COMMU comenta programa de governo de Guilherme Boulos

Por Caio César | 08/09/2024 | 23 min.

Legenda: Acompanhamento de eleições do COMMU: prefeitura de São Paulo 2024
Propostas acertam na priorização dos transportes ativos e públicos, mas tom conciliador preocupa, além disso, o programa é especialmente tímido em relação às demandas habitacionais

Para localizar outros dados em relação à candidatura, incluindo o programa de governo, basta acessar a página correspondente no Sistema DivulgaCandContas.


Mobilidade

22. Expansão dos corredores de ônibus. Vamos expandir os espaços exclusivos para ônibus, como os BRTs, corredores e faixas exclusivas. Para isso, daremos prioridade à construção dos seguintes corredores: Aricanduva, Radial Leste (trechos 1, 2 e 3), Miguel Yunes, M’Boi Mirim, Celso Garcia, Itaim-São Mateus (Perimetral Leste), Norte-Sul e Perimetral Bandeirantes (Bandeirantes – Tancredo – Salim Farah Maluf), além de outros já previstos no PlanMob e no Plano Diretor.

Caio César: a proposta é o mínimo que se espera de uma candidatura progressista com elementos controversos, como a ideia de que

23. Expandir a Tarifa Zero em São Paulo, de maneira gradual, com responsabilidade fiscal e garantindo a frota adequada e a qualidade do transporte.

Caio César: a redação objetiva, mas cuidadosa, reforça o desafio da proposta. Ao encampar um objetivo generalista e amplo de tarifa zero, a candidatura amplia substancialmente as barreiras e custos. Em nome do COMMU, reforço a proposta de implantação de um sistema super local como balão de ensaio, mirando na economia do cuidado (especialmente ligada às mulheres) e na população idosa, redigida no âmbito do Programa de Metas 2021-2024 e Plano Plurianual 2022-2025, que pode ser conferida clicando aqui. Ademais, outras problematizações cabíveis sobre tarifa zero podem ser encontradas aqui.

Contextualização O assunto não recebeu o consenso adequado dentro do COMMU, mas eu gostaria de criticar especialmente a postura do campo progressista e agradeço pelo apoio que recebi de alguns membros, como Tiago de Thuin e o Diego Vieira, além de pessoas que não estão conectadas diretamente ao COMMU, como o Guilherme, responsável pelo São Paulo YIMBY. É importante deixar claro, como principal financiador e contribuidor deste site, que o espaço está aberto para o debate.

Lucian: é importante pautar frota e qualidade, para além da tarifa. O plano apresentado não encapsula discussões já apresentadas pelo candidato e equipe relacionadas a custeio do sistema, que têm se mostrado sérias. O faseamento da Tarifa Zero permite estudo e avaliação do impacto, e é possível iniciar com linhas locais e de atendimento perimetral ou intrabairros, fortalecendo regiões fora do centro expandido. Isso é importante porque implementar Tarifa Zero nos eixos radiais complementares ao metrô pode provocar uma migração em massa dos usuários pagantes dos trilhos, colapsando a rede de ônibus nos corredores paralelos que não tem como dar conta da demanda adicionada, e a Tarifa Zero sofrerá um golpe difícil de se recuperar caso isso aconteça. É fato que manter o sistema no formato como está hoje, sem correções de contrato, mudança na forma de remuneração dos concessionários, e reorganização das linhas, e apenas eliminar a tarifa não será viável ou sustentável.

24. Ampliação das políticas públicas voltadas a pedestres e ciclistas. Vamos realizar investimentos contínuos em calçadas e faixas de pedestres através de uma estrutura de governança inovadora que coordenará ações das diversas secretarias, incluindo melhorias na arborização e no mobiliário urbano. Vamos ainda expandir, com planejamento e consulta, a rede cicloviária, viabilizar bicicletários integrados ao sistema de transporte coletivo e ampliar o programa de bicicletas compartilhadas.

