Utilizar greve como pretexto para defender privatização é burrice

Por Caio César | 28/09/2023 | 4 min.

Legenda: Estação Luz da Linha 11 e do Serviço 710
É melhor greve amanhã, do que um século de humilhação garantida por contrato

Com a unificação da luta contra a privatização das estatais Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), Metrô (Companhia do Metropolitano de São Paulo) e CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), há a expectativa de greve conjunta em 3 de outubro, na próxima terça-feira.

Nos muitos esgotos cibernéticos que insistimos em rotular como “redes sociais”, diferentes internautas defendem que a greve é um excelente pretexto para defender a privatização das empresas, sobretudo do Metrô e da CPTM.

Não poderia ser mais estúpido.

A greve é uma pequena parte de muitas ações pacíficas e legítimas que visam impedir retrocessos na prestação de serviços de caráter social e estratégicos para um importante estado brasileiro. Não há nenhum tipo de privilégio envolvido na greve, exceto pela constatação de um fato: se é verdade que a maioria das categorias não possui a mesma capacidade de mobilização, também é verdade que muitas delas não definem a vida e morte de pessoas e seus locais de moradia, trabalho e estudo, como acontece com as estatais em questão.

A privatização pode dificultar futuras greves, mas não é garantia de eliminação do exercício de um direito trabalhista fundamental e garantido pelas leis brasileiras. O recente colapso na operação da bilhetagem, que exigiu malabarismos por parte da CPTM, que assim como o Metrô, tem operado com quadro funcional bastante desfalcado, é um exemplo claro. Funcionários terceirizados, em situação muito precária, não tiveram outra escolha a não ser paralisar o funcionamento das bilheterias.

Incomodar-se com uma greve pontual, obviamente, é legítimo. Muitos dos usuários do Metrô e da CPTM são trabalhadores informais ou formais em situação de precariedade, cujos direitos sindicais têm sido sistematicamente minados há décadas. Por outro lado, a greve produz um impacto de um dia ou de algumas horas, enquanto a privatização, se realizada, pode produzir um impacto de 30 ou 60 anos.

As privatizações de sistemas ferroviários de natureza complexa não têm sido exatamente bem-sucedidas. Você sabia que, no Reino Unido, a reestatização do sistema ferroviário nacional é um assunto que recorrentemente vem à superfície, enquanto a Argentina tem vivido um reflorescimento magnífico de suas ferrovias desde que os parasitas privados foram retirados do negócio?

A malha de transporte metropolitano da capital fluminense, a algumas centenas de km de São Paulo, é outro exemplo vergonhoso da privatização: um sistema de metrô que, na prática, tem uma linha e meia, e um sistema de trens urbanos que jamais sonhou em receber um processo de metronização similar ao da CPTM, além de estar tão sucateado, que praticamente desapareceu da vida de milhões de fluminenses.

No Rio de Janeiro, a Linha 4 do metropolitano não passa de um “puxadão” da Linha 1, enquanto a Linha 2 nada mais é do que um ramal em direção aos subúrbios, parcialmente redundante com o terrível atendimento do ramal de Belford Roxo da SuperVia, e cujo atendimento às centralidades cariocas clássicas (eixo Centro-Zona Sul) depende de compartilhamento de trilhos com a Linha 1. Na prática, o sistema de metrô carioca tem um tronco, que se ramifica em direção ao uma pequena fração dos subúrbios e se prolonga em direção ao começo da Barra da Tijuca.

O Rio de Janeiro selou um destino miserável ao adotar ações desestatizantes em 1998. De lá para cá, mesmo com os altos e baixos da CPTM, que já nasceu dentro de um arcabouço abertamente neoliberal, como estatal de transição, a evolução é inegável. Podemos acusar os governos tucanos de muita coisa, inclusive de empenharem menos recursos do que o necessário, mas não podemos dizer que a CPTM foi completamente abandonada.

Aparentemente, como a situação escandalosa do Rio de Janeiro não ensinou nada a nós, paulistas, que decidimos, por nossa própria conta, eleger um sujeito que viabilizou o surgimento de uma SuperVia para chamarmos de nossa: a ViaMobilidade, empresa do grupo CCR, que tem a proeza de não saber gerenciar as pequenas crises da novíssima Linha 5-Lilás (Capão Redondo-Chácara Klabin) e de operar as relativamente modernas linhas 8-Diamante (Júlio Prestes-Itapevi-Amador Bueno) e 9-Esmeralda (Osasco-Mendes·Vila Natal) de forma negligente e humilhante.

Achar que uma greve é pretexto para aprofundar a dramática situação das linhas 8 e 9 é, com o perdão da franqueza, uma colossal burrice. Um atestado da ignorância não só de moradores da região metropolitana, mas de moradores do interior, parcela do estado altamente dependente da economia da Região Metropolitana de São Paulo, que contribui para custear duplicações de rodovias inúteis e outras futilidades típicas de uma vida regada a gasolina e segregação socioeconômica imposta por múltiplos pedágios.

É melhor greve amanhã, do que um século de humilhação garantida por contrato. Não à privatização! Queremos as linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda de volta para as mãos da CPTM, com um programa transparente de modernização, dando continuidade aos trabalhos que vinham sendo feitos desde a ditadura.




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