessível de imóveis com a metragem ideal?
  • Faz sentido insistir na proteção de “miolos de bairros”, sendo que ela transforma o entorno das estações numa faixa ou raio que trabalha numa balança de escassez?
  • Faz sentido falar em “miolo” ainda? Como a noção de “miolo” se sustenta a luz do zoneamento e do próprio plano? Por que uma noção que não está tipificada em lei condiciona restrições? Por que as restrições fazem sentido?
  • De um lado da balança, pode fazer flexível, mas até 8 pavimentos, do outro lado, pode fazer engessado, mas sem tamanha restrição de gabarito. Faz sentido? Condiciona a produção do mercado para ser acessível e promover pluralidade de usos e de rendas?
  • Qual é o balanço sobre fachada ativa, como a revisão encara as críticas dos que desejam a flexibilização? Quais são os levantamentos? Quais são os indícios? Os críticos têm ou não razão? Se tiverem razão, qual é o tipo de fachada desejada?

Ademais, penso que nós sempre precisamos usar quaisquer momentos associados à revisão do atual plano para criticar todos os subúrbios fora de lugar. Um Jardim Europa não pode existir. Não existe argumento A, nem B, nem C. Não tem argumento que justifique. Qualquer ideia de “pulmão” da cidade precisa ser rechaçada a partir de uma parametrização que proporcione feições menos rodoviaristas e menos descoladas da infraestrutura instalada (pela qual todos os munícipes pagaram e continuarão pagando).

Eu tenho certeza de que o mercado pode fazer edifícios mais compatíveis com a infraestrutura instalada e muita cobertura vegetal, sem nenhuma crise. Com certeza dá pra adensar, verticalizar e ainda melhorar a cobertura vegetal. A arborização dos passeios públicos e os jardins privados de um punhado de famílias milionárias não pode justificar um engessamento mercadológico que cria uma onda de choque para muito além das avenidas Faria Lima, Paulista e Augusta. É uma muleta narrativa cruel demais para ser engolida tão facilmente.

Não deveria ser do interesse da periferia preservar mansões ao lado dos eixos que concentram os postos de trabalho mais bem remunerados da região metropolitana. E muito menos é do interesse da maior parte da população se iludir a ponto de querer preservar as feições “sobradistas” de novas centralidades, como é o caso do Tatuapé, inserida numa região que ganhará estações como Vila Formosa e Anália Franco, mas que vive uma relação hipócrita com o mercado imóveis de luxo que é produto da própria região.

Introdução Começo este artigo dizendo que as discussões mais importantes parecem surgir pelos motivos mais errados. O caso do adensamento e da verticalização numa das mais populosas regiões do estado de São Paulo, não é exceção. E não é a primeira vez. Contexto: a Porte, uma construtora sediada no Tatuapé, responsável pela verticalização de parcelas relevantes da região, com um passado talvez não muito brilhante em termos arquitetônicos, decidiu que viraria a página: adotou uma linguagem arquitetônica mais contemporânea, passou a ser mais cuidadosa e decidiu incorporar uma espécie de “espírito bratkeano”, tomando para si o desafio de estimular o surgimento de uma “Berrini local”, batizada de “Eixo Platina”, em alusão à Rua Platina, paralela à Radial Leste.

A questão envolvendo “bairros-jardins” é tão bizarra, que poderíamos até explorar um sistema de áreas comuns privadas, se fosse o caso, para deixar essas possíveis áreas verdes menos ociosas, de forma a não terem mero papel paisagístico ou utilização subótima. Com certeza daria pra se tentar algo assim, bastaria duas portarias (uma pra rua, outra pra área verde) e repensar a disposição de determinados equipamentos, ou concentrá-los num clube e os empreendimentos criam uma SPE (Sociedade de Propósito Específico) ou outra figura do tipo pra comercializar os títulos, gerir o arranjo etc. Não acho que é um problema impossível.

Aliás, nenhum problema aqui é impossível, basta foco no que realmente importa e, acima de tudo, compaixão com a fotografia dramática da vida real, forjada a sangue e suor a partir de tantas ruas e vielas cujas feições pouco ou nada dependeram do planejamento formal da cidade. Para uma fotografia fiel e instantânea, mas dura como um soco no estômago, basta uma viagem de ponta a ponta em cada uma das linhas da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) durante os horários de pico.




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