Caio César: a realização de consultas para expansão da rede cicloviária pode inviabilizar sua expansão, ademais, não fica claro como ou por quais motivos a estrutura de governança é inovadora. A expansão do sistema de bicicletas compartilhadas também deveria ter sido detalhada, uma vez que parece esbarrar numa formatação fortemente dependente do capital privado, a qual demonstra, no tempo e no espaço, a própria deseconomia de escala fomentada pelo processo de periferização da capital paulista. Sugestão: expandir a rede cicloviária sem consulta, com riqueza tipológica e integração ao passeio, associada à construção de bicicletários de grande porte em todas as estações e terminais, independente do responsável pela infraestrutura (a municipalidade deveria buscar o melhor resultado em termos arquitetônicos, funcionais e de integração física e tarifária, sem, no entanto, inviabilizar a implantação em caso de ausência de colaboração, sabotagem institucional deliberada, etc.).

Lucian: a coordenação de secretarias para executar investimentos em calçadas é uma ótima política pública que resolve um gargalo grande nessa atuação. Isso permite melhorias qualitativas (de espaço, ocupação e equipamentos) para além da simples reforma padronizada (ainda que muito necessária) dos muitos milhares de quilômetros de calçadas na cidade. A bicicleta requer um compromisso mais firme, que deveria atender ao Plano de Mobilidade (PlanMob/2015) da cidade, vigente, que prevê uma malha completa de 1600 km [checar] até 2028, mais do que os atrasados 700 km hoje existentes. A integração com o transporte e ampliação das bicicletas compartilhadas são ações-chave para multiplicar os usuários de bicicleta e dar resiliência aos sistemas coletivos locais e alimentadores. As críticas ficam, além da ausência de metas, nos termos de “com planejamento e consulta”, que não podem ignorar os mais de 10 anos de planos existentes executados a passos lentos, e as audiências públicas de aprovação das estruturas que já ocorreram em todas as subprefeituras da cidade. Além disso, não há menção ao Programa Bike SP, uma política barata e fundamental, de remunerar o aluno ou trabalhador que utilize a bicicleta no deslocamento diário, e garante a formação de uma massa crítica de usuários cotidianos da bicicleta, com todas as externalidades positivas que isso traz, da redução de congestionamentos à redução das filas por atendimento emergencial no SUS.

Thuin: não seria interessante pautar a responsabilidade única da prefeitura pelas calçadas, com aumento apropriado do IPTU ou até taxa exclusiva de custeio?

24. Plano Mais Ônibus, Mais Conforto. Para enfrentar os problemas de lotação e tempo de espera nos pontos, vamos adotar todas as ferramentas previstas no atual contrato, como a ampliação do controle e da fiscalização sobre o serviço e a remuneração das empresas por viagem realizada, além de estabelecer tempos de intervalos máximos para cada linha. Promoveremos ainda uma auditoria para dar transparência aos termos dos contratos entre Prefeitura e empresas concessionárias, visando maior disponibilidade de frota e aumento da qualidade do sistema. A redução da lotação nos ônibus terá também o efeito de combater o assédio sexual no transporte público.

Caio César: proposta de remediação ou atenuação com efeito prático extremamente limitado. Sistema não possui capacidade em função da escala da periferização e toxicidade das relações funcionais. Ponto. Executar o contrato com o máximo de rigor não oferecerá a capacidade necessária para movimentar contingentes populacionais massivos em janelas de tempo estreitas, sobretudo quando a prioridade viária continua obedecendo uma lógica que oferece menos infraestrutura para o modo que transporte mais. Estamos falando de dedicar duas, três ou até mesmo quatro faixas para linhas de ônibus de altíssima frequência, uma vez que a prefeitura não implanta sistemas trens expressos para conectar as periferias insalubres que promoveu para proteger a paisagem de bairros tradicionais e centrais? Obviamente, não.

