Por Caio César | 11/12/2024 | 5 min.
Em meio à privatização da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), tenho me perguntado se há muito mais o que cobrir criticamente para o Coletivo.
À medida que os contratos de concessão são celebrados, temos uma noção mais ou menos clara em torno dos investimentos futuros. Como já apontado por mim no âmbito deste Coletivo, o histórico sugere uma redução nos investimentos: média irrisória de R$/ano e ausência de grandes obras de infraestrutura, mesmo algumas intuitivamente necessárias, como a expansão da Linha 13-Jade (Eng. Goulart-Aeroporto·Guarulhos) em direção à porção sudeste da capital, facilitando o acesso às novas (e mais relevantes) centralidades de negócios nas regiões da Paulista e Berrini.
A projeção de demanda é tão limitada perto do resto da malha, que mesmo após a expansão, teremos um quadro de 15 minutos de intervalo médio no trecho compreendido pelas estações Bonsucesso e Gabriela Mistral. Para efeito de comparação, nos trechos de maior carregamento, as linhas 11-Coral (Luz-Estudantes) e 12-Safira (Brás-Calmon Viana) possuem intervalos médios nos picos de 4 e 5 minutos, respectivamente (ver fontes aqui e aqui). Legenda: Expansão pretendida, conforme diagrama atualizado divulgado pelo site Metrô CPTM em 17/09/2024.
Pouco parece restar a ser dito em torno da infraestrutura metroferroviária: muitas das intervenções que gostaríamos que fossem feitas nunca foram propostas pelo governo e, entre aquelas que fazem parte das possibilidades aventadas pelo poder público, só há concretude em torno das mais simples delas, principalmente no caso do Trem Metropolitano, que já vinha enfrentando um longo período de “vacas magras”.
Estações como São Caetano do Sul passaram por intervenções de acessibilidade que, embora bem-vindas e parte de um pacote de reformas que melhoram o acabamento, a iluminação e outros aspectos, são o triste retrato da pobreza projetual que se tornou regra no que parece ser a última década do Trem Metropolitano em regime estatal. Na Estação Eng. Manoel Feio, que já possuía projeto para completa reconstrução, as obras foram ainda mais raquíticas em comparação com as da estação de São Caetano do Sul.
Ficaram parcialmente implantadas estações como Osasco, que nunca foi modernizada por completo, preservando elementos indesejáveis da proposta original do Trem Metropolitano, surgida pelas mãos de outra estatal, a Fepasa (Ferrovia Paulista S. A.); e São Miguel Paulista, que ficou refém de um acesso principal que, embora bastante funcional, rompe com a relação entre ferrovia e comércio popular que existia no passado, além de dificultar a integração com linhas de ônibus.
O espaço para discussão do Trem Metropolitano é microscópico demais, independente do nível de riqueza dos tecidos atendidos, explicitando não haver abertura para qualquer estilo de vida que desvie da seletividade hipócrita de sempre, a despeito dos apelos oportunistas e pouco convincentes em torno da descentralização de São Paulo.
Há maior testemunha do caráter policêntrico da RMSP (Região Metropolitana de São Paulo) do que o Trem Metropolitano? São os trens a espinha dorsal que, em conjunto com alguns atendimentos de linhas municipais e intermunicipais de ônibus, além de infraestrutura para pedestres, como calçadões, dão sentido concreto para a complexidade e diversidade econômica numa região urbanisticamente difusa. São Paulo já apresenta descentralização relevante e os trens da CPTM são uma peça importante dela.
É irônico que, enquanto um discurso em torno de “modos de vida” tenha demarcado certa posição lamentável de intelectuais da arquitetura e urbanismo paulistanos, não exista espaço para um movimento similar ao voltarmos o olhar para um sistema de trens elétricos e silenciosos. Um sistema limpo, extenso e multifacetado, que também pode ser enxergado como um alicerce sólido para “modos de vida” que fujam das discussões viciadas em reduzir São Paulo e sua região metropolitana a Pinheiros, Vila Madalena e outro punhado de bairros.
Sem o Trem Metropolitano, qual seria a alternativa para buscar outra relação com a vasta região que abriga cerca de 20 milhões de habitantes? Desviar boa parte de nossos suados e sofridos salários para custear serviços de táxis e similares? Dirigir compulsivamente e transferir parte da culpa e dos custos para os “fracassados” que “escolheram” dirigir ou simplesmente não podem perder horas atrás de um volante? Desistir da região e aprofundar a dependência do automóvel em outras cidades brasileiras, dentro ou fora do estado de São Paulo?
Francamente, não há hambúrguer artesanal, gelato com sabores da estação ou café com grãos e métodos de preparo especiais que deem conta das limitações impostas por aqueles que dominam o debate. Nada parece importar. Os trens, que estão na mira do rolo compressor dirigido por Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador paulista, e abastecido por Aloizio Mercadante (PT), presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), seguirão tão marginais quanto a maioria de nós.
Eu posso, como provavelmente irei, destacar circuitos, eixos ou qualquer outro tipo de abstração para destacar relações interessantes articuladas pelos trens, mas considero que qualquer esforço do tipo não passará de um exercício documental, antes que o passado tente ser reescrito no futuro, quando alguns poderão dizer que Tarcísio e Mercadante não tinham escolha e só queriam atrair mais investimentos — ou qualquer outro tipo de baboseira para minimizar responsabilidades e anestesiar consciências.
Se você ainda não acompanha o COMMU, curta agora mesmo nossa página no Facebook e siga nossa conta no Instagram. Veja também como ajudar o Coletivo voluntariamente.
comments powered by Disqus