Pró-Pinheiros rejeita ampliar diálogo e bloqueia COMMU no Instagram

Por Caio César | 22/03/2024 | 8 min.

Legenda: Imediações da Estação Faria Lima
Último diálogo com a organização havia ocorrido em novembro de 2023, também via Instagram, mas por mensagem privada. COMMU lamenta postura intransigente e autoritária, considerando que não se trata de mera discordância, mas de negacionismo

Merecemos respeito

Nós tentamos, mas o Pró-Pinheiros, uma das organizações na linha de frente pela manutenção de características insustentáveis e segregacionistas dos bairros do Centro Expandido, afirmou que nossa insistência é uma demonstração de grosseria, calcada numa tentativa de “disputa de conhecimento por rede social”.

A declaração ocorreu por comentário no Instagram, quando reagimos aos risos do Pró-Pinheiros em relação a outra interlocutora, que disse nossos argumentos eram incompreensíveis.

Legenda: Reação da Pró-Pinheiros e últimas interações antes do bloqueio

Adoraríamos divulgar o teor da primeira tentativa de diálogo por mensagem privada, iniciada após uma crítica da nossa parte a um conteúdo de curta duração (story ou stories, na terminologia do Instagram), mas não o faremos para reduzir o risco de um processo por danos morais, já que o bloqueio nos impede de buscar consentimento. Infelizmente, nossos bolsos são rasos e ninguém aqui trabalha para engordar as contas bancárias de quem vive num dos bairros mais caros do país (ou, mais precisamente, de toda a América Latina).

Eufemismos No bojo dos meus deslocamentos entre São Paulo e São Bernardo do Campo, comentei com outros membros deste Coletivo sobre como é muito fácil ser transformado numa espécie de caricatura ao tentar discutir diferentes porções da RMSP (Região Metropolitana de São Paulo). Nada contra Paris, mas a São Bernardo do Campo chego de ônibus Há alguns dias, voltei a me deslocar diariamente para São Bernardo do Campo[1] e, ao longo de uma semana, suspeito que já acumulei material suficiente para fomentar discussões por meses, escrevendo artigos, publicando no Instagram, dialogando internamente com outros membros no Telegram, etc.

A manutenção das baixas densidades do Centro Expandido, combinada à inevitável proletarização, reforça a expropriação diária do nosso tempo, logo, não faz sentido arriscar uma indenização quando já somos condenados pela nossa própria derrota na “loteria do CEP”.

Salutar é que a ausência de concordância jamais deveria interditar o diálogo por completo, independente da dureza das críticas. Adicionalmente, a ideia de concordância precisa ser desafiada à luz da técnica: a densidade habitacional por km² não é uma questão de opinião; a distância entre as mansões do Alto de Pinheiros e as centralidades de negócios da Faria Lima, Itaim Bibi e Berrini não é uma questão de opinião.

Não cabe ao Coletivo mentir. Sim, estamos disputando conhecimento (não só nas redes sociais, mas fora delas), mas jamais por vaidade, e sim porque esta é uma das poucas defesas que ainda possuímos, já que não temos parentes em mandatos de esquerda, ou conexões com professores proeminentes da Universidade de São Paulo. Não é uma competição sobre quem domina melhor o QGIS (programa de sistematização de informações geográficas), mas sobre a leitura da cidade e suas consequências na arena política, econômica, social e simbólica.

Questionar posições de um movimento que não possui site, não publica artigos, não digitaliza mapas e não sistematiza dados, é absolutamente legítimo. Nós acumulamos uma década de material publicado e, somando as vidas de nossos membros mais ativos, mais tempo ainda de vivência.

Legenda: Em seu perfil no Instagram, Pró-Pinheiros divulga apenas um punhado de entrevistas, colunas e podcasts

Sem falsa modéstia, somamos mais de trezentos artigos publicados e, mesmo sem tanta facilidade para inserção na mídia hegemônica, somamos mais aparições midiáticas do que o Pró-Pinheiros. Não estamos brincando. Exigimos respeito!

Quando o Pró-Pinheiros afirma que não esbarrou conosco em audiências, parece desconsiderar, talvez por ingenuidade, a incompatibilidade destes espaços com a rotina da população periférica que trabalha e estuda. Diga-se de passagem, no circo dos horrores convocado pelo Pró-Pinheiros em 20 de março do ano passado, e que acompanhamos remotamente naquele dia, a audiência se estendeu por mais de dez horas!

Quem são as pessoas trabalhadoras e/ou universitárias da periferia que podem se dar ao luxo de gastar dez horas num evento convocado e tomado por associações de bairros nobres, com m² elevado artificialmente pela manutenção da escassez ao longo de décadas?

Nada além de mais violência. Nada além de mais reacionarismo.


A despeito de não podermos divulgar a conversa privada em inteiro teor, temos total liberdade de expressão para elencarmos os argumentos apresentados em 29 de novembro de 2023.

