Por Caio César | 08/10/2023 | 6 min.
É importante que a população compreenda que a privatização das linhas 8-Diamante (Júlio Prestes-Itapevi-Amador Bueno) e 9-Esmeralda (Osasco-Mendes·Vila Natal) da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) é resultado de uma marginalização duradoura, que não se limita às classes mais baixas, mas também afeta um imenso contingente de classe média. Há anos, a impressão é de que poucos deram ouvidos aos alertas sobre a Linha 4-Amarela (Luz-Vila Sônia), feitos por nós e outras pessoas e organizações.
Não houve (e continua a não haver) um ambiente para promover qualquer causa ligada ao transporte sobre trilhos. Qualquer anseio fica dependente do acaso. Pessoas interessadas sempre arcam com todos os custos e, a elas, recai empenhar o pouco tempo e dinheiro e arriscar a carreira (normalmente frágil). Infelizmente, a situação parece ainda mais grave no caso das linhas da CPTM.
Seremos diretos: nós do Coletivo estamos fingindo que não vimos alguns problemas menores das estatais, porque é estratégico para não adicionar mais ruído, mas não dá para fazer isso sempre: macula nossa credibilidade e rebaixa o nível do debate e da política. Estamos alijados, mas não somos ingênuos.
Sim, nós tivemos problemas em linhas como a 3-Vermelha (Corinthians·Itaquera-Palmeiras·Barra Funda) e a 15-Prata (Vila Prudente-Jardim Colonial), na mesma semana da greve contra a privatização (ocorrida na última terça-feira, 3). Não foram tão severos quando o vexame da Linha 9, que se arrastou por vários dias e incluiu um problema na rede aérea no miolo da linha. Exemplos de registros:
- 02/10 (seg): Falha de trem na Linha 1, Estação Armênia (robô Direto dos Trens);
- 04/10 (qua): Interferência na via na Linha 3, Estação Bresser-Mooca (robô Direto dos Trens);
- 04/10 (qua): Trem da Linha 3 com interior molhado (Instagram @falametro);
- 04/10 (qua): Falha de trem na Linha 1, Estação Carandiru (robô Direto dos Trens);
- 06/10 (sex): Interferência na via na Linha 15, trecho São Lucas-Camilo Haddad (robô Direto dos Trens e Via Trolebus).
Consideramos que dois fatores dialogam com as falhas nas estatais:
- Deterioração orçamentária e funcional, com redução no volume de investimentos e subsídios, além de escassez de mão de obra devido a não realização de concursos públicos; e
- Infraestrutura inadequada ou subdimensionada, não só por ausência de investimentos, mas por mau uso e ocupação do solo por parte das prefeituras.
Infelizmente, não podemos esperar que a população tenha uma visão tão generosa e, por isso, acreditamos que parte da população defende um programa imoral de desestatização porque sofre as consequências da própria invisibilidade perante o ambiente político.
O COMMU compreende que o momento exige uma união capaz de conter ou minimizar danos, mas também compreende que não podemos continuar vivendo assim. Precisamos de um ambiente menos reativo! O caso do TIC (Trem Intercidades) é um excelente exemplo da passividade que tem permitido os retrocessos que estamos vivendo hoje: projeto muito ruim, cada vez mais caro, com ou sem recursos federais — não é ruim apenas pela PPP (parceria público-privada), mas pelo negacionismo.
O TIC para Campinas nega o que a CPTM tem feito desde que assumiu linhas. Não importa se a empresa não entendeu seu papel; não importa se vamos chamar seus serviços de metrô, trem metropolitano ou até de disco voador; o que importa é que existe um tecido e um padrão de serviço, que se retroalimentam.
O TIC Campinas parece um projeto pré-Linha Oeste (atual Linha 8), quando os trens sub(urbanos) atendiam núcleos periurbanos e a conurbação era incipiente ou inexistente, convivendo com trens de longo e médio percurso, além de trens de carga (com cargueiros diurnos).
Vamos esperar até 2030 e lá vai o devaneio, quando supostamente vai estar pronto, para ter uma operação com desvios e um plano de vias risível, esgarçando uma faixa de domínio de mais de 100 anos, que só tem a inserção como ponto positivo? Vamos ser reativos e cínicos, se movimentando só depois que a bomba explode nas mãos da população, de novo!?
Observação: conforme cobertura da CBN Campinas, a previsão de abril 2023 para a implantação definitiva do TIC era para 2031. Em agosto de 2021, o Via Trolebus apontava que o cenário mais pessimista previa a implantação até 2029.
O TIC Campinas vai aniquilar a possibilidade de fazer um metrô com atendimento intermunicipal — e é assim que se faz metrô — a custo baixo, vai pressionar desnecessariamente a Linha 7-Rubi (Brás-Francisco Morato-Jundiaí) e vai ter desempenho risível. Estamos vendendo um TGV (Trem de Grande Velocidade, do francês, Train à Grande Vitesse, nome dado ao trem de alta velocidade na França) e entregando algo pior do que a RER (Rede Expressa Regional, do francês Réseau Express Régional, nome dado ao sistema de metrô regional que atende Paris e seus vastos subúrbios).
Tudo isso é um subproduto tanto da crise de identidade da CPTM, que parece que não sabe o que quer fazer, em meio ao clientelismo (para não dizer prostituição) do governo estadual a uma iniciativa privada que demonstra preguiça e covardia (ver aqui, aqui, aqui e aqui), quanto da fraqueza da sociedade civil, que depende fundamentalmente de meia dúzia de organizações bem capitalizadas para qualquer pauta urbana, sendo que há um descolamento entre a agenda dessas organizações e os desafios da sobrevivência na região metropolitana.
Diante de um cenário tão tenebroso, reforçamos nossa crença de que precisamos de duas frentes de infraestrutura:
1. Macrô (trem macrometropolitano): mudamos de novo o paradigma dos principais serviços da CPTM (oficialmente conhecidos como Trem Metropolitano), transformando-os numa espécie de metrô regional, mesclando dois tipos de atendimento numa só composição e melhorando consideravelmente o plano de vias (muito mais redundante e com mais serviços expressos).
2. Maglev (trem de levitação magnética): interrompemos imediatamente obras de alargamento de rodovias de classe mais elevada e começamos a fazer trens de alta velocidade para o interior, com uma estratégia de núcleos especializados (empreendimentos imobiliários associados, subordinados aos interesses do estado) e alimentação por sistemas leves, segregados e automatizados. A adoção de levitação magnética oferece flexibilidade para curvas e rampas, além de estimular inovação industrial.
Paralelamente, precisamos de uma terceira frente, compondo um debate qualificado para a orla ferroviária de qualquer cidade ligada aos atendimentos da CPTM, visando garantir um desenvolvimento orientado ao transporte (especialmente importante no interior paulista, que adota padrões de uso e ocupação do solo com densidades orientadas à supremacia do automóvel).
Sabemos que a situação atual é muito grave, porém, urge um processo de construção que amplifique a visibilidade e o debate sobre o transporte sobre trilhos. O governo tem atuado sem ser questionado ou com questionamentos rasos e oportunistas.
Quando seremos ouvidos?
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