Discutir cidades é discutir consumo, mesmo que não pareça

Por Caio César | 29/05/2023 | 4 min.

Legenda: Paraciclos em rua comercial do Centro Histórico e Tradicional de Mogi das Cruzes
Relações de consumo não podem ser neutralizadas e a saída para construir bons diálogos passa, inevitavelmente, por ter disposição e franqueza para mobilizar não só os pés, mas também os bolsos

Cada vez mais, estou convencido de que o cerne das péssimas discussões urbanísticas está no consumo. Uma parcela do campo progressista parece viver uma síndrome de impostor quando se trata das trocas que realiza em um ou mais mercados.

O consumo se entrelaça com uma série de padrões demográficos, dando indícios sobre renda, deslocamentos, nível educacional, entre outros aspectos. É a partir do consumo que sedimentamos nossa relação com a cidade. As relações de consumo também estabelecem a profundidade do envolvimento do indivíduo com determinadas problemáticas, como o racismo estrutural.

Fato é que, ao longo de quase uma década escrevendo e, muito provavelmente, influenciando pessoas dentro e fora deste Coletivo, o consumo foi um fator preponderante do conteúdo e interações que produzi.

Não por acaso, muito do conteúdo contribuído por mim para o COMMU tem como prioridade as relações entre o vetor leste-oeste (produto direto de deslocamentos que realizei ao longo de quase uma década entre as zonas leste e oeste da capital), a ampliação da complexidade econômica de todo o leste metropolitano (produto direto do meu local de moradia e da busca por alternativas) e a resolução de diferentes problemas de mobilidade do Grande ABC (produto direto da minha matrícula em uma instituição de ensino superior na porção sudeste da região metropolitana).

Em todas as três vertentes de conteúdo, questões ligadas a diferentes mercados estavam entranhadas no conteúdo. Foi assim quando escrevi sobre o subestimado turismo na região metropolitana ou quando expliquei que, sim, é possível viajar e comprar usando transporte público.

Como sempre, gostaria de um debate mais franco sobre as nossas cidades, justamente por desconfiar que as relações de consumo de uma parcela relevante de quem pauta o debate são, infelizmente, muito limitadas, muito restritas a um ou outro local dentro do Centro Expandido da capital.

Acredito na importância de uma região metropolitana multipolar. Não se trata, como já salientei no passado, de acreditar que um município como Mogi das Cruzes estará cabeça a cabeça com a capital paulista, disputando com avenidas paulistanas como a Faria Lima ou a Paulista, mas de romper com uma dicotomia que produz relações funcionais periferia-centro ou subúrbio-centro profundamente tóxicas:

Dada uma certa distância, sob influência dos efeitos socioeconômicos do Centro Expandido de São Paulo, é bastante difícil conciliar os atributos “acesso fácil” e “desenvolvimento pujante”, entretanto, adotando uma visão de desenvolvimento integrado, podemos buscar padrões de desenvolvimento orientado ao transporte, com potencial para estimularem o surgimento e manutenção de múltiplas centralidades. O objetivo final é constituir um eixo com centralidades de diferentes padrões, mas suficientemente capazes de estimular dinamismo ao longo da maior parte do horário de funcionamento do transporte público diurno. Não há a busca por homogeneidade, mas uma tentativa de reequilíbrio em que a heterogeneidade é considerada aceitável, ou seja, embora não alimente a ilusão de que Mogi das Cruzes seria capaz de concorrer de igual para igual com as regiões de avenidas como Paulista, Berrini e Faria Lima, existe uma tentativa de ampliar a geração de empregos (principalmente aqueles mais sofisticados, com capacidade complexificadora em cadeia) e os efeitos-de-rede das firmas que escolhem Mogi das Cruzes em detrimento de outras localidades.

Não quero aqui propor um “pedágio” em torno do local de fala de qualquer pessoa interessada no tema da mobilidade, mas reforçar meu convite em torno do desenvolvimento de um olhar mais sincero, aberto e plural, abraçando, pelo menos, os outros 21 municípios atendidos por transportes de alta capacidade, como são as linhas da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), além das zonas paulistanas localizadas fora do Centro Expandido.

Sem dialogar com mais municípios e construir discursos e saberes com maior abrangência territorial, temo que o nível das discussões sobre questões urbanas não melhorará tão cedo. E, que fique claro, o diálogo precisa ser feito com os pés e com o bolso: visite e interaja com locais “fora do radar”.

Legenda: Diagrama de municípios atendidos pela Linha 11-Coral (clique para ampliar)

Para não estender desnecessariamente este artigo, fiquemos com um único exemplo: para melhor compreender a escala de atendimento da Linha 11-Coral (Luz-Estudantes), creio que valeria a pena separar um ou mais sábados para visitar Mogi das Cruzes. Seria possível conhecer bons e maus exemplos no Centro Histórico e Tradicional (Estação Mogi das Cruzes), visitar o polo gastronômico que tem se estabelecido no Parque Monte Líbano (Estação Estudantes) e terminar com uma visita ao Parque Centenário da Imigração Japonesa. O passeio poderia ser enriquecido com jogos de tabuleiro na Outboard, com um delicioso café da manhã na Afetto (a partir das 6h45) ou Sr. Café (a partir das 10h) ou mesmo, em dias quentes, um sorvete artesanal da Santa Helena (a partir das 11h; uma rara opção aos domingos).

Com maior disposição e franqueza, teremos a capacidade de discutir a mobilidade na RMSP (Região Metropolitana de São Paulo) sem repetir os erros daqueles que defendem incentivos para aquisição de automóveis.




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