Por Caio César | 28/05/2023 | 4 min.
Antes que qualquer um de nós conseguisse compreender profundamente as mudanças propostas para o plano diretor paulistano, o anúncio de uma política federal de incentivo a automóveis precificados em até R$ 120 mil, passou a bombardear nossas linhas do tempo na rede social do canário mimado.
Apoiadores — e até mesmo alguns opositores! — do governo Lula passaram a defender a posse do automóvel, construindo espantalhos e generalizando situações pontuais para todo o Brasil. Além disso, o esgarçamento da heterogeneidade da ocupação brasileira, bem como um desprezo performático pela macrorregião Sudeste, contribuíram para a propagação de discursos bastante desonestos. Houve até quem reduzisse a importância do protagonismo da União para o desenvolvimento de nossas cidades, infraestruturas de circulação e sistemas de transporte público, automaticamente negligenciando marcos regulatórios relevantes, como o Estatuto da Cidade e o Estatuto da Metrópole.
Novamente, a população de baixa renda foi tokenizada das mais diferentes maneiras. Tantas, que é até difícil escrever este artigo de opinião. Foi fácil perder a conta do volume de absurdos despejados no Twitter. Todos aqueles que poderiam ser considerados, independente do critério, pobres, foram reduzidos a uma massa amorfa, torturada discursivamente conforme a conveniência do narrador de plantão.
Aqueles minimamente críticos foram acusados de serem proprietários de automóveis de luxo e de tecerem críticas a partir de salas com ar-condicionado, com o único objetivo de enfraquecer o governo Lula e preservar privilégios. Mais uma vez, reinou a ideia de que o transporte público é irremediável e que apenas gente coitada e sem opção se submeteria a utilizá-lo.
Eu nunca vou entender esse tesão que a esquerda tem em SUBSIDIAR veículos "populares" para as montadores ampliarem seus lucros, juro.
— Luciano Carvalho (@lucianocarvaIho) May 13, 2023
E mais uma vez: era pra gente tá investimento PESADÍSSIMO em transporte coletivo, seja em regiões metropolitanas ou no interior.
“ain mas subsidiar veículo popular não exclui o investimento em transporte coletivo”
— Luciano Carvalho (@lucianocarvaIho) May 13, 2023
gente, tamo nesse papo há quantas décadas? E até hoje temos um transporte coletivo LIXO, e sempre vão preferir dar prioridade pro subsídio a carros populares por questões de VOTO
alô @LulaOficial, vamos esquecer esse papo de subsidiar carro popular e vamos investir em ferrovias e fazer o Brasil inteiro ser ligado por trem de alta velocidade? isso sim vai fazer toda diferença.
— Luciano Carvalho (@lucianocarvaIho) May 13, 2023
A pessoa não sabe nem o que é mobilidade, mas tem que falar abrobrinha na internet. Tudo pra pagar de descolada: esquerda mão na massa.
— Gabriel Caldeira (@mixedlogit) May 14, 2023
Por isso que digo, o pior tipo de terraplanista é o da mobilidade. Não é questão de esquerda ou direita, é só a própria experiência que importa https://t.co/oxpSUDweYx
🚗 CARRO POPULAR
— Estadão 🗞️ (@Estadao) May 27, 2023
Plano do governo é um ‘desastre’, um ‘absurdo’ do ponto de vista social, avalia Samuel Pessôa, pesquisador da FGV (via @EstadaoEconomia)https://t.co/gFPxJWRzZM
Nós do COMMU assistimos atônicos ao fato de o automóvel estar sendo, mais uma vez, alçado ao posto de baluarte da vida adulta. Nada mais falso. Nada mais desonesto. Nada mais asqueroso. Nada mais lamentável.
Desde 2014, este Coletivo pauta a mobilidade na RMSP (Região Metropolitana de São Paulo), pincelando, por vezes, a mobilidade em toda a MMP (Macrometrópole Paulista, uma proto-megalópole que combina múltiplas regiões metropolitanas paulistas, concentrando aproximadamente 30 milhões de pessoas). Todas as agressões que presenciamos ao longo de uma década tiveram o automóvel em seu cerne. Não está sendo diferente agora.
Argumentos abjetos não mudarão nossa configuração populacional, nem as crueldades cristalizadas ao longo de décadas. O Brasil extinguiu trens e bondes, abusou da capacidade de ônibus e marginalizou bicicletas, tudo enquanto expandia sua malha rodoviária e normalizava a construção de bairros com estrutura e relações funcionais inspiradas em subúrbios estadunidenses.
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