Preteridas pelos jornais, linhas do Trem Metropolitano brilharam em meio à greve

Por Caio César | 25/03/2023 | 7 min.

Legenda: Estação Ipiranga
Há quem prefira enaltecer a incapacidade de mobilização dos funcionários de duas curtas linhas operadas privadamente, já este artigo, por outro lado, compartilha um relato que reforça a importância da CPTM, estatal ainda responsável pela maior parte da espinha dorsal centenária da metrópole

Encarar as ruas paulistanas durante uma greve da Companhia do Metropolitano (normalmente, grafada como Metrô) e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), para muitas pessoas, não temos dúvidas, é sinônimo de incerteza e aborrecimento.

Ontem, 24 de março, diante da intransigência dos dirigentes do Metrô e do governador recém-eleito, Tarcísio de Freitas (Republicanos), São Paulo amanheceu sem a operação das linhas 1-Azul (Jabaquara-Tucuruvi), 2-Verde (Vila Prudente-Vila Madalena), 3-Vermelha (Corinthians·Itaquera-Palmeiras·Barra Funda) e 15-Prata (Vila Prudente-Jardim Colonial).

Partindo de uma região entranhada entre as zonas Leste e Sudeste da capital, meu desafio era chegar até região das estações Morumbi e Borba Gato por volta das 8h.

Acumulando mais de uma década de utilização assídua da Linha 11-Coral (Luz-Estudantes), eu optei por fugir do eixo da Radial Leste. Sem a Linha 2-Verde, descartei a opção de disputar um lugar na 476G-10 (Jardim Elba-Ibirapuera) e, portanto, deixei de lado a ideia de tentar embarcar na Linha 5-Lilás (Capão Redondo-Chácara Klabin) em Chácara Klabin. Caso eu tivesse optado pela Linha 5, ainda precisaria encarar cerca de 2 km de caminhada a partir da Estação Borba Gato ou desembarcar na Estação Brooklin, encarar algumas das linhas do Sistema Estrutural que atendem a parada do MorumbiShopping e, em seguida, caminhar cerca de 1 km.

Não tendo certeza sobre a situação das linhas 709M-10 (Terminal Santo Amaro-Terminal Pinheiros) e 6414-10 (Socorro-Terminal Bandeira), bem como suspeitando de superlotação na linha 607C-10 (Jardim Miriam-Itaim Bibi), considerei que seria melhor reduzir ao máximo meu contato com o sistema de ônibus do município.

Mantive meu trajeto pela 574J-10 (Terminal Vila Carrão-Metrô Conceição), embarcando por volta das 6h, após uma espera de não mais do que 10 minutos. Inicialmente, pensei em utilizar o Serviço 710 da CPTM para acessar a Linha 4-Amarela, mas acabei optando pela dupla 8-Diamante (Júlio Prestes-Itapevi-Amador Bueno) e 9-Esmeralda.

O município de São Paulo possui um dos maiores sistemas de ônibus do continente americano, no entanto, a promessa de uma reforma, dando continuidade ao choque de racionalização ocorrido durante a gestão da Marta Suplicy, então no Partido dos Trabalhadores (PT), jamais foi cumprida. Legenda: As duas tipologias de sistemas de ônibus comumemente adotadas (Guia TPC, p. 17) Seja pela ligação afetiva de alguns operadores com linhas com as quais sentem terem contribuído por um ou mais motivos, seja pelo populismo de políticos eleitos, seja pela ausência de infraestrutura ou resistência para melhor utilização da infraestrutura existente, São Paulo tem patinado na construção de uma rede de ônibus, que substitua o atual sistema, caótico, incoerente e com sérios problemas de velocidade média, oferta de lugares e articulação local e regional.

O percurso até a Estação Ipiranga não foi dos piores. Sem dúvidas, muitos automóveis estavam atrapalhando a fluidez, especialmente pela suspensão do rodízio por parte da municipalidade, aparentemente incapaz de tomar decisões sem colocar as mãos no volante do carro mais próximo. Não surpreendentemente, foram necessários cerca de 30 minutos para vencer esta primeira etapa do trajeto. Após uma curta caminhada entre o Mooca Plaza Shopping e a pequena favela que resiste na entrada da estação, embarquei num novíssimo trem da série 8500 tão logo desci a rampa.

O trem do Serviço 710 apresentava lotação bastante razoável. O trecho crítico foi entre as estações Brás (superlotou após o embarque) e Barra Funda (ficou ociosa após o desembarque). Apesar da superlotação, por mim presenciada, já eram quase 7h e a Estação Brás parecia bastante tranquila para o horário de pico, num provável reflexo da greve. Verdade seja dita, ficou bem cheio, mas sem confusão, já vi e estive em situações muito piores.

Optei, então, por não disputar o desembarque complicado na Luz. Permaneci dentro da composição, ligeiramente mais vazia, e optei por desembarcar com a maioria dos passageiros, na Estação Palmeiras Barra Funda. De lá, o trem partiu com poucos passageiros em pé e, provavelmente, permaneceu ocioso até Francisco Morato, a cerca de 30 km dali.

