Plano Diretor da Cidade Universitária da USP: uma oportunidade a não ser perdida

Por Rodrigo dos Santos | 05/11/2024 | 10 min.

Legenda: Adaptado de “Fotorreportagem da USP na Cidade Universitária. Local: São Paulo/SP. Data: 26/07/2018. Foto: Governo do Estado de São Paulo”, Wikimedia Commons, licença CC BY 2.0
O novo Plano Diretor da Cidade Universitária deriva de um processo participativo inovador e da busca pela vanguarda e modernidade da universidade. É fundamental que não seja mutilado. Entenda

No último dia 18 de outubro, foi lançado o documento com as propostas consolidadas para o novo Plano Diretor da Cidade Universitária Armando Salles de Oliveira da Universidade de São Paulo e, ao contrário dos planos anteriores, este plano diretor não está sendo criado dentro da estrutura burocrática da universidade, o elemento participativo está ativamente presente em sua construção, algo muito positivo para uma instituição que ainda tem suas principais instâncias de decisão uma participação pequena da população dos trabalhadores, estudantes e estudantes-moradores do campus. Mas, por outro lado, a USP é sinônimo de vanguarda e modernidade, e esse plano diretor tem a grande possibilidade de ser prova da excelência da universidade transposta para sua própria sede.

Não vamos aqui destrinchar o processo de criação do plano, mas caso seja de interesse, tudo feito até agora está documentado no site oficial do Plano Diretor Participativo - Campus USP Capital-Butantã.

Algo importante a se notar é que essas propostas ainda não foram aprovadas, pois passarão por órgãos de deliberação da universidade, primeiramente pelo Conselho Gestor do Campus USP Capital-Butantã e após no Conselho Universitário da Universidade de São Paulo e, além disso, também utilizamos os planos diretores anteriores para ter um referencial de qual campus está se desenhando no horizonte.

Num breve histórico, a idealização de um campus para a universidade coincide com a sua implementação na década de 1930. Em um primeiro estudo, de 1935, era projetado uma área que se estendia da atual Faculdade de Medicina da USP (situada na Avenida Doutor Arnaldo) em direção à noroeste, onde hoje se localiza os bairros de Vila Madalena e Alto de Pinheiros, atravessando o Rio Pinheiros e ocupando o terreno da Fazenda Butantã.

Legenda: Estudo para implementação da Cidade Universitária da USP - 1935 (Fonte: Plano de Desenvolvimento Físico da CUASO 1998)

Devido a diversos fatores, desde políticos, sociais e econômicos, a implantação do campus se iniciou de fato nos anos 1950 e foi restrita somente à margem do lado do Butantã. Um conjunto de diversos projetos que em regra não conversavam entre si foram realizados ao longo dos anos, com a implementação gradual das unidades de ensino. Outros projetos também influenciaram drasticamente ao aspecto que temos hoje da Cidade Universitária, como a Vila Panamericana em 1963 (parte demolida e parte preservada como Conjunto Residencial da USP - CRUSP), o conjunto esportivo para o Pan-Americano de 1975 (evento este que foi cancelado e transferido para a Cidade do México), a cessão de diversas áreas, como a área que, em 1956 foi delimitada para o Instituto de Pesquisas Nucleares - IPEN, a ocupação de áreas como as que constituem as atuais favelas São Remo e Carmine Lourenço (também chamada de Vila Clô ou Sem Terra), a construção e desmonte de unidades provisórias, um pensamento projetivo realizado a partir da escala do transporte motorizado individual tipicamente modernista e outros fatores. Com isso, temos um tecido urbano misto e complexo, mas que, ao mesmo tempo, se diferencia drasticamente do resto da cidade. Mais fatos sobre a constituição do campus podem ser conferidos no Plano de Desenvolvimento Físico da CUASO de 1998.

Legenda: Vista da Cidade Universitária em construção na década de 1960. (Fonte: Acervo Poli/Jornal da USP)

