Novo bairro “preguiçoso” em Jundiapeba: paraíso ou pesadelo?

Por Caio César | 12/07/2024 | 9 min.

Legenda: Fotografia aérea da Avenida das Orquídeas. Créditos à Secretaria de Gabinete da Prefeitura de Mogi das Cruzes (acesso em 30 de outubro de 2021)
Preocupação com trânsito não pode superar preocupação urbanística e arquitetônica ligada ao loteamento Paradise Downtown e uma série de novos empreendimentos imobiliários que deverão surgir ao longo das próximas décadas na novíssima Avenida das Orquídeas, em Mogi das Cruzes

Índice


Introdução

Este artigo foi motivado por fala recente do vereador Iduigues Ferreira Martins (PT), destacada no Instagram pela agência de notícias Vanguarda Alto Tietê. Bem-intencionado, o vereador sugere a necessidade de equilibrar progresso e fluidez viária, porém, a preocupação excessiva com veículos de passeio, longe de ser exclusiva da política mogiana, merece ser problematizada.


Legenda: Alerta sobre suposto “crescimento indiscriminado de imóveis que estão sendo construídos ao longo das margens da Avenida das Orquídeas”, publicado por @vanguardaaltotiete no Instagram

Para Iduigues, a Avenida das Orquídeas não pode reproduzir os problemas enfrentados na porção leste do município, no distrito de Cezar de Souza, palco de desenvolvimento imobiliário nos últimos anos — por problemas, leia-se: “gente reclamando que tem trânsito em Mogi”.


Cezar de Souza

Apesar de ligeiramente diferente, o caso de Cezar de Souza é relevante porque reforça que Mogi das Cruzes não tem sido capaz de regular o mercado imobiliário adequadamente. Ainda que acumule prestígio e influência, a Helbor, responsável por vários dos empreendimentos ligados à transformação da paisagem suburbana do distrito, não costuma ser sinônimo de arrojo, nem de bom urbanismo. Há, é claro, empreendimentos piores e melhores, mas o panorama geral deixa a desejar.

O resultado do desenvolvimento imobiliário protagonizado por nomes como a Helbor é a transição de uma paisagem suburbana dominada por casas e sobrados, alguns galpões industriais e algumas edificações comerciais de baixo gabarito, para uma paisagem fragmentada por condomínios de casas e apartamentos, com grandes e longos muros, produzindo ruas ainda mais vazias e desagradáveis. A velha e má verticalização difusa e clubística.

Com a condominialização a reboque de uma arquitetura preguiçosa, sem relação com a calçada e sem fachadas ativas, a ausência de uso misto e de pessoas reforça o papel do automóvel como ferramenta de acesso. Há, portanto, um desenho gerador de tráfego, não porque existe “inchaço”, como rotula o vereador, mas devido à existência de uma produção imobiliária que resulta em segregação social, espacial e econômica, comercializada como “segura” e “exclusiva”, quando, na realidade, é arquitetonicamente inexpressiva, mercadologicamente ordinária e urbanisticamente nociva.

Em outras palavras, o que já era ruim, piora. A paisagem continua suburbana porque as intervenções rejeitam a noção de cidade. Legalmente, sim, o tecido é urbano, funcionalmente, o tecido é suburbano, pensado não como parte de uma cidade, mas como um fragmento de acesso controlado que parasita a cidade e que goza de certa autonomia intramuros. Um pequeno simulacro de bairro que exporta aporofobia e congestionamento, enquanto importa bens de consumo e serviços.

Já o suposto inchaço populacional é irrisório, e poderia ser trivialmente absorvido priorizando pedestres, ciclistas e pessoas usuárias de ônibus, afinal, uma faixa exclusiva bem projetada pode facilmente movimentar 5 vezes mais pessoas do que uma faixa de tráfego misto.

Os congestionamentos desapareceriam? De forma alguma, pois a figura do congestionamento só desaparece quando o automóvel enfrenta severas restrições físicas e econômicas, além de exigir reformas em grande escala, entretanto, uma maior quantidade de pessoas poderia se deslocar com qualidade, abrindo espaço para Cezar se adensar o suficiente para que a futura estação da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) não seja um fiasco ufanista.

