Por Rodrigo dos Santos | 09/02/2025 | 8 min.
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De partida, é importante salientar que o CRUSP (Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo) foi construído em 1963 para os Jogos Pan-americanos, contudo, com o estabelecimento da ditadura nos anos 60, tudo foi fechado, sendo que parte foi demolida, parte virou administração da universidade. Houve uma invasão, revertida depois. Com a redemocratização, os blocos A a G foram fechados e reformados para fins de moradia estudantil, assim, no final dos anos 1980 todo o CRUSP foi oficialmente reinaugurado.
Até o início dos 2000 a USP (Universidade de São Paulo) ainda investia no CRUSP, realizando a troca de móveis, manutenção nas lavanderias, etc., mas depois, devido à natureza aberta do local, bem como o desinteresse da própria USP, o conjunto foi ficando cada vez mais abandonado, culminando na situação que estava na pré-pandemia, em 2019: ausência de cozinhas coletivas (tudo roubado, nem as bocas dos fogões foram poupadas), ausência de lavanderias (todas as máquinas quebradas), corredores sem luz, nenhum acesso à Internet, vazamentos, incêndios, além de crimes diversos.
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Parte da situação de abandono sempre foi mascarada ou protegida pelos ditos "irregulares" — pessoas sem vínculo com a USP que moram lá, em virtude da abertura e ausência de controle de acesso —, alguns dos quais terminaram suas graduações e/ou pós-graduações e continuam lá, enquanto outros nem mesmo são da USP. Não por acaso, parte substancial dos irregulares fez oposição ao fornecimento de acesso à Internet no CRUSP, suspeitando que melhorias na infraestrutura resultaram em vigilância e, consequentemente, expulsão por ausência de vínculo com a universidade.
No bojo do conflito acima resumido, temos a figura da AMORCRUSP (Associação de Moradores do CRUSP), que passou por momentos com chapas independentes, focadas em melhorias, e momentos com cooptação por partidos políticos. Houve ainda momentos de domínio por irregulares. A situação em 2019, que já se arrastava nos anos anteriores, era de irregulares comandando a Associação, principalmente por uma figura chamada Lucas Bustamante Cacciaguerra.
Com a chegada da pandemia, algumas pessoas (incluindo o autor deste texto) tentaram se mobilizar por melhorias urgentes no CRUSP. A organização se baseou em grupos no WhatsApp, coisa que não existia até então. Eis que começaram a aparecer as incongruências: os irregulares, também conhecidos como autonomistas (por quererem o CRUSP autônomo, sem interferência da USP, mas ironicamente com a universidade provendo tudo) priorizavam, entre outros absurdos, festas na associação de moradores — a pichação "3000 mortos por dia e tem cruspiano fazendo festa" foi uma reação ao fato.
Devido à pandemia, os autonomistas começaram a perder força, consequentemente, a conexão à Internet passa a ser disponibilizada no Conjunto a partir de 2021. Em 2022, esse grupo desiste da AMORCRUSP e outras pessoas, sem vínculo partidário, a assumem. No mesmo ano, o mandato do atual reitor, Carlos Gilberto Carlotti Júnior, tem início e algumas áreas da USP são reestruturadas; uma delas é a justamente gestão do CRUSP.
Com a reformulação iniciada por Carlotti Júnior, é criada a PRIP/USP (Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento da Universidade de São Paulo) que abarca a antiga SAS/COSEAS (Superintendência de Assistência Social/Coordenadoria de Assistência Social) e outras áreas como alimentação (bandejões), direitos humanos, comissão de heteroidentificação, etc.
Foi durante a reformulação que a gestão nova da AMORCRUSP (gestão Avante) começou a utilizar o dinheiro da Associação na própria comunidade — foi que o autor a conheceu, pois até então não se sabia com o dinheiro arrecadado com aluguel da USPÃO e da copiadora do CRUSP era gasto. Lá por abril de 2022, começaram a consertar as máquinas de lavar, oferecer cursos de idiomas e outras atividades, comprar materiais de construção para empréstimo, etc.
Considerando as reuniões da Associação a partir de 2022, ao contrário da gestão anterior, era perceptível o interesse de se fazer algo para os moradores, o que abriu espaço para o fortalecimento de uma pauta que muita gente vinculada à USP queria: o controle de acesso, uma resposta aos inúmeros casos de arrombamento, assédio e invasão pela falta de controle. Os autonomistas e alguns membros do movimento estudantil não ficaram felizes.
