Por Caio César | 12/10/2022 | 4 min.
Primeiramente, não quero igualar as candidaturas de Fernando Haddad (PT) e Tarcísio Freitas (Republicanos), apenas chamar atenção para a situação, no mínimo irônica, dos contornos do atual pleito em relação às pautas que historicamente são abordadas pelo Coletivo.
O COMMU já está há cerca de sete anos na estrada, ou melhor, nos trilhos. Por aqui, falamos muito sobre o sistema metroferroviário que atende as metrópoles de São Paulo e Jundiaí e, se algo ficou evidente depois de tanto tempo batendo cabeça, dentro e fora da Internet, é que muito pouca gente no campo progressista conhece o sistema. Ora, não saber andar nos trens significa só uma coisa: não saber andar pela região metropolitana, ou, no mínimo, não saber andar como milhões de pessoas andam.
Quem não anda nos trens, não pode dizer que conhece São Paulo, ou pelo menos, não pode dizer que conhece o principal núcleo urbano e econômico paulista. Já escrevi a respeito no passado.
Deixando o COMMU de lado por alguns segundos, eu tenho completa noção de quão excêntrico ou idiota era considerado quando confrontava a tergiversão de certas pessoas à esquerda, invertendo falsos convites para “tomar um café” com endereços ou nomes de estabelecimentos localizados a mais de 30 km de Pinheiros ou dos Jardins. Se o Tatuapé já era tido como um bairro longínquo e desconhecido (mesmo que ninguém tivesse coragem de admitir), uma visita ao Senhor Empadão, numa das melhores localizações de Mogi das Cruzes, a uma distância caminhável da Estação Estudantes, não passava de uma imensa utopia.
Como ninguém aceitava embarcar nos trens e tomar um cafézinho comigo, só restava gastar meu latim (ainda que a esmo). Briguei porque…
- contrariei a dicotomia periferia-centro de discursos virtuosos, mas descompromissados;
- eu me sentia como um alienígena enquanto derramava o meu suor em subempregos em troca de um salário miserável;
- o conhecimento técnico e vivência que eu adquiria não encontravam lastro nos discursos progressistas com os quais me deparava;
- contrariei o senso comum (com pitadas de oportunismo) do ativismo paulistano em relação à periferia metropolitana;
- contrariei quem queria tirar espaço dos trens e não dos automóveis;
- rechacei linhas de metrô redundantes e populistas;
- precisei mostrar que ônibus não tinham a mesma capacidade do que uma linha de monotrilho como a 15-Prata (atualmente Vila Prudente-Jardim Colonial);
- precisei explicar a obviedade de que o papel dos trens é transportar pessoas, não bicicletas, e que nossos horários de pico estão longe de serem uma panaceia;
- rechacei discursos urbanistas reacionários e tokenizadores da pobreza;
- defendi a racionalização de itinerários de ônibus.
Nossa política é preguiçosa e hipócrita porque uma parcela do eleitorado, aquela que tem capital em termos de tempo, dinheiro e conexões, também o é. Resta aos pobres que operem milagres e, sendo assim, é um milagre que tenham disposição suficiente para traçar um panorama que extrapole necessidades imediatas ou a esfera do indivíduo. Não por acaso, muitos esforços comunitários miram em necessidades imediatas e murcham tão logo estas são mais ou menos atendidas.
Nós, que não vivemos no Centro Expandido, somos recorrentemente tokenizados ou tratados como alienígenas. Somos meros aliados de conveniência. Ninguém tem a dignidade de apresentar planos com exemplos concretos de potenciais políticas públicas, porque nosso formato de fazer política é tosco, formulando propostas de forma apressada e amadora, às vésperas de datas decisivas. Sabemos muito bem, porque já tivemos o desprazer de participar de processos de elaboração de planos de governo.
A política é muito pouco territorializada, preferindo um tom genérico que conversa pouco com o cotidiano do eleitorado. O problema não é só o fato de um Tarcísio da vida falar em “aeroporto de Congonha” ou “Campo dos Elíseos”, mas o fato de nós, que somos a maioria, continuarmos inertes num limbo de representatividade política.
Ninguém quis fazer a lição de casa. E é por isso que temos o segundo turno que temos, tão difícil, tão estreito, tão mesquinho. Partidos e mandatos legislativos têm se prestado a um papel ridículo, carecendo de capacidade técnica de formulação de estratégias perenes.
Algumas das discussões são particularmente lamentáveis. Não por serem rasas, porque é possível ser raso, mas oferecer diretrizes mínimas, mas por serem vazias. Toda vez que as PPPs (parceiras público-privadas, embora alguns prefiram a sigla privado pilhando o público) e os TICs (trens intercidades, também chamados de trens regionais) surgem nos debates e na imprensa, falta substância. As problemáticas da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) ficam de fora, além do caráter garantista e preocupante dos atuais contratos.
Sinceramente, eu já briguei muito e estou cada vez mais cansado, mas vou continuar brigando e expondo minhas frustrações. O COMMU não é um veículo jornalístico e muito menos de entretenimento, é uma organização que tenta qualificar o debate e produzir uma massa crítica. Nossas ferramentas são: computadores conectados à Internet e indivíduos com vontade de furar a bolha das atuais mídias, sejam elas especializadas ou hegemônicas, até constituirmos uma parcela do eleitorado com peso suficiente para fazer lobby em prol da mobilidade e da qualidade de vida nas cidades da Região Metropolitana de São Paulo.
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