Recentemente, o think tank ITDP (Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento) publicou um material sobre a transformação de vias expressas. A princípio, o material parecia ser interessante, até que um olhar atento para a ilustração revelou um BRT (Bus Rapid Transit, ou transporte de massa por ônibus, em tradução livre para o português brasileiro) com dimensionamento extremamente otimista: 15 mil lugares por hora por sentido num BRT de duas faixas ou absurdos 45 mil lugares por hora por sentido num BRT com duas faixas por sentido.

Sendo esta a proposta da candidatura que alegou que “Pinheiros pede socorro”, mais uma vez, a realidade se impõe: é a Pinheiros que se destina o Plano? Obviamente, não. Saliento ainda que a definição de intervalos não garante cumprimento em função das próprias limitações do desenho de rede vigente. A chapa Boulos-Marta fará os cortes de linhas necessários?

25. Segurança viária. Vamos implantar um programa contínuo para reduzir as mortes no trânsito, melhorando a infraestrutura das vias, em conjunto com ações de educação no trânsito, além de ampliar o programa de faixas exclusivas para motos.

Caio César: “melhorando a infraestrutura das vias” é uma expressão incompatível com o que se espera de uma candidatura progressista que envolve um partido supostamente de esquerda, com múltiplas facções internas abertamente pró-socialismo. A proposta deveria contemplar intervenções geométricas para acalmamento de tráfego, impedindo fisicamente o ganho de velocidades acima de 20 ou 30 km/h, além de contemplar ações de redesenho viário que visam reduzir a quilometragem do sistema viário e o volume de asfalto necessário para mantê-lo pavimentado.

Lucian: a proposta é genérica, ainda que seja importante. São Paulo atingiu uma alta histórica de mortes no trânsito, em todos os segmentos. A única medida mencionada especificamente, as faixas exclusivas para motos, não tem eficácia comprovada e já foi abandonada antes quando a CET atestou, na gestão Kassab, que elas aumentavam o número de sinistros (o leitor pode se lembrar das motofaixas nas avenidas Vergueiro e Sumaré, junto ao canteiro central).

Thuin: melhorar a infraestrutura das vias é uma frase ampla demais, e por isso perigosa. Pode acabar significando investimentos em carros, em detrimento do investimento no transporte público.

26. Transporte escolar mais perto de você. Vamos ampliar o acesso ao Transporte Escolar Gratuito (TEG), avaliando a redução da distância mínima (atualmente em 1,5 km) entre casa e escola, para diminuir a evasão escolar e facilitar o dia a dia de mães e pais de alunos. Vamos também construir, desde o primeiro momento, uma mesa de diálogo com os transportadores escolares para facilitar acesso ao crédito para renovação da frota.

Lucian: a renovação da frota do TEG pode ser uma boa proposta se for vinculada com a descarbonização e eletrificação da frota, embora isso não seja mencionado. A redução da distância de 1,5km obriga o questionamento de que tipo de cidade construímos se não é possível caminhar um único quilômetro cotidianamente de forma segura e confortável.

Meio ambiente

28. Plano de drenagem e combate à crise climática. Atualizar o Plano Diretor de Drenagem (PDD), associando obras que utilizem estruturas de retenção convencionais com infraestrutura verde, priorizando áreas permeáveis, como parques lineares, praças de infiltração, jardins de chuva e micro-reservatórios. Além disso, vamos elaborar um novo Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR) e criar os Centros de Referência de Proteção e Defesa Civil, reorganizando a estrutura do município para uma gestão permanente de riscos e desastres, com políticas preventivas e de preparação para situações de emergência climática.