Legenda: O perímetro em cinza-escuro, localizado no distrito de Cezar de Souza, corresponde ao Projeto Urbanístico Específico (PUE) da Área de Intervenção Urbana (AIU) Região Leste (página 69). A municipalidade enxerga a possibilidade de fomentar um desenvolvimento imobiliário com resultados mais positivos enquanto consolida um circuito de parques e outras intervenções

Verdade seja dita, o Projeto Urbanístico Específico (PUE) da Área de Intervenção Urbana (AIU) Região Leste, publicado em novembro de 2021, parece um avanço substancial para projetar um futuro mais brilhante para a porção leste, na qual o distrito de Cezar de Souza está inserido, porém, não abrange a “nova cidade” que será produzida a partir do loteamento do Plano Urbanístico da Reserva da Serra do Itapety da Alden (na qual há forte participação da Helbor), discutido pelo Coletivo há dois anos.

Contextualização Na primeira metade de julho, a imprensa do Alto Tietê publicou algumas reportagens relacionadas ao Plano Urbanístico da Reserva da Serra do Itapety. Apesar de serem sucintas e não abordarem o plano diretamente, as reportagens veiculadas nos ofereceram indícios importantes em torno da postura da Alden, empresa que entendemos ser a responsável pelo processo de loteamento, tendo como sócios dois grupos empresariais tradicionais de Mogi das Cruzes e Suzano.

Eis que chegamos à ponte que precisávamos para transportar você até Jundiapeba: assim como a Alden tem o poder de criar um terceiro centro para a cidade na porção leste, a Paradise, loteadora muito mais discreta, também tem o poder de criar outro centro na porção oeste, mesmo mirando em públicos-alvos com diferentes níveis de poder aquisitivo.


Jundiapeba

Enquanto a Alden tem priorizado condomínios ricos ao pé da serra, adiando a verticalização prevista para o “setor cidade”, a Paradise idealizou um loteamento mais simples com acesso pela Avenida das Orquídeas, batizado de Paradise Downtown. No caso da Alden, a futura verticalização deverá apresentar alguma dose de uso misto (possivelmente, de qualidade duvidosa, com strip malls glorificados sob a bandeira ComVem), já o Paradise Downtown é um verdadeiro mistério, porque a incorporadora tem baixa presença na Internet, mas perspectivas divulgadas por Li Ho Ming sugerem algumas possibilidades pouco animadoras:

Legenda: Perspectivas divulgadas em hotsite criado por corretor Li Ho Ming, exibindo o perímetro do loteamento antes e depois de sua exploração
  • Tecido de uso misto com edificações de baixo gabarito e elevada metragem, com empreendimentos logísticos, comerciais e industriais de baixo impacto, criando padrões de uso e ocupação similares aos da Alameda Araguaia, em Barueri;
  • Um shopping center tradicional, com um ou dois pavimentos e amplo estacionamento;
  • Um tecido de edifícios comerciais e residenciais, provavelmente sem muitas fachadas ativas;
  • Fruição nas franjas do loteamento.

Em linhas gerais, sim, se Mogi das Cruzes não encontrar meios para fomentar a produção de um tecido compacto de uso misto, com projeto arquitetônico mais cuidadoso e excelente relação entre pessoas e edificações, o automóvel terá seu protagonismo exacerbado mais uma vez, resultando em novas reclamações de congestionamentos.

Legenda: Que tal um Projeto Urbanístico Específico (PUE) da Área de Intervenção Urbana (AIU) Região Oeste? Perspectiva “RESUMO DAS PRINCIPAIS IMPLEMENTAÇÕES SIMULADAS COM OS INCENTIVOS” extraída da página 116 do supracitado projeto de novembro de 2021 para parte do distrito de Cezar de Souza, com instrumentos e paradigmas aplicáveis a outras porções do território mogiano

Abandonar o discurso da fluidez viária é essencial. O discurso de que precisamos é aquele que incorpora o bem-estar humano, consequentemente, a fluidez passaria a ser de pessoas, em diferentes modos de transporte, com foco nos modos mais eficientes, como bicicletas e trens, em detrimento dos focos menos eficientes, como automóveis.

Apesar de o vereador ter alertado sobre o surgimento de muitos empreendimentos ao longo da avenida, as movimentações ligadas à Paradise parecem mais fortes em dois outros loteamentos ultrapassados, nomeadamente Paradise Gardens e Paradise View, este último um lançamento mais recente, implantados na franja do distrito de Braz Cubas, nas imediações do supermercado Alabarce, em área extremamente próxima da rodovia Mogi-Bertioga — o Paradise Gardens é “velho conhecido” e já foi criticado por aqui em 2021. Ademais, uma pesquisa no Viva Real com filtragem por endereço não foi capaz de sugerir abundância de lançamentos.

