Sonho molhado da casa com quintal não combina com Centro Expandido

Por Caio César | 05/06/2023 | 5 min.

Legenda: Casa com quintal na r. José Urbano Sanches, em Mogi das Cruzes
Recentemente, fui acusado de adotar uma postura do tipo “ame-a ou deixe-a” em relação à capital paulista. Nada mais longe da verdade

Quando convido urbanistas da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP) a deixarem São Paulo, não estou expulsando ninguém, até porque, nem eu, nem qualquer pessoa deste Coletivo, tem o poder e o desejo de expulsar intelectuais. Trata-se de uma provocação. Talvez explícita, talvez deselegante, mas, ainda assim, uma provocação.

Legenda: Tuiteiro descontente com provocação a urbanistas

O cerne da provocação, como deveria ter ficado óbvio, está na morfologia urbana e nos tais “modos de vida”, para recuperar a terrível argumentação de Paula Santoro à CBN.

“Todo mundo quer poder morar numa casa, ou num bairro que tenha uma verticalização não tão grande”, assim começa a fala de Paula Santoro, uma das representantes da intelectualidade da Universidade de São Paulo (USP). A construção de prédios em vez de casas vai desconfigurar bairros, destruir quadras e, por consequência, modos de vida. O alerta é da coordenadora do LabCidade, @paulafsantoro. Em entrevista na @CBNoficial , Paula detalhou os efeitos nefastos do PL da revisão do Plano Diretor.

É compreensível quem busca bucolismo, ruas arborizadas, prédios baixinhos e comércio local pitoresco, afinal, são características que parecem contribuir para uma cidade mais gentil e agradável, não é mesmo?

A questão é que, tanto a arborização, quanto o comércio local, são características que não precisam ser abandonadas à medida que se busca um aumento da oferta de unidades habitacionais. O adensamento populacional, normalmente a partir do aumento da densidade construtiva e da verticalização, não exige supressão ou estagnação da arborização, nem precisa, necessariamente, reduzir todo o comércio a grandes nomes varejistas e um punhado de franquias monótonas.

É leviana a ideia de que a verticalização se traduz, necessariamente, em uma cidade mais cinza e um tecido comercial repetitivo e previsível. Obviamente, não significa que a verticalização produzida, seja a partir do atual Plano Diretor Estratégico (PDE), seja a partir dos anteriores, seja perfeita.

Infelizmente, nas disputas em torno da revisão do PDE, todo e qualquer problema (independente do mérito) tem se convertido numa oportunidade para barrar a verticalização nas pequenas “tripas” que se orientam a partir de estações metroferroviárias e corredores de ônibus. E é aí que a provocação precisa ser feita, justamente para não rebaixarmos as disputas em torno da cidade.

Podemos trabalhar em prol de uma São Paulo com um mercado imobiliário mais racional e, portanto, mais inclusivo em termos de precificação do m², ou podemos ir na contramão, buscando exclusividade, escassez artificial e desequilíbrio nos sistemas viários. No lugar da insistência em torno de um tecido “sobradista”, podemos buscar preservar e incentivar características positivas, como um comércio autêntico, que contribui para a construção da identidade local, por exemplo.

Quando urbanistas consentem com a ideia de que “todo mundo quer poder morar numa casa, ou num bairro que tenha uma verticalização não tão grande”, há um flagrante desincentivo para a concepção de uma cidade inclusiva, simplesmente porque a pressão sobre as áreas mais desejadas da cidade não favorece a ideia de que aquela porção do tecido urbano deveria ser predominantemente composto por casas.

O debate requer franqueza. A preservação de centralidades pouco densas e repletas de empregos, contrastando com periferias inchadas e carentes de empregos, aparenta ser uma forma muito mais gritante de expulsão, uma vez que oferece pouca ou nenhuma margem para que parcelas relevantes da população possam morar com liberdade, pois mesmo nas periferias, o custo do m² é suficientemente elevado para dificultar a aquisição e locação de imóveis, o que se traduz numa população territorialmente imobilizada.

Com uma gigantesca pressão imobiliária, agravada pelo ambiente macroeconômico brasileiro, a despeito do aumento da produção imobiliária, ainda que em meio à manutenção da escassez artificial, é óbvio que a construção de moradia popular ou de habitação popular se torna mais desafiadora. Sendo assim, é ingênua ou desonesta a ideia de que, se a verticalização não estiver orientada pela construção de moradias populares, então, faz mais sentido congelar o tecido, uma vez que a escassez seria reforçada, retroalimentando o problema.

Como determinadas características permeiam posicionamentos, nada mais honesto do que sugerir um equilíbrio entre características desejadas e relações funcionais do tecido.

Ora, faz muito mais sentido viver numa casa térrea ou assobradada a 80 km da Avenida Paulista, do que buscar o mesmo estilo de vida a 500 metros dela. A pressão é simplesmente menor a 80 km, logo, o que se traduz nas relações funcionais e no mercado imobiliário.

A discussão tem se furtado de definir uma paisagem racional e de estabelecer considerações solidárias com as infraestruturas de transporte (sobretudo as de alta capacidade) e seus usuários e municípios da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP).

Justificativa Considerando as últimas discussões que realizamos internamente a respeito do transporte sob demanda, uma das possibilidades levantadas é a de que o modelo do fretamento (quando pessoas ou grupos de pessoas contratam um ônibus para se deslocarem entre pelo menos dois pontos, a partir de necessidades em comum) possui o espaço e a força que conhecemos, sendo onipresente na capital paulista, devido à situação da malha de transporte sobre trilhos.

De novo e finalmente, não faz sentido brigar para morar em sobrado do lado de estações como Vila Mariana, Fradique Coutinho, Pinheiros, Brooklin, e tantas outras no Centro Expandido. Não. Faz. Sentido. E mais: se não começarmos a discutir as periferias das classes médias e altas sem tabus, solidificaremos um tecido altamente carrodependente, enquanto nossa malha ferroviária segue estigmatizada e se expandindo a passos de cágado.




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