Por Caio César | 11/12/2024 | 4 min.
Quando falamos sobre os trens da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, em processo de desestatização), normalmente, é razoável assumirmos que as composições serão associadas à imagem de superlotação. Os trens, repletos de indivíduos oriundos das mais diversas periferias, há muito, espelham territórios deliberadamente tomados como irrelevantes, a despeito de qualquer fator concreto que indique o contrário.
Numa angústia furiosa, mais uma vez, disparo palavras no vazio cibernético da Internet, denunciando que o Trem Metropolitano, com as inúmeras contradições que permeiam seu processo de recapacitação de mais de meio século, nunca carregou ou foi alvo de tanta hipocrisia.
Qual seria o paradeiro dos intelectuais com declarações empoladas sobre “cidades para pessoas”, “descentralização” e “justiça social”? Não nos trens da CPTM, aparentemente. Nunca nos trens da CPTM.
Omitiram-se diante da privatização das linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda. Omitiram-se também diante da privatização da Linha 7-Rubi, comemorada em recente e recorrente campanha televisiva pelo PT (Partido dos Trabalhadores). Omitem-se agora diante da privatização da espinha dorsal da mobilidade em boa parte do leste metropolitano.
Aos petistas que negam ou não enxergam posturas liberais rasteiras, como sabiamente apontou um leitor em nossa página do Facebook recentemente, gostaria de dizer que o papel do nosso governo federal de centro-direita, covarde e acomodado em relação às dificuldades históricas de mobilização das ruas, será lembrado por mim e por este Coletivo enquanto houver energia. Nenhuma borracha publicitária ou malabarismo argumentativo apagará o papel de avalista do desmonte, perpetrado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) sob a batuta de Aloizio Mercadante.
Aos colegas supostamente progressistas que vivem em bairros “nobres” e desfrutam de salários muito acima da média da RMSP (Região Metropolitana de São Paulo), construindo carreiras que, na melhor hipótese, documentam ou exploram as desigualdades das periferias para fundos bilionários e outros doadores que não merecem menção, sempre a serviço de agendas para as quais boa parte da sociedade não foi convidada a contribuir, é chegado mais um momento sublime. Hoje, mais do que nunca, o silêncio vale mais do que qualquer palavra dita. Nós não estamos na mesma trincheira. Nunca estivemos.
Decidi romper com o silêncio após sofrer ao longo do processo de revisão do ordenamento territorial da capital paulista, que levou alguns anos para ser concluído, atravessado por uma pandemia e tentativas de interdição de uma esquerda sem maioria no parlamento municipal. Enquanto as engrenagens legislativas giravam, ora mais depressa, ora nem tanto, eu busquei fazer um debate relativamente pacífico, quase acadêmico, mas esbarrei na profunda antipatia de sujeitos desacostumados a terem suas posições de poder e prestígio questionadas dentro do campo progressista.
Mais uma vez, nós, que temos vidas para além de esferas partidárias ou organizações questionáveis do terceiro setor, pagaremos o preço para sermos mão de obra descartável nos cafés e restaurantes que frequentam; pagaremos o preço para morarmos nos confins do inferno e contribuirmos com a preservação das paisagens racistas que tanto romantizam; e pagaremos o preço para sermos enlatados nos meandros invisíveis das tabelas vomitadas a fim de embasar o próximo estudo que será apresentado em alguma unidade do SESC (Serviço Social do Comércio).
E não estou falando aqui apenas dos mais miseráveis, que morrerão de fome se a incompetência privada paralisar linhas ou dilapidar infraestruturas que tanto demoraram a ser modernizadas, mas de um espectro amplo, que cada vez mais se distancia de uma esquerda aburguesada. Estou incluindo neste vasto espectro uma imensa classe média remediada, que tem orgasmos sonhando com casas assobradadas de milhões e carros populares de dezenas de milhares de reais.
Trevas no horizonte E se Tarcísio de Freitas (Rep), atual governador do estado de São Paulo, conseguir avançar com o rolo compressor? E se todas as linhas do METRÔ (Companhia do Metropolitano de São Paulo) e CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) forem privatizadas? E se a privatização selar um nível de serviço degradado para toda a malha, similar aquele das linhas 8-Diamante (Júlio Prestes-Itapevi-Amador Bueno) e 9-Esmeralda (Osasco-Mendes·Vila Natal)?
Não tenho nenhuma ponte para queimar. Não tenho apreço por nenhuma reputação ou indivíduo que possa ter se sentido ofendido. Não há relacionamento a preservar aqui. Perecerei como a maioria, numa inabalável honra marginal e mundana. Sem distinção, sem relevância. Não há orgulho maior do que ser um trabalhador como qualquer outro, mas também não há maior sofrimento do que ser esmagado pela própria condição estrutural.
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