Introdução Para começar, vou me restringir a São Paulo, praticamente único alvo da discussão (Brasília e Rio de Janeiro são exemplos de duas cidades que foram citadas pelos presentes, mas São Paulo dominou a discussão, o que já era esperado). Como muitos sabem, o chamado Centro Velho ainda enfrenta nos dias atuais problemas de degradação, falta de políticas para habitação (incluindo a regularização de ocupações, a requalificação de imóveis sem utilização para abrigar moradia social, a instalação de equipamentos públicos que permitam um uso misto mais confortável para quem trabalha e mora na região etc) e apesar disso, é contemplado com uma infraestrutura de transporte coletivo no mínimo interessante, ademais, pretendo expandir um pouco a zona de abrangência, acreditando em oportunidades desperdiçadas em outros pontos da cidade, notadamente na Zona Leste, em bairros com antiga vocação industrial, como Moóca e Ipiranga.

Felizmente, utilizando escadas fixas, não enfrentei grandes dificuldades na transferência entre o Serviço 710 e a Linha 8. Minha maior preocupação, na realidade, era a operação relaxada e arriscada da ViaMobilidade.

De cara, percebi que o trem da série 7500 em que embarquei apresentava falha numa das portas, porém, talvez por se tratar de um trem do loop operacional entre Júlio Prestes e Barueri, a lotação sentido Itapevi era bem tranquila e o trem partiu com ociosidade da Barra Funda.

Legenda: Ocupação no carro em que eu me encontrava, trecho Palmeiras·Barra Funda-Lapa

A viagem até a Estação Presidente Altino foi bastante tranquila. Impressiona o crescimento da favela à direita da via sentido Itapevi, nas imediações de Presidente Altino, com descarte de água e esgoto para um córrego paralelo e adjacente aos trilhos, na faixa de domínio da ferrovia. Com as grandes dimensões do pátio, um excelente projeto de uso misto poderia contemplar todos os moradores da atual favela, bem como oferecer moradia para diferentes segmentos do mercado, incluindo os segmentos de Habitação de Interesse Social (HIS) e Habitação de Mercado Popular (HMP).

Legenda: Trem da série 7000 alinhado na Estação Presidente Altino com falha de porta no carro R522

Obviamente, um projeto tão sofisticado não está no radar e a concessão passa ao largo de uma série de problemas dos territórios atendidos. Nossas expectativas permanecem baixas desde, pelo menos, 2016, quando publicamos o artigo “Duas linhas da CPTM podem parar nas mãos da iniciativa privada”.

A viagem entre Presidente Altino e Morumbi também foi tranquila. O trem estava um pouco mais cheio, mas, ainda assim, tranquilo e com bastante espaço para se movimentar no corredor. A operação relapsa da ViaMobilidade, mais uma vez, deixou sua marca: o ar-condicionado de um dos carros não estava funcionando bem e acabei trocando para o carro da frente, bem mais gelado e agradável. A composição estava toda adesivada, porém. Por dentro e por fora. Prioridades.

Legenda: Publicidade agressiva na Linha 9-Esmeralda, operada pela ViaMobilidade

O resto do trajeto foi terminado na base da sola de sapato. A calçada judiada da Estação Morumbi, bem com a escadaria enferrujada do módulo principal, infelizmente, foram herdadas da CPTM. Historicamente, a estatal sempre sofreu com ausência de uniformes, materiais e funcionários, situação esta que se exacerbou nos últimos anos. A inauguração da Linha 13-Jade (Eng. Goulart-Aeroporto·Guarulhos), por exemplo, já ocorreu na esteira do empobrecimento arquitetônico, insistência em projetos inoportunos de “trens regionais” e, claro, do crescente interesse da iniciativa privada em operações descompromissadas de todas as linhas, notadamente o par 8-Diamante e 9-Esmeralda.

Legenda: Escadaria e calçada da Estação Morumbi: problemas históricos de zeladoria

Infelizmente, alguns veículos da mídia hegemônica, como o Estadão, não só se prestaram a apresentar informações erráticas sobre as linhas, como também preteriram a operação da CPTM completamente.

Como escrevemos em 2017, em dias de greve, é comum que São Paulo amanheça com mais metrô do que noticia a imprensa. O rebaixamento do Trem Metropolitano a um papel secundário, especialmente das linhas que ainda não foram desestatizadas, representa um ataque contínuo à realidade fática da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). Em momentos de greve, seria extremamente importante que a mídia buscasse não explorar os desassistidos, mas que se prestasse a oferecer informações e discussões de utilidade pública.

Mais uma vez, não foi o que aconteceu. Ninguém se importou em ir a campo e monitorar as condições da CPTM. Ninguém se importou em entrevistar múltiplos especialistas. Alguns veículos deram muito mais importância aos posicionamentos do Metrô, criando uma cobertura assimétrica.

Enquanto coletivo, gostaríamos não só que a imprensa tivesse monitorado as alternativas metroferroviárias de perto, mas também que estimulasse uma resposta mais sofisticada por parte do poder público. Poucas foram as estratégias envolvendo ônibus, por exemplo. A SPTrans ativou míseras duas linhas especiais e solicitou o reforço de um punhado de outras. E foi só.

Tivesse havido uma atenção mais cuidadosa à CPTM e aos ônibus, nós do COMMU não teríamos dúvidas de que alguns dos problemas enfrentados pela população poderiam ter sido evitados ou mitigados.




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