Por Caio César | 13/06/2024 | 6 min.
Depois de cerca de dez anos escrevendo, falar em representatividade no contexto dos trens é uma tarefa difícil, nem tanto pela complexidade, mas pelo sentimento. Ao longo dos anos, este Coletivo realizou inúmeras discussões internas, que levaram à produção de artigos com inúmeras abordagens, entre as quais, podemos elencar:
- Abordagem universal ou genérica do assunto, sem recortes muito específicos;
- Perspectiva ligada aos extratos mais baixos da classe trabalhadora;
- Aceno às classes médias, que claramente são maioria nas organizações do terceiro setor da capital e indivíduos independentes com capacidade de mobilização, conectando transporte e consumo;
- Entrelaçamento da discussão da infraestrutura de transporte com o mercado imobiliário, especialmente por ser uma ponte para problematizar privatizações;
- Utilitária, falando sobre como o transporte público pode ser relevante para viagens, compras e turismo;
- Técnica, abordando assuntos como capacidade/hora, espacialização de linhas para compreensão de uma greve no território, tratamento de dados de demanda e produção cartográfica para discussão de uso e ocupação do solo.
Não parece ter surtido efeito. Considerando uma pesquisa recente e relativamente discreta (AtlasIntel/CNN), o tema “transporte” está distante das prioridades do eleitorado. A segurança pública, que recebe uma cobertura policialesca extremamente questionável em diferentes veículos midiáticos, tem peso muito maior. Pior, a associação entre tema e candidatura não sugere que houve aprendizado entre a última gestão progressista da capital e quase uma década de reacionarismo.
Fato é que os resultados da pesquisa não são animadores e o Coletivo não pode ser acusado de se omitir com relação aos temas que considera de suma importância, pois tenta contribuir de maneira franca e transparente para qualificar e, quando possível, aumentar a acessibilidade do debate público.
Observação: para alguns destaques, comentários e reflexões em torno da pesquisa, sugerimos a leitura da edição de 3 junho do boletim Margem Jornalismo.
Há muito mais do que a angústia da falta de representatividade no meio político, com pouco ou nenhum apoio de mandatos. Estamos diante de uma crise profunda que não pode ser dissociada da forma de fazer política e viver em sociedade.
Desde os primórdios, depositávamos em conversas e artigos uma hipótese relativamente simples: o sistema de trilhos é incrível, mas problemático, submetendo milhares de pessoas a uma rotina de humilhação. Num universo de mais de 20 milhões de habitantes e, só na CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), cerca de 3 milhões de passageiros em média por dia útil (antes da pandemia), parecia razoável supor que encontraríamos muitas pessoas interessadas.
Erramos? Subestimamos os efeitos da humilhação? Distorcemos a realidade sem perceber? Fomos engolidos por nossos próprios privilégios? Será que somos tão marginais assim?
Ainda é cedo para dizer, mas mesmo com algumas aparições midiáticas aqui e ali, a conquista de 5 mil seguidores no cada vez mais moribundo Facebook (cerca de 10% da nossa base no Instagram), nosso alcance não foi capaz de fazer frente ao desafio.
Os trens metropolitanos da CPTM são como uma válvula de escape ao isolamento imposto por padrões de urbanização que imprimem forte segregação socioeconômica. Sozinhos, os trens não resolvem a segregação, nem produzem as melhores relações funcionais entre diferentes parcelas das regiões metropolitanas atendidas, mas encurtam distâncias ao permitir viagens sensivelmente mais rápidas e previsíveis em meio a congestionamentos provocados por automóveis e sistemas ineficientes de ônibus.
Mesmo com a privataria ameaçadora, é difícil ignorar a relevância da CPTM. Não existe outro sistema de trilhos que penetra em regiões com melhor relação entre preço do m² e metragem, ou que conecta tantas centralidades em tão pouco tempo.