Caio César: a proposta tenta minimizar o impacto das intervenções, sem atacar frontalmente o tema: se há problemas graves de drenagem, significa que o meio pode não suportar o tipo de urbanização existente. É preciso colocar na ponta do lápis as intervenções, para não criar um funil bilionário para preservar subúrbios carristas em áreas centrais da capital com intervenções de baixa incomodidade. Ademais, a melhor forma de minimizar riscos e a necessidade de atuação da Defesa Civil é não normalizar favelas e loteamentos clandestinos, sobretudo aqueles em meios físicos incompatíveis com técnicas construtivas de baixo custo, sendo assim, reforço meu impopular diagnóstico que impõe a necessidade de oferecer moradia verdadeiramente digna, eliminando bolsões clientelistas ligados à exploração de miseráveis e vulneráveis.

29. Criar Corredores Verdes. Vamos arborizar vias e áreas públicas, especialmente nas ilhas de calor urbanas, utilizando tecnologia para monitorar a saúde das árvores e para tornar mais eficientes os serviços de poda e manejo. Nesse mesmo sentido, implantaremos novos parques na cidade, voltados para preservação e lazer.

Caio César: a implantação de parques é bem-vinda, mas não pode ser capturada por endinheirados para barrar o adensamento construtivo e populacional em áreas centrais e bem-servidas de infraestrutura. A arborização generalizada exige reduzir o espaço ocupado pelo sistema viário e reforçar as equipes de zeladoria para poda e manejo vegetal, sendo bastante impopular e potencialmente dispendiosa, embora urgentemente necessária. Sugiro que a cidade implante parques desmontando grandes vias expressas que, ainda que classificadas como arteriais, exercem papel concreto de rodovias urbanas, tais como as marginais Tietê, Pinheiros, av. 23 de maio, av. dos Bandeirantes, av. Aricanduva, entre outras.

30. Transformar São Paulo na Capital da Transição Energética. Vamos investir na renovação dos ônibus e dos veículos utilizados pela Prefeitura, incentivando combustíveis limpos e renováveis, com a meta de tornar 50% da frota de ônibus elétrica ou híbrida. Vamos ainda incentivar a aplicação da Lei 15.997 para promover a política de incentivo ao uso de carros elétricos ou movidos a hidrogênio.

Caio César: as frotas motorizadas mais problemáticas são aquelas compostas por veículos pesados, logo, a prefeitura deveria trabalhar para recuperar e ampliar o sistema de trólebus, com novos trechos de rede aérea e infraestruturas fixas (tais como subestações). Refresco a memória alertando que, no passado, Marta Suplicy (PT), quando prefeita, trabalhou em prol da extinção do sistema trólebus e foi responsável pelo desmonte de parte da rede, sobretudo nas zonas Sul e Oeste da cidade. Marta interferirá para eliminar os ônibus elétricos originais, baseados na alimentação por fio trólei?

Lucian: os carros elétricos e a hidrogênio são veículos com preço inicial de mais de R$ 130 mil, e é no mínimo questionável se o foco da prefeitura deve ser subsidiar o público de alta renda que os utiliza. Não há menção da micromobilidade ou de bicicletas elétricas que são essenciais nessa transição do transporte individual. A eletrificação da frota de ônibus significa pelo menos 7.000 novos ônibus, e isso requer dar atenção e renovação do moribundo sistema de trólebus, que também não é mencionado.

Thuin: renúncia fiscal para promover carros elétricos, que não resolvem a maioria dos problemas locais relacionados aos automóveis, é uma ideia problemática, e mais ainda se levando em consideração que, no atual estado do mercado, isso é uma renúncia fiscal em prol de consumidores ricos.

32. Sistema municipal de gestão integrada para as Áreas de Preservação e Recuperação de Mananciais. Vamos promover a articulação dos agentes públicos e da sociedade civil, fortalecendo a GCM Ambiental e a fiscalização das Subprefeituras em áreas de mananciais e destinando mais recursos para o Programa Mananciais, com o objetivo de garantir a segurança hídrica, a qualidade dos mananciais, a readequação ambiental dos assentamentos existentes e a compatibilização de usos sustentáveis.

