Por Caio César | 30/03/2024 | 7 min.
Introdução
O Jornal da Gazeta veiculou em 29 de março, sexta-feira, uma problemática reportagem. Mais uma vez, as críticas em torno da verticalização aparecem em tom raso e egoísta, oferecendo verniz de relevância a opiniões e emoções sem o devido amparo técnico.
Contando com o previsível protagonismo do Pró-Pinheiros, que reúne diferentes associações de bairros ricos e urbanisticamente reacionários do Centro Expandido paulistano, a reportagem esgarça em seu título a importância de um boteco de gosto duvidoso. O resultado é uma tentativa frustrada de projetá-lo sobre toda a capital paulista, o que nem de longe é demonstrado em pouco menos de cinco minutos de material.
Apesar das falas de Valter Caldana, professor Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, estas oferecem pouco ou nenhum amparo para as opiniões exibidas anteriormente, além de não oferecerem direções claras sobre problemas e soluções — em outras palavras, o professor diz muito para não dizer nada.
Pró-Pinheiros
O Pró-Pinheiros é ótimo de retórica, mas péssimo de diálogo. O Coletivo esboçou duas tentativas de diálogo, sendo covardemente bloqueado na segunda delas. O lamentável episódio ocorreu há cerca de uma semana.
Merecemos respeito Nós tentamos, mas o Pró-Pinheiros, uma das organizações na linha de frente pela manutenção de características insustentáveis e segregacionistas dos bairros do Centro Expandido, afirmou que nossa insistência é uma demonstração de grosseria, calcada numa tentativa de “disputa de conhecimento por rede social”. A declaração ocorreu por comentário no Instagram, quando reagimos aos risos do Pró-Pinheiros em relação a outra interlocutora, que disse nossos argumentos eram incompreensíveis. Legenda: Reação da Pró-Pinheiros e últimas interações antes do bloqueio Adoraríamos divulgar o teor da primeira tentativa de diálogo por mensagem privada, iniciada após uma crítica da nossa parte a um conteúdo de curta duração (story ou stories, na terminologia do Instagram), mas não o faremos para reduzir o risco de um processo por danos morais, já que o bloqueio nos impede de buscar consentimento.
O Pró-Pinheiros se recusa a encarar a periferia que não se submete à misantropia de classe, a qual toma forma por meio de uma narrativa anti-migração, anti-aumento da oferta de moradia, conservadora na arquitetura, especulativa na infraestrutura e negacionista no urbanismo. Trata-se de um grupo que representa aqueles que contribuíram para transformar o perfil socioeconômico do bairro e, diante da valorização do m² que produziram, tentam barrar transformações na paisagem. Puro herdeirismo às custas da maioria.
Como apontamos em outro artigo recente, Pinheiros é um distrito com densidade muito aquém da ideal. No Censo de 2010, a densidade habitacional era de cerca 8 mil pessoas por km², menos até mesmo do que a pacata Vila Formosa, na Zona Leste paulistana, que praticamente não oferece empregos.
A distorção do patrimônio histórico e sua relevância, feita por Veronica Bilyk, empresária e pré-candidata a vereadora da capital por um partido supostamente socialista, é absurda. Qual seria, afinal, a história a preservar? Realmente faz sentido preservar edifícios de um ou dois andares ao lado de estações extremamente desejadas da Linha 4-Amarela (Luz-Vila Sônia), como Fradique Coutinho, com relevância bastante disputável?
A noção de preservação histórica não pode ser acrítica, muito menos desconsiderar a infraestrutura e o comportamento de toda o tecido habitado, de São Paulo a Guararema, de São Paulo a Itapevi, de São Paulo a Francisco Morato, de São Paulo a Embu das Artes. Toda a mancha precisa ser considerada.
Várias das edificações, em todo o perímetro da Subprefeitura de Pinheiros, não condizem com a infraestrutura instalada, e a luta de grupos como o Pró-Pinheiros contribui tanto para ampliar a expulsão dos atuais moradores e comerciantes, já que reforça a escassez artificial forçada pelo marco regulatório em prol do mercado, quanto para dificultar o acesso à moradia em toda a região metropolitana.
Quando convido urbanistas da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP) a deixarem São Paulo, não estou expulsando ninguém, até porque, nem eu, nem qualquer pessoa deste Coletivo, tem o poder e o desejo de expulsar intelectuais. Trata-se de uma provocação. Talvez explícita, talvez deselegante, mas, ainda assim, uma provocação. Esse texto é um exemplo do que eu disse, fica importando soluções dos EUA e achando que é vanguarda do conhecimento técnico.