  1. Em relação ao convite (talvez não tão sincero) para um diálogo presencial, o COMMU sugeriu a possibilidade de um encontro em Mogi das Cruzes, visando forçar contato com a escala e a paisagem da Zona Leste e do Alto Tietê;
  2. Também dissemos que não estávamos batendo boca, e que nosso posicionamento não mudaria presencialmente;
  3. Rebatemos a noção de “carga sobre a infraestrutura” com um convite para discuti-la a partir de Francisco Morato, outro município da região metropolitana, salientando que é para lá que o pobre vai morar graças à exclusão defendida pelo Pró-Pinheiros, e que o Pró-Pinheiros não demonstra nenhuma comoção quando há escorregamentos de terra e deslizamentos de encostas;
  4. Quando apontamos que a defesa de um zoneamento excludente expulsa a população mais pobre, o Pró-Pinheiros disse que defende HIS (Habitação de Interesse Social), porém, explicamos que a ideia de aprovar qualquer empreendimento em audiência pública abre a possibilidade de uma crise habitacional ainda maior, considerando a experiência com as associações de proprietários dos Estados Unidos e Canadá;
  5. Quando apontamos que não observamos preocupação com ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social, que contribuem para estimular empreendimentos subsidiados por programas como o Minha Casa Minha Vida), não recebemos uma devolutiva;
  6. O COMMU também destacou que a defesa das vilas limitou o potencial de expansão dos eixos de estruturação, mas que não houve ímpeto similar para as ZEIS;
  7. O COMMU também externou que o desejo de morar em vilas deveria ser suprido com a mudança de seus defensores para áreas periféricas, ao passo que o Pró-Pinheiros disse que quem escolheu o lugar para morar tem o direito de lugar por sua permanência;
  8. A ideia de permanência do Pró-Pinheiros, que apontou que famílias “apostaram” em determinados locais, foi contestada por nós, uma vez que consideramos que a cidade não pode ficar refém de herdeiros, e que quem não pôde escolher não deveria morrer soterrado;
  9. Infelizmente, nossa tese sobre permanência foi tratada como sendo de um “gigantismo absoluto”, ao que explicamos que, nossa condição metropolitana e de dependência de sistemas de transporte público que percorrem grandes distâncias dificulta falar “com doçura sobre exploração e miséria”;
  10. O Pró-Pinheiros também considera não ser contra o adensamento, mas sim, ser contra “excesso” sem EIV (Estudo de Impacto de Vizinhança), enxergando os planos de bairros como um instrumento de diálogo, algo que consideramos bastante questionável, dada a defesa de bairros-jardim, como Alto de Pinheiros. Citamos que estudos longos e caros também podem ajudar na formatação de empreendimentos de altíssimo padrão, citando o caso da Fazenda Itahyê, em Santana de Parnaíba;
  11. Quando o Pró-Pinheiros apelou à autoridade e aos privilégios ligados à presença em audiências, citando nomes como Ivan Maglio, Bianca Tavolari e Raquel Rolnik, explicamos que as audiências ocorrem em horário proibitivo e que, se a população periférica, alijada do debate, pudesse comparecer, o tom de uma coalizão como o Pró-Pinheiros precisaria ser muito mais cuidadoso, ademais, também apontamos que as pessoas citadas não possuem origem periférica, nem enfrentam as agruras do trasporte público ombro a ombro conosco.

A partir dos pontos 10 e 11, não houve mais diálogo. O COMMU não enviou novas mensagens, até responder comentários do Pró-Pinheiros na mesma publicação que ensejou este e outro bloqueio.


Desfecho

Este episódio é lamentável e, para nós, reforça não só o negacionismo em relação à cidade de facto, ou seja, não apenas a área urbanizada do município de São Paulo, mas, pelo menos, boa parte da RMSP (Região Metropolitana de São Paulo).

Como já discutimos no passado, o adensamento pela verticalização é o melhor formato para compactação da cidade. Os atuais problemas, que são muitos, não serão enfrentados com uma postura que, no fundo, pouco tem contribuído para apresentar soluções tangíveis.

A preservação do comércio tradicional é uma demanda louvável, mas não encontra respaldo na disputa do plano diretor. O Pró-Pinheiros lutou e luta para a anulação de todo o exercício legislativo ligado à revisão do plano e do zoneamento. Não há clareza sobre como melhorar as fachadas ativas e facilitar sua dinamização pelo comércio.

A preservação de vilas até poderia ser aceitável, desde que a verticalização não estivesse limitada a meros 600 metros de uma estação, o que, até a revisão, significava um raio ainda menor, em virtude da exclusão de lotes com área extrapolando a influência da envoltória de 600 metros.

Legenda: As extremamente limitadas áreas de influência da infraestrutura de transporte público, recuperadas no âmbito da tentativa de revisão do Plano Diretor Estratégico pela atual gestão, por meio de um diagnóstico inicial

Também não é aceitável a tentativa de “puxada de tapete” associada a centenas de pedidos de tombamento. Tal atitude enfraquece os dispositivos de preservação do patrimônio histórico (sem entrar no mérito sobre seu simbolismo e relevância), sendo um típico exemplo de manobra que pode se voltar contra seus defensores no futuro. Um exemplo disso é a demolição parcial do sobrado que abriga o controverso restaurante Futuro Refeitório, denunciada pelo próprio restaurante e por perfis no Instagram como o do Pró-Pinheiros.

Legenda: Publicação do restaurante Futuro Refeitório. Talvez sem saber, estabelecimento romantiza a condição periférica de uma mulher negra, cuja possibilidade de morar em Pinheiros é dificultada pela própria dinâmica que envolve seu local de trabalho

Há ainda muitas outras contradições, que temos explorado e classificado como “desenvolvimento urbano” em nosso acervo de artigos.

Encerramos este artigo reproduzindo a mensagem que deixamos após sermos covardemente bloqueados:


Pró-Pinheiros, autoritário e negacionista como sempre, não tolera ser desafiado por um morador da Zona Leste. Nós, que moramos nas periferias, somos a maioria. Podemos não ter cabelos brancos, bolsos profundos e longos tentáculos no tecido social e intelectual, mas temos caráter e muito suor derramado. Disputaremos conhecimento, sempre. Se um periférico consegue produzir artigos com mapas, gráficos e tabelas, um punhado de ricos elitistas também consegue.



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