Caio César: os assentamentos existentes deveriam ser removidos e transformados em parques e áreas de baixa densidade com mobilidade limitada e associada aos transportes públicos, considerando a flagrante ociosidade de áreas centrais.

Habitação

33. Programa Periferia Viva de Urbanização e Melhoria Habitacional. Faremos urbanização integrada das favelas da cidade, através de: (i) melhorias voltadas a pequenas reformas e requalificações em moradias precárias, como forma de combater o déficit habitacional qualitativo no município, beneficiando 100 mil famílias; e (ii) elaboração de planos urbanísticos locais que definirão as prioridades da intervenção de urbanização – saneamento, obras viárias, pavimentação, contenção e estabilização do solo e recuperação ambiental – além de execução de obras de infraestrutura urbana e equipamentos públicos nas comunidades.

Caio César: pequenas reformas e requalificações, além da difícil previsibilidade em termos de projeto e custos, não resolvem tecidos repletos de patologias. O combate ao déficit habitacional exige oferta de moradia digna, sem distinção entre favela e tecido urbano da cidade formal. Minha sugestão é para que a gestão trabalhe para eliminar as favelas. Se Boulos, Marta e boa parte do gabinete não se mudariam de forma deliberada para as favelas abrangidas pela proposta, significa que a proposta não é capaz de oferecer moradia digna.

34. Implantar o Serviço de Locação Social. Vamos disponibilizar novas moradias, requalificando com retrofit edifícios públicos abandonados para locação social e serviço social de moradia, a exemplo do modelo já adotado em grandes metrópoles globais.

Caio César: proposta de baixo impacto considerando a amplitude do déficit. O aluguel social deveria privilegiar unidades novas em áreas de m² exorbitante, como Pinheiros. É urgente que a prefeitura capture parte da produção e a inclua num rigoroso estoque de moradia para locação social, com assistência social permanente para coibir

Lucian: apenas o retrofit de edifícios públicos abandonados não faz nem cócegas no déficit habitacional da cidade. Não existe forma de combater o problema sem a construção massiva de novas habitações para o atendimento da demanda, seja por programas de aquisição, ou seja por prestação de serviço de moradia, É decepcionante ver uma proposta tão tímida e pequena vinda do candidato que iniciou sua militância no MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto).

35. Amplo programa de regularização fundiária. Vamos beneficiar ao menos 250 mil famílias em programas de regularização fundiária, garantindo títulos de posse e propriedade em áreas periféricas, de forma integrada com iniciativas de urbanização e melhorias habitacionais.

Caio César: se há regularização fundiária a fazer, significa que há histórico de loteamento clandestino ou irregular, potencialmente inadequado para habitação digna. Reitero os mesmos pontos que fiz para a proposta 33 e insisto que a prefeitura deve ser capaz de promover a construção de uma cidade digna para todas as pessoas.

36. Construir 50 mil unidades habitacionais de interesse social. Vamos dar prosseguimento à aquisição de unidades contratadas e realizar a construção de novas moradias, por meio de programa municipal próprio e também fortalecendo a parceria com o programa Minha Casa, Minha Vida. Promoveremos ainda a atuação conjunta com entidades e cooperativas para construção habitacional, estimulando a gestão direta de projeto e obra e a contratação de Assistência Técnica de Habitação de Interesse Social (ATHIS).

Caio César: quantidade irrisória. É urgente que a prefeitura dispute lotes em bairros de classe média com bons indicadores e caráter menos periférica, como Vila Formosa e Vila Prudente e erga conjuntos de boa qualidade usando técnicas de construção rápida e limpa, como LST (light steel frame, estrutura em aço leve ou galvanizado, em tradução livre para o português).

