Distância entre estações e densidade: reflexões rápidas

Por Caio César | 13/11/2024 | 4 min.

Legenda: Estação Dom Bosco
Ao refletir sobre a posição das estações e a densidade das áreas atendidas, não há como ignorar que um dos grandes desafios da nossa região metropolitana passa pela existência de uma mancha urbana difusa e densa, afetada por relações funcionais com centralidades historicamente hostis ao aumento da densidade demográfica

Reece Martin, do canal RMTransit, publicou um vídeo relativamente curto e oportuno em torno da relação entre espaçamento de paradas e a densidade de atendimentos, com algumas considerações em torno da escolha modal (ou seja, ônibus ou bonde local, metrô regional, etc.).

Embora Martin tenha mencionado exemplos como a RER (Rede Regional Expressa ou Rede Expressa Regional, traduções livres do francês para o português) e recheado o vídeo com imagens de sistemas canadenses, como aqueles presentes em Vancouver e Montreal, as noções apresentadas não são particularmente exclusivas do Canadá ou França, muito pelo contrário.

De partida, é relativamente intuitivo que, quanto mais paradas há numa linha, mais demorada será a viagem, ao passo que, também é relativamente intuitivo que, quanto mais paradas há numa linha, maior a capilaridade das relações que surgem a partir dela, pois há mais oportunidades de acesso de e à linha.

Um dos grandes desafios da RMSP (Região Metropolitana de São Paulo) é, justamente, a oferta de ligações mais expressas em meio às carências de atendimento que existem numa mancha urbana bastante difusa, com diversas periferias densas ou muito densas, mas que nutrem relações funcionais com centralidades historicamente hostis ao aumento da densidade demográfica. Em outras palavras, São Paulo inverteu a dinâmica, criando um problema extremamente difícil de ser solucionado.

Um exemplo prático envolve a RER, cuja característica híbrida é viabilizada pela configuração da região metropolitana de Paris (conhecida oficialmente como Ilha de França): como Paris é densa e possui uma rede bastante capilar de ônibus, bondes e metrô (praticamente leve, com trens sobre pneus), sendo rodeada por subúrbios que, à medida que se afastam do núcleo formado pela Paris histórica e a nova centralidade planejada de La Défense, tendem à menor densidade e maior horizontalidade, a RER, que já tem paradas mais espaçadas do que o metrô de Paris, pode aumentar ainda mais o espaço entre as paradas nos subúrbios, conferindo uma característica duplamente expressa (mais direta do que o metrô nas áreas mais centrais, mas mais paradora nas áreas centrais do que nas áreas suburbanas).

A CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), apesar dos conflitos em torno de atendimentos regionais que poderiam aproximá-la da escala de atendimento da RER, tem muito mais dificuldade de atingir um modelo híbrido. Enquanto a RER precisa ganhar capilaridade pontualmente nas periferias, como na Disneyland Paris, citada no vídeo, a CPTM tem se tornado cada vez mais paradora, porque nossas periferias são densas. Nas últimas décadas, linhas como 9-Esmeralda (Osasco-Mendes·Vila Natal) e 12-Safira (Brás-Calmon Viana) ganharam estações, sem qualquer adição de serviço expresso para atenuar distâncias e minimizar o impacto de uma série de paradas combinadas.

Até os dias atuais, há apenas um único serviço realmente expresso em escala metropolitana: o Expresso Leste da Linha 11-Coral (Luz-Estudantes), que opera entre as estações Luz e Guaianazes. O atendimento parador para o mesmo vetor de atendimento é oferecido em dois níveis: (i) pela Linha 3-Vermelha (Corinthians·Itaquera-Palmeiras·Barra Funda), menos paradora; e (ii) pelas linhas de ônibus que circulam ao longo do eixo metroferroviário, mais paradoras.

A questão é que o Expresso Leste existe não porque há escassez de densidade e dinamismo, mas porque há abundância sem dinamismo. Considerando que a Linha 11 inteira tem cerca de 50 km ante os 22 km da Linha 3, o Expresso Leste atua como uma esponja ou barreira que oferece uma viagem com menos paradas para que a demanda de viagens situada entre as estações Corinthians·Itaquera e Estudantes não interfira na já delicada operação das estações da Linha 3 entre Corinthians·Itaquera e Tatuapé (fora do pico) ou Brás (no pico). Absolutamente essencial.

Em suma, graças à nossa urbanização irracionalmente pautada pelo desejo de segregação socioeconômica, preservação de certos modos de vida e predileção a determinadas morfologias, nossa estrutura de atendimento envolve particularidades para além da dicotomia típica entre centros com maior densidade e subúrbios (ou periferias) com menor densidade. Se nenhum conjunto de eventos desencadear profundas mudanças em nossa região metropolitana, a única forma de elevar o conforto das populações periféricas passará pelo aumento da redundância da infraestrutura, combinando serviços expressos e paradores, tal qual já acontece com o Expresso Leste da Linha 11 e a Linha 3, competindo com investimentos para aumento da capilaridade. Cenário este que se agrava com a pressão interiorana, podendo adquirir contornos extremamente preocupantes em virtude do paradigma de regionalização adotado pelo governo estadual.




Se você ainda não acompanha o COMMU, curta agora mesmo nossa página no Facebook e siga nossa conta no Instagram. Veja também como ajudar o Coletivo voluntariamente.



comments powered by Disqus