Inclusive, desconfiamos que o desequilíbrio na oferta de moradia no Centro Expandido contribui para induzir condomínios fechados em parte significativa da Macrometrópole Paulista, que inclui as regiões metropolitanas de Jundiaí, Sorocaba, Campinas e do Vale do Paraíba e Litoral Norte. Enquanto a verticalização é rotulada como “descontrolada e assustadora”, loteamentos no interior continuam sendo propagandeados nas redes sociais — tema parcialmente abordado pelo COMMU no final de 2023.
Queremos crer que, a maioria, em sã consciência, deseja uma cidade arborizada e sustentável, mas o boteco citado na reportagem não é um bom exemplo de edifício a ser preservado, muito menos o prédio que abriga um restaurante que romantiza o imenso deslocamento que uma de suas trabalhadoras negras precisa fazer para estar ali.
A luta do Pró-Pinheiros não é por mais área permeável ou vegetada, não é sobre arquitetura e urbanismo, mas sobre “especulação imobiliária do bem”.
Contextualização Recentemente, veiculamos em nossas mídias (Telegram, Mastodon e Facebook) um artigo do portal ((o))eco sobre emergência climática e, francamente, é doloroso compartilhar qualquer material a respeito. Se, de fato, estamos cruzando a linha e impondo danos irreversíveis ao planeta, pelo visto, o recado ainda não chegou na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). A ideia de emergência climática, mesmo que respeitada e propagada pelo campo progressista, não está devidamente conectada com as ações enérgicas necessárias para frear a catástrofe produzida pelo egoísmo e ignorância do ser humano.
Pontos problemáticos da reportagem
- Consulta apenas o Pró-Pinheiros, um movimento local que luta para revogar toda a revisão do ordenamento (Plano Diretor e Lei de Uso, Parcelamento e Ocupação do Solo), não porque deseja habitação social, mas porque não deseja aumentar o fluxo migratório, possível apenas com maior oferta de unidades.
- Chama apenas um especialista, que faz falas abstratas, mas colocadas como consenso. O que deveria ter sido mudado no ordenamento? Não diz. Por que Nova Iorque é exemplo, sendo que está promovendo desregulação justamente pela crise habitacional que vive? Não diz. Por que Paris é exemplo, quando jogou a periferia para fora da cidade, inclusive, para municípios vizinhos, a começar por La Défense? Não diz.
- Em nenhum momento a reportagem observa que a área verticalizável, dentro da reclamação de parte da população de Pinheiros, envolve perímetros de ~500 metros ao redor de uma estação. Esta é uma das falhas do plano: trata estações na periferia da mesma forma que trata estações em Pinheiros, quando a demanda por habitação em áreas com elevado número de postos de trabalho claramente é menor do que a oferta, expulsando até mesmo o trabalhador de colarinho branco.
- Na verdade, a reportagem ignora aspectos nevrálgicos da discussão, como a presença de infraestrutura, geração de empregos formais, concentração de renda. E tudo isso contribui para desinformar o público leigo.
- A reportagem reproduz uma fala sobre habitação social de maneira completamente descontextualizada, a partir de uma leitura ingênua de um único movimento. Por que a habitação produzida seria social? O que é habitação social neste contexto? A reportagem faz parecer que os lotes alterados eram todos de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), o que claramente não é o caso. Especialmente problemático, considerando que existiram casos de desrespeito a elas.
- A reportagem também contribui para fazer confusão sobre o que é ou não histórico, a partir de muito malabarismo retórico. Dentro da narrativa adotada, tudo é histórico em Pinheiros.
- Ignora o funcionamento problemático do tombamento, o que foi o motivador para o desrespeito ligado ao edifício que abriga, no térreo, o Futuro Refeitório. Um grupo de proprietários e inquilinos, sem discussão com outros proprietários e inquilinos, decidiu, na calada da noite, pleitear o tombamento de 600 edifícios. Ora, é nítido que o Pró-Pinheiros enfraquece a proteção ao patrimônio histórico, porque tenta cooptá-la para frear a transformação da paisagem. É nítida a contradição sobre quem fala em participação e diálogo, mas bloqueia antagonistas e relativiza proprietários que não aderiram.
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