Lucian: a proposta é tímida frente ao déficit habitacional, e falta qualificação. Um dos problemas históricos do PMCMV (Programa Minha Casa Minha Vida) foi a construção de unidades em terrenos baratos por serem afastados do centro das cidades e desprovidos de infraestrutura, algo que o programa não aborda, embora o candidato tenha falado em entrevista do “subsídio de localização” (ver Roda Viva de 26 de agosto) para estimular empreendimentos no centro. A ação conjunta com cooperativas para construção é muito positiva, já que historicamente o PMCMV modalidade Entidades (apenas 1% do orçamento) construiu habitações em média mais baratas e com metragem maior do que a modalidade Construtoras (99% do orçamento do PMCMV).

Thuin: 50 mil moradias em quatro anos é muito pouco, diante do déficit de pelo menos 400 mil moradias, e crescimento anual da população de 15.000 pessoas — e tanto o déficit quanto o crescimento estão concentrados na fatia da população para a qual o mercado privado formal não oferece moradia digna. Aliás, 50 mil moradias em quatro anos era a promessa da campanha Covas.

Reestruturação do Centro

46. Choque de zeladoria. Vamos intensificar as ações de zeladoria, limpeza pública, iluminação, mobiliário urbano e inclusão de áreas verdes, promovendo a valorização do ambiente urbano em espaços de grande circulação na região central da cidade. Essa iniciativa de melhoria dos espaços públicos do Centro será complementada pela política de acolhimento humanizado para a população em situação de rua, já referida neste Programa.

Caio César: as ações aludidas não deveriam apresentar contraste em relação às mesmas ações na periferia: eu quero o mesmo mobiliário de qualidade do Centro na Zona Leste também. Áreas de intenso comércio popular, como aquelas localizadas na Lapa, em Perus e em São Miguel Paulista deveriam receber tratamento tão bom ou melhor do que o previsto para a Zona Central.

47. Programa Novo Centro. Seguindo as experiências de reestruturação de Centros Históricos em várias metrópoles globais, vamos fortalecer a vocação baseada na economia criativa e no lazer, implantando um circuito turístico, gastronômico e cultural, a partir das próprias características e potenciais de cada área do Centro Histórico. A Prefeitura irá estimular e induzir o desenvolvimento focado nestas áreas, com diálogo e participação da sociedade civil e dos empresários que já atuam na região.

Caio César: sou cético e já expliquei que há desafios devido à existência de múltiplos centralidades e a recusa de aceitar os efeitos das intervenções, como a substituição populacional.

Contextualização Este artigo tece comentários a respeito do vídeo “PROPOSTAS PARA O CENTRO DE SP | Pra Cuidar de São Paulo”, ligado à candidatura da chapa oficializada por Guilherme Boulos (PSOL) e Marta Suplicy (PT) em 20 de julho. O vídeo foi carregado no canal de Guilherme Boulos no YouTube na segunda metade de julho, em 18 de julho de 2024. Legenda: Vídeo “PROPOSTAS PARA O CENTRO DE SP | Pra Cuidar de São Paulo”, publicado no canal de Guilherme Boulos no YouTube Nossas primeiras reações podem ser extraídas a partir das falas de Lucian De Paula e Caio César, os dois primeiros membros do Coletivo que assistiam o material.

48. Requalificação dos imóveis abandonados. Vamos investir em programas de retrofit de prédios públicos abandonados no Centro, para mudar a cara de regiões atualmente degradadas, enfrentando projetos de segregação. Para isso, teremos duas linhas de destinação dos imóveis reformados: (i) Programa Meu Primeiro Escritório, com salas comerciais reformadas para que jovens recém-formados possam estabelecer seus escritórios e atividades profissionais; (ii) Serviço Social de Moradia, por meio de programa de locação social.

Caio César: o “Programa Meu Primeiro Escritório” reforça como a esquerda endinheirada tem dificuldade de estabelecer programas coerentes. Um programa do tipo precisa ser muito bem formatado para não parecer um luxo mirando nas classes mais altas, as únicas capazes de girar um negócio mais facilmente devido à estrutura familiar preexistente.