Prólogo Enquanto alguns acreditam (ou fingem que acreditam) que a revisão do Plano Diretor Estratégico de São Paulo foi adiada por vontade popular, e não pela pressão de grupos de moradores endinheirados dos chamados “bairros tradicionais” ou “bairros nobres” situados dentro do Centro Expandido, as restrições da capital só reforçam apostas mercadológicas em municípios da região metropolitana que, por melhores que sejam, estão geograficamente distantes dos locais com maior concentração de postos de trabalho.

Ambos Paradise Gardens e Paradise View, aliás, são exatamente o tipo de lixo urbanístico que surge quando o automóvel norteia as preocupações: a mancha urbana aumenta desnecessariamente, a população fica mais espalhada, a dependência do carro aumenta e as distâncias a serem percorridas se tornam desnecessariamente grandes.

Transformar o Paradise Downtown num loteamento de sobrados pode, sim, diminuir a quantidade de pessoas e veículos, mas vai garantir que, seja qual for a população residente e flutuante à medida que a consolidação aumentar, esta será condicionada a à motorização indiscriminada, contribuindo para congestionar os locais mais urbanos e densos de Mogi e outros municípios. Seria mais um loteamento suburbana à moda “Alabama” para Mogi chamar de seu.

Legenda: Raul Juste Lores critica subúrbios inspirados num falso princípio de livre escolha. Vídeo publicado no canal do Universo Online no YouTube

Até o momento da redação deste artigo, apenas um empreendimento parece ter sido anunciado no Paradise Downtown: o Paradise Village, um conjunto habitacional vertical no segmento de HMP (Habitação de Mercado Popular), mirando nas faixas de menor renda do PMCMV (Programa Minha Casa Minha Vida).

Legenda: Captura de tela do hotsite do empreendimento Paradise Village, que adota práticas questionáveis, mas que não serão solucionadas olhando através de lentes rodoviaristas

Feio, monótono e repetitivo, assim é o Paradise Village, como é tradicional do segmento, além de, claro, respeitar o ordenamento urbanístico mogiano: não precisa de relação íntima com a calçada, mas precisa de muitas vagas de garagem para nenhuma unidade ficar de fora.

Ao contrário de Cezar de Souza, o distrito de Jundiapeba já conta com uma estação da Linha 11-Coral (Luz-Estudantes). A estação de mesmo nome do distrito, ainda que desconfortável e fora do paradigma do Trem Metropolitano, oferece uma substancial vantagem para a movimentação de pessoas, podendo atenuar a pressão resultante de empreendimentos imobiliários.


Conclusão

Aumentar a população residente ao longo da ferrovia não é uma ideia ruim. Mogi das Cruzes não deveria continuar se expandindo na direção das rodovias Mogi-Dutra, Ayrton Senna (antiga Rodovia dos Trabalhadores) e Mogi-Bertioga, muito menos continuar incentivando condomínios e loteamentos fechados, que dificultam o atendimento por transporte coletivo e induzem geração de tráfego para muito além de seus muros, parasitando todo o vetor do Centro Histórico e Tradicional e do Centro Cívico, situado ao longo do trecho atendido pelas estações Mogi das Cruzes e Estudantes.

A preocupação com o tráfego, embora compreensível, não é compatível com a busca por uma cidade mais sustentável e protetora do meio-ambiente. Grandes condomínios estão livres para desmatar, impermeabilizar e congestionar, enquanto edifícios mais compactos são tratados como vilões isolados, sendo obrigados por lei a contarem com muitas vagas de garagem e a terem relações pouco ou nada humanas com as pessoas e as calçadas.

Finalmente, o sistema viário de caráter arterial precisa ser qualificado para transmitir outro tipo de mensagem à população. O caso da Avenida das Orquídeas é produto de uma engenharia de tráfego anacrônica, que adiciona mais uma avenida radial à malha viária, induzindo o uso do automóvel em conjunto com a má urbanização. A municipalidade deveria priorizar a circulação do transporte coletivo e continuar ampliando e qualificando as conexões cicloviárias. A cidade precisa transmitir outras mensagens e possibilidades de morar, sem se orientar pelo automóvel.




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