Sem a CPTM, como morar no Grande ABC? Sem a CPTM, como morar em Mogi das Cruzes? Só no Serviço 710 (Rio Grande da Serra-Jundiaí), que será abandonado em alguns meses após a assinatura do contrato de concessão da Linha 7-Rubi (Palmeiras·Barra Funda-Jundiaí), ocorrida em Campinas no dia 3 de maio, a CPTM conecta, pelo menos, 12 centralidades:
- Ribeirão Pires: centro compacto que combina comércio popular, turismo, serviços públicos e moradia, com terminal rodoviário e urbano, servindo ainda como terminal de ligação perimetral entre aquele município e Suzano via Linha 215TRO;
- Mauá: centro dotado de comércio popular, incluindo shopping center e uma faculdade estadual, além de um terminal urbano recém-reformulado;
- Santo André: centro multifacetado, com comércio popular e amplo tecido de serviços públicos e privados, acesso a dois corredores de ônibus (Metropolitano ABD e Vila Luzita) e dois grandes terminais, vizinho a uma universidade federal e polo gastronômico;
- São Caetano do Sul: outro bom exemplo de centro, com zeladoria acima da média e alguns cafés e restaurantes, além de lojas mais populares, contando ainda com dois terminais que combinam linhas locais, intermunicipais e rodoviárias;
- Mooca: subcentralidade tradicional da Zona Leste paulistana, com a estação da CPTM ficando próxima à famosa doceria Di Cunto e permitindo acesso ao principal corredor comercial do bairro;
- Brás: entroncamento de linhas conhecido por abrigar um núcleo de comércio popular, sobretudo do setor têxtil, atendendo do atacado ao varejo e atraindo consumidores de todo o país, além de contar com um novo núcleo de edifícios residenciais na face oposta;
- Luz: a estação da Luz é uma alternativa à Estação República para acessar a Avenida Ipiranga e a antiga cinelândia paulistana e, virtualmente, o entorno das estações Anhangabaú e São Bento, funcionando como o melhor ponto de contato da CPTM com o Centro de São Paulo;
- Barra Funda: apesar de ser uma centralidade incipiente e parte de uma operação urbana fracassada, o entorno imediato possui duas universidades, um pavilhão para exposições e eventos, dois parques, dois shopping centers e uma unidade do SESC, além de ser atendido por dois terminais urbanos e uma rodoviária fisicamente integrados à estação;
- Lapa: outro reduto de comércio popular, sendo que a Estação Lapa do Serviço 710 possui o acesso mais conveniente à principal concentração de lojas, ainda que em detrimento do acesso ao terminal urbano associado ao Corredor Inteligente Pirituba-Lapa-Centro;
- Perus: abriga um pequeno reduto de comércio popular e funciona como ponto de contato para acesso via Linha 120TRO ao distrito de Polvilho, o centro de facto do município de Cajamar:
- Caieiras, Franco da Rocha e Francisco Morato: três centros que se complementam e possuem terminais de ônibus para acesso a diferentes sistemas, sendo especialmente um reduto de comércio popular e serviços públicos;
- Jundiaí: finalmente, a estação vizinha ao Terminal Vila Arens facilita o acesso às porções mais dinâmicas do principal município da Região Metropolitana de Jundiaí (RMJ).
Surpreende que, mesmo com a inserção que possui, a CPTM não seja assunto da forma que gostaríamos, o que obviamente reduz a força de nossos apelos. Mesmo diante das ameaças do atual governo, quase ninguém parecia disposto a ouvir um dos membros do Comitê de Luta Contra a Privatização da CPTM (CLCP).
Um ato está marcado para a próxima quinta-feira, 20 de junho (às 17h na Avenida Paulista, altura do MASP), além disso, um novo abaixo-assinado contrário à privatização das linhas 11-Coral (Luz-Estudantes), 12-Safira (Brás-Calmon Viana) e 13-Jade (Eng. Goulart-Aeroporto·Guarulhos) foi criado.
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