Lucian: a destinação proposta, de escritórios, trazendo emprego, renda e capital, em conjunto com a moradia social, traz boa articulação para o centro. Mas é preciso reconhecer que o parque de prédios públicos abandonados é bastante restrito, e não é abordado o problema dos imóveis privados abandonados no centro.

49. Recuperação das ruas comerciais. Vamos oferecer incentivos e linhas de crédito facilitadas aos comerciantes que desejem reabrir lojas fechadas no Centro e criaremos, em parceria com o Ministério do Turismo, um circuito de compras que promova o turismo comercial nessas ruas, com atenção especial para o maior circuito de comércio popular da América Latina, composto pelos eixos Brás / Bom Retiro / Rua 25 de Março / Rua Santa Ifigênia. Retomaremos ainda as experiências exitosas de parceria da Prefeitura com associações de comércio local para requalificação urbana das principais ruas comerciais em todas as regiões da cidade.

Caio César: reforço que gostaria de um tratamento similar para as centralidades que, hoje, disputam capital e recursos com o Centro, potencialmente reduzindo deslocamentos.

Lucian: as parcerias com associações de comércio são positivas porque permitem uma aplicação de capital de forma coordenada e coletiva em projetos locais atrativos, como o famoso calçadão de Osasco, ao invés de dezenas de intervenções particulares, desalinhadas e de qualidade variável, como as calçadas da rua Augusta. Essa coordenação é condição para uma intervenção mais ambiciosa no espaço, com mobiliário diferenciado, bebedouros, mistura de funções, iluminação para pedestres e mudança na lógica de circulação. Os incentivos e linhas de crédito precisam garantir controles para não serem apenas capturados por proprietários sem se traduzir em obras e melhorias concretas dos imóveis, mas já passou há décadas a hora de haver um projeto diferenciado para o eixo de compras do Bom Retiro/Brás/25 de março.

Trabalho e desenvolvimento econômico

50. Centros de Apoio aos Trabalhadores de Aplicativo. Vamos criar unidades de apoio aos trabalhadores de aplicativo em todas as regiões da cidade. Serão espaços com banheiro, copa equipada para esquentar marmitas, água, café, área de descanso e ponto de recarga para celulares. O local também contará com postos de assistência ao trabalhador, tais como consultoria jurídica, assessoria administrativa e financeira e orientações sobre microcrédito.

Caio César: os centros de apoio em questão são uma solução estatal para um problema privado. Cuorisamente, a classe trabalhadora não costuma encontrar propostas do tipo para contar com sanitários de boa qualidade (o que nem sempre é o caso em terminais de ônibus sob responsabilidade das concessionárias contratadas pela municipalidade), bebedouros e cozinhas públicas, mesmo percorrendo longas distâncias. Aliás, muitas empresas oferecem refeitórios, por qual motivo os atravessadores tecnológicos também não deveriam fazê-lo? Ao implantar tais centros, o erário estará subsidiando operações de atravessadores digitais, absorvendo obrigações que deveriam ser de responsabilidade destes (como a implantação de refeitórios).

Lucian: uma boa ideia, criativa, que enfrenta um problema recente das cidades, para a qual não há soluções prontas e consolidadas. A massa de trabalhadores de aplicativos é um público bastante vulnerável, sem garantias trabalhistas e sem oferta de infraestrutura de apoio ao longo de sua jornada. Um local como o proposto traz um mínimo de dignidade para o corre diário. A concentração dos usuários é um ótimo local para a articulação com outros serviços sociais de apoio.

Desenvolvimento urbano e zeladoria

114. Priorizar o conceito de Cidade para Pessoas. Vamos ampliar a democratização do espaço viário e a reabilitação do espaço público, ampliando o programa Ruas Abertas, o estímulo a fachadas ativas e adotando medidas urbanísticas para aumentar a segurança no espaço público, tais como iluminação e câmeras de monitoramento.