No final de 2022 houve uma assembleia na qual os autonomistas tentaram destituir a gestão Avante. Não conseguiram, e por não conseguirem, alguns deles partiram para a violência, principalmente o senhor Cacciaguerra, que arrebentou uma cadeira na cabeça de um colega (o aluno, amedrontado, se viu obrigado a mudar de apartamento). Em dezembro de 2022, houve outro fracasso: uma tentativa malsucedida de invasão da AMORCRUSP (fecharam a lavanderia que havia sido construída e perderam o apoio dos moradores).
Cacciaguerra foi expulso da universidade após um processo administrativo recheado de provas e, no meio tempo, a pressão sobre a PRIP levou à conquista de melhorias para o CRUSP, como construção de novas lavanderias, iluminação nos corredores, porteiros 24 horas, troca de móveis e reabertura de cozinhas.
Na eleição de 2023, os autonomistas perderam para a chapa Avante, grupo formado majoritariamente por pessoas sem partido (a exceção eram apenas uns dois que eram da Esquerda Marxista). Tudo parecia seguir bem, até que outro grupo surgiu: o Movimento Correnteza, que já começou acolhendo gente que veio de fora e que nem havia terminado o ensino médio para morar no CRUSP.
Apesar das mentiras dos rebeldes do Correnteza, mais melhorias foram conquistadas para CRUSP pela chapa Avante, como, por exemplo, a refeição de janta aos sábados (talvez a maior conquista do período), bem como a PRIP foi removendo pessoas sem vínculo com a universidade, apesar das acusações do Correnteza, que considerava que se tratava de eugenismo e expulsão de estudantes, ainda que alguns dos estudantes estivessem morando há 20 anos ou ocupando todo o alojamento.
No começo de 2024, o Correnteza cooptou um grupo de aproximadamente 50 calouros com a promessa de conquistar alojamento estudantil no CRUSP. Inicialmente, a manobra envolveu pedir para a PRIP liberar o alojamento do Centro Esportivo, algo inédito: até então, nunca havia sido feita a liberação do alojamento esportivo para pessoas que estavam esperando vaga no CRUSP. O alojamento foi liberado pela PRIP mediante conversas com a diretoria do CEPEUSP (Centro de Práticas Esportivas da Universidade de São Paulo).
A liberação abriu margem para que a mídia reportasse a situação da moradia estudantil no campus, incluindo o Jornal do Campus e a sucursal paulista do Metrópoles. A PRIP não ficou feliz com a cobertura negativa após a “solução a toque de caixa”. Salienta-se que os alojados no CEPE já estavam recebendo auxílio em dinheiro (800 reais).
Na eleição seguinte para a AMORCRUSP, não só a composição anterior da chapa Avante já estava enfraquecida (alguns se formaram, outros ficaram desgastados com os conflitos comunitários), mas também pessoas com afinidade de pauta (busca por melhorias na infraestrutura, estabelecimento de controle de acesso e diálogo com a reitoria). Finalmente, a manobra do Movimento Correnteza culminou na inserção dos alojados provisórios para que votassem como residentes do CRUSP. Resultado: vitória por aproximadamente 40 votos, graças a máquina eleitoral contra um grupo de pessoas sem vínculo partidário.
A gestão do Movimento Correnteza, iniciada em abril de 2024 (ou algo do tipo) é uma nulidade e a prestação de contas é vergonhosa. Mais uma vez, recursos são desperdiçados com festas. Em conjunto com autonomistas e anarquistas, conseguiram barrar a instalação de portões pela PRIP em 2024. Uma nova tentativa foi feita em janeiro de 2025, o que resultou em abertura de medidas administrativas.
Enquanto a busca por poder dos rebeldes continua, resultando em interferências que objetivam enfraquecer as ações da USP no local, arrombamentos, assédios e outros problemas continuam a acontecer — há até o caso recente de expulsão face à acusação de estupro de pessoa com deficiência. Oposicionistas (incluindo o autor deste texto) são ameaçados de morte e perseguidos nas redes sociais. Apesar das tensões, segundo o texto de opinião assinado por Ana Lucia Duarte Lanna em 2 de janeiro de 2025 no jornal Folha de São Paulo,
No início de 2022, tínhamos 1.113 vagas individuais e apenas 747 eram ocupadas por moradores regulares, ou seja, estudantes da USP com direito à vaga na moradia (apenas 67,11%).
No final de 2024, estávamos com 1.281 vagas disponíveis, sendo 1.086 delas (84,78% do total) ocupadas por moradores regulares, estudantes da USP selecionados a partir de uma lista única vinculada ao Programa de Apoio à Permanência e Formação Estudantil (Papfe). Apenas 117 moradores (9,1% do total) são estudantes USP em situação irregular.
A maioria dos moradores é a favor do controle de acesso (não surpreendentemente, foram feitos abaixo-assