Por Caio César | 19/02/2023 | 5 min.
A reportagem, publicada em 16/02/2023, também revela possível reequilíbrio financeiro no contrato de concessão de linhas 8-Diamante (Júlio Prestes-Itapevi-Amador Bueno) e 9-Esmeralda (Osasco-Mendes·Vila Natal) da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos).
Ao Valor, Waldo Perez, presidente interino do grupo CCR, reforçou que as linhas foram entregues em más condições, denunciando a flagrante incompetência da iniciativa privada, que participou de vistorias e, supostamente, acumula inúmeras experiências em concessões rodoviárias e ferroviárias não apenas em São Paulo, mas em outros estados brasileiros. Ora, se as linhas estavam tão degradadas, quais foram as razões que levaram e continuam a levar a CCR a participar da empreitada?
Infelizmente, reportagens como a que o Valor publicou, não possuem utilidade pública. Se quiséssemos ouvir a propagandas ou desculpas desavergonhadas do senhor Perez, utilizaríamos os canais oficiais da CCR. Por que ninguém pergunta aos responsáveis, em primeiro lugar, como chegamos numa concessão tão estúpida e lesiva?
Em que pese os investimentos bilionários alardeados, em nenhum momento houve escrutínio por parte da imprensa. Não sabemos qual é o estado da suposta degradação. Não sabemos quais são os investimentos que estão sendo feitos para resolvê-la. Não temos nenhum tipo de cronograma atualizado e disponibilizado publicamente.
Em um esforço jornalístico muito mais digno, a reportagem assinada por Rodrigo Rodrigues, André Graça e Gustavo Honório apurou em janeiro de 2023 que as falhas da CCR são grotescamente maiores do que as da CPTM!
Em comparação com 2019, a CCR apresentou um número de falhas 193% maior em 2023; em comparação com 2020, a CCR apresentou um número de falhas 1.786% maior em 2023; em comparação com 2021, a CCR apresentou um número de falhas 595% maior em 2023.
Não nos parece razoável que, do dia para a noite, 80 km de linhas se degradaram. Não nos parece razoável ventilar, ainda que indiretamente, a ideia de que houve sabotagem do processo de concessão. Muito pelo contrário, o processo de concessão é, por si só, uma autossabotagem cometida de forma consciente pelo governo do estado, que tomou uma decisão baseada em atributos ideológicos de caráter questionável, colocando milhões de pessoas e milhares de negócios em risco.
Como muito bem apontou a Globo, o grosso dos investimentos realizados até o momento estão concentrados na compra de novos trens junto à Alstom. Em janeiro, Márcio Hannas, presidente da CCR Mobilidade, acionista majoritária da ViaMobilidade, alegou que a degradação estava na idade e más condições dos trens, o que também soa absurdo.
Antes da concessão, as linhas 8 e 9 rodavam com trens das séries 7000 (em serviço desde 2010), 7500 (em serviço desde 2011) e 8000 (em serviço desde 2012). A série 8000 era exclusiva da Linha 8, enquanto as séries 7000 e 7500 operavam não só na Linha 9, mas também nas linhas 10 e 12. Com a concessão, a série 8000 foi transferida para a CPTM, que cedeu trens novíssimos da série 8500 (em serviço desde 2016), deixando a Linha 11 praticamente tomada por trens da Linha 8. E nada disso é secreto, pois a composição da frota em 2018 é pública e dá uma perfeita dimensão de como a narrativa da iniciativa privada tem aparência, odor e consistência de uma mentira.
Esperamos que o promotor Silvio Marques litigue contra o governo estadual e consiga reestabelecer a operação pelas mãos da CPTM. Sabemos que não será fácil, pois uma série de funcionários ingressaram no Programa de Demissão Voluntária, logo, uma reestatização exige o reequilíbrio do quadro funcional estatal. Esperamos também que o governador seja responsabilizado por não ter acatado a recomendação, pois não temos nenhum indício de que as falhas serão reduzidas.
Este artigo é o segundo de uma série especial de artigos sobre os 30 anos da CPTM. Quem acompanha nossa produção de conteúdo há algum tempo, sabe que temos na CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) um foco especial, fruto de uma visão de longo prazo para o desenvolvimento socioeconômico não só da RMSP (Região Metropolitana de São Paulo) e da RMJ (Região Metropolitana de Jundiaí, recém-criada), que abriga municípios de extrema importância para a economia paulista, como a capital, São Paulo, e cidades como as de Barueri, Mogi das Cruzes, Osasco, São Bernardo do Campo e Santo André.
Finalmente, nós lemos o contrato, assim, cabe ainda salientar que o valor de R$ 3,356 bilhões diz respeito ao valor estimado do contrato, que não sustenta o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, além de ser consideravelmente menor em termos de investimentos concretos, tendo em vista que a concessionária pagou quase R$ 1 bi em outorga fixa. E, sendo franco, o contrato como um todo não parece facilitar pedidos do tipo.
Infelizmente, a ViaMobilidade parece gostar de utilizar prazos e valores arbitrários, de forma que os investimentos mencionados nas duas reportagens apresentam em escalas diferentes. Também não fica claro se o financiamento do BNDES abrange parte dos investimentos a realizar ou já realizados. Não fica nem mesmo claro se a CCR está colocando a outorga como parte do investimento já realizado. Eis, novamente, a importância de uma imprensa capaz de fazer as perguntas certas.
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