Caio César: a implantação do programa deveria se inspirar na experiência de Montreal e, a partir de um urbanismo tático, buscar consolidar mais espaços para pessoas. A municipalidade tem fugido da responsabilidade de promover o desmonte de estruturas rodoviárias de alto impacto e baixa capacidade.

Lucian: o programa Ruas Abertas é uma ótima iniciativa, que precisa ser expandido geograficamente e em horário de funcionamento. Para a iluminação provocar as melhorias apontadas ela precisa ser implementada na escala das pessoas, dos pedestres, e não ser apenas iluminação viária orientada para carros. As fachadas ativas já estão ordenadas no Plano Diretor, que tem vigência até 2029.

Thuin: um segundo passo do Ruas Abertas seria a transformação de vias em calçadões. Seria interessante pelo menos iniciar estudos nesse sentido (poderia começar pela avenida Paulista).

115. Inovar nos serviços de zeladoria. Vamos agregar tecnologia aos serviços de corte, poda de árvore, capinação e limpeza de bueiros, dando mais eficiência aos processos e diminuindo custos. Vamos ainda implementar uma política permanente e preventiva em limpezas de córregos e piscinões.

Caio César: proposta vazia. Não detalha a inovação. Não detalha a política permanente e preventiva (parece tão óbvia, mas deve existir alguma dificuldade, porque também parece que nunca foi feita).

116. Implantar um programa permanente de recapeamento das vias públicas. Vamos promover a descentralização do tapa-buraco para que a Subprefeitura possa ter autonomia para efetuar o serviço com eficiência e agilidade, em tempo real, para que a preocupação com recapeamento não fique restrita a iniciativas de ocasião nos períodos eleitorais.

Caio César: o programa de recapeamento deveria ser substituído por um programa de avaliação das infraestruturas de circulação, que não imporia discriminação positiva a favor das vias voltadas ao tráfego de automóveis, e, sobretudo, buscaria reduzir a necessidade de recapeamento e da existência de vias com capacidade de suportar o tráfego de veículos motorizados. Em outras palavras: no lugar de recapear, a prefeitura deveria construir calçadões, praças, ciclovias integradas a amplos passeios, vias exclusivas para tráfego de ônibus em baixa velocidade (como os transit malls de algumas cidades dos Estados Unidos), etc.

Legenda: Vídeo publicado há 6 anos no canal ColoradoRMN. Clique aqui para abri-lo no YouTube

Lucian: o recapeamento já é prioritário, com um orçamento de mais de 1 bilhão anual, superando em muito os investimentos acumulados em ônibus, bicicletas e pedestres em toda a gestão. O problema de recape não é a agilidade do serviço (o serviço de tapa-buraco pelo 156 já tem o menor tempo de resposta e conclusão de qualquer serviço da prefeitura), mas um uso excessivo de automóveis, progressivamente maiores, mais pesados e mais desgastantes, e uma extensão exagerada causada pelo espraiamento da cidade. A manutenção de um asfalto “ideal” drena recursos sem limites, em especial do FUNDURB (Fundo de Desenvolvimento Urbano), que impossibilita aproximar a escala de investimento na mobilidade ativa e coletiva. É preciso discutir uma dieta viária para poder conservar melhor um espaço mais enxuto e racional, que acabe realizando um maior de transporte de pessoas ao priorizar modos com maior capacidade do que o automóvel privado.

Thuin: o incentivo a carros elétricos e, mais ainda, a caminhões elétricos, ou a opção pelos ônibus elétricos a bateria, são também contraproducentes quanto à manutenção do asfalto, lembrando que o impacto de um veículo no asfalto é equivalente à quarta potência do peso.


Colaborações: Caio César (iniciativa, introdução, comentários, revisão e formatação), Lucian De Paula (comentários) e Tiago de Thuin (comentários) são co-autores deste artigo



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