Partimos então para análise das propostas, focando nas questões apresentadas nas áreas de mobilidade e urbanidade. Começaremos com as propostas do Eixo 1 - Caminhos e Encontros. Logo na Diretriz 1A - Circulação Interna, vemos o foco voltado para os pedestres e ciclistas, tirando de vez os resquícios do foco nos carros que permeou as políticas de gestão do campus até o final dos anos 1990. Destaque para a proposta de remoção dos estacionamentos que se situam nas entradas das unidades, além do mapa relacionado a esse eixo propor moderação de tráfego em vias locais e em rotatórias — uma praga rodoviarista da qual o campus está infestado. A rede de caminhos de pedestres proposta os torna estruturantes na vivência e utilização do campus, e um eixo em específico, o que conecta a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - FFLCH ao Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas - IAG é visivelmente um vislumbre integrativo do projeto do Corredor das Humanas. Algo que estava presente nos planos diretores de 2001 e 2013 era uma passarela que cruzava o rio Pinheiros e realizava a ligação a uma então prevista estação do Trem Metropolitano na Linha 9-Esmeralda (Osasco-Mendes·Vila Natal), acreditamos que tal proposta poderia ser revisitada, mas para a construção de uma passarela ligando o campus diretamente com a estação Cidade Universitária (assim os pedestres não necessitam utilizar a travessia pela ponte Cidade Universitária, que tem questões de segurança, conforto e iluminação para os pedestres) e outra ligando a estação Villa Lobos·Jaguaré e o Parque Villa Lobos ao campus.

Antes de seguir para a Diretriz 1B - Acesso ao Campus, vale ressaltar aqui, que esse é o primeiro plano diretor do campus a incluir uma estação de metrô, a futura estação USP da Linha 22-Marrom, sendo tal fato noticiado na imprensa, e que somente após a conclusão e abertura desta estação de metrô que o campus de fato terá um acesso que atenda devidamente a sua demanda de cerca de 70 mil pessoas que se deslocam diariamente para a cidade universitária. Nisso vemos que, até a conclusão desta linha — que sabemos que poderá levar algumas décadas —, o plano diretor se esforça para mitigar a questão do acesso ao campus, priorizando o transporte ativo e o transporte coletivo.

Destacando-se a proposta de implementação de transporte de média capacidade — o qual poderá ser BRT (Bus Rapid Transit, ou transporte de massa por ônibus, em tradução livre), VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), monotrilho, etc. — que, conforme o Mapa 01 tem um traçado que segue o eixo das Avenidas Afrânio Peixoto, da Universidade e Luciano Gualberto, vemos que não há uma ligação tão próxima com a Avenida Vital Brasil e a estação Butantã, algo que poderia ser resolvido prolongando o traçado até a Avenida Valdemar Ferreira em seu cruzamento com a Rua Pirajussara, ponto que se situa somente a duas quadras de distância do metrô. Também o traçado poderia se estender para a Avenida Professor Almeida Prado e Professor Lineu Prestes, funcionando num sistema circular.

A questão dos ônibus BUSP (ônibus que tem passagem gratuita para estudantes e funcionários da universidade), que teve um redesenho implementado em setembro de 2024 e dos ônibus municipais regulares que atendem ao campus são atendidos com uma proposta de melhoria e redesenho, mas acreditamos que a proposta poderia ser mais ousada, propondo a ligação dos ônibus BUSP com os bairros do entorno do campus.

Legenda: Ônibus BUSP (Foto: Marcos Santos/USP Imagens)

A Diretriz 1C - Pontos de Encontros, desenha de forma muito inteligente um campus com diversos lugares de estar, que também podem ser chamados de “terceiros lugares”, onde a convivência e interações são possíveis e desejadas, e em conjunto com a Diretriz 1D - Segurança viária, com propostas de ruas compartilhadas e moderação de tráfego, poderão proporcionar um campus destinado cada vez mais para a escala humana. Mas o destaque principal desta última diretriz fica para a criação de um observatório para monitorar a mobilidade no Campus, que poderá agregar para a melhoria desta questão no campus, mas também poderá trazer pesquisas que possam inovar o campo da mobilidade.

No Eixo 2, que trata de patrimônio, vemos uma grande evolução em comparação com o plano de 2013, que colocava as Avenidas da Universidade, Professor Luciano Gualberto, Professor Mello Moraes, Professor Lucio Martins Rodrigues, Professor Lineu Prestes e Professor Almeida Prado (e as rotatórias no encontro dessas avenidas também) como bens a serem preservados, e agora não serão mais preservados (o que era um completo absurdo), possibilitando as propostas do eixo anterior serem aplicadas de forma integral. Destacamos também as diretrizes 2C - Áreas Verdes e 2D - Flora, que criam diversas estratégias para manutenção e preservação adequada destes patrimônios.

O Eixo 3, que trata do zoneamento, colabora muito com uma nova constituição espacial do campus, principalmente com suas zonas especiais, locais que preveem revitalização completa seguindo a sua finalidade. A Zona Centro do Campus, retoma o conceito de “Core” (núcleo) que havia nos primeiros projetos no início da construção do campus, finalmente pode viabilizar uma centralidade com comércios e serviços que são essenciais e inexistentes na cidade universitária, necessários principalmente para os estudantes-moradores do CRUSP e pelos trabalhadores de finais de semana. Além dessa, há a Zona Campus Parque, focada em atividades físicas e reestruturação do espaço para essa finalidade, que pode resolver a questão de atrito entre praticantes dessas atividades e outros usuários do campus. A Zona do Parque dos Museus sinaliza que a construção paralisada há mais de uma década da então chamada Praça dos Museus será finalmente retomada.

Legenda: Obra inacabada da Praça dos Museus (Foto: Felipe Rau/Estadão)

O Eixo 4, é focado em infraestrutura e serviços como questões de gerenciamento de resíduos sólidos, geração de gases estufa, sistema de drenagens entre outros. Já o Eixo 5 se relaciona com o Campus Parque citado anteriormente. Como o Eixo 4 não faz parte do escopo das nossas discussões e o Eixo 5 já foi discutido, seguiremos ao Eixo 6.

O Eixo 6, chamado de Campus e a Cidade, nós vemos que há uma preocupação com a relação com o entorno do campus e com as instituições vizinhas, principalmente no quesito de uma melhor fruição no acesso ao campus para atividades não acadêmicas, como nas áreas de cultura, esporte e lazer, a criação de novas portarias também facilita o estabelecimento dessa nova dinâmica, e frisamos novamente que a construção de passarelas ligando a USP ao outro lado do Rio Pinheiros também colaboraria para uma maior integração com o entorno. A diretriz 6C - Urbanidade contempla as questões como o oferecimento de comércio e serviços no campus, que, assim como a instituição da Zona Especial Centro do Campus delimita, trará possibilidade de uma vivência na cidade universitária menos isolada e dependente do resto da cidade. A diretriz 6D - Relação com o Bairro São Remo se mostra uma das mais importantes comparando aos planos anteriores que previam formas da universidade retomar a área e realizar uma “reurbanização” forçada nessa favela. As propostas de regularização fundiária e de parceria são ímpares e visivelmente se relacionam com questões e dados levantados no Censo Vizinhança USP.

O Eixo 7 trata da governança do campus e da implantação do Sistema de Planejamento, Gestão e Governança, que será responsável por implementar este plano diretor, uma ação certeira já que visa a integridade do mesmo.

Legenda: Conjunto Residencial da USP - CRUSP (Foto: Marcos Santos/USP Imagens)

Mas o que mais sentimos falta: a previsão de construção de novas unidades para moradia estudantil (que podem ser construídas em outros lugares do campus que não no entorno do conjunto residencial atual). É um tanto dicotômico o volume de obras previsto para os próximos anos na universidade, que vão desde a reestruturação do campus baseada neste plano diretor, passando por obras extremamente custosas como a expansão de diversas unidades; a construção da Zona Especial de Apoio a Serviços, Infraestrutura e Manutenção; a construção do Distrito Tecnológico do Jaguaré (sendo que já há um centro de inovação e tecnologia na universidade, o Inova USP com um prédio inaugurado em 2017 que ainda é subutilizado); e a finalização das obras da Praça dos Museus, o volume em cada um desses investimentos passam da casa das centenas de milhões, e ofuscam o valor de R$ 50 milhões para questões de permanência.

Ainda existem muitas questões que não abordamos aqui, mas tentamos fazer um resumo e uma análise deste documento com as propostas consolidadas, e, por fim, consideramos que, comparado aos planos diretores anteriores, é possível notar que este plano diretor é arrojado, algo que realmente esperaríamos da Universidade de São Paulo, e que aqui está uma oportunidade ímpar da Cidade Universitária ser um local de exemplo em questões urbanas, políticas como moderação de tráfego, redução de estacionamentos, instalação de uma extensa infraestrutura cicloviária, e o foco no pedestre são exemplos de soluções provadas ambiental e socialmente benéficas e vanguarda. Esperamos que o Conselho Gestor do Campus e o Conselho Universitário votem a favor desse plano e não o mutilem, pois visivelmente tem um alto nível de execução de trabalho envolvido, além de conter preocupações com situações atuais extremamente importantes. Aprovar ele com as propostas atuais é extremamente necessário. Esperamos também que nossas propostas possam ser ouvidas, e quem sabe, incluídas no plano.

Legenda: Praça do Relógio (Foto: Fábio Durand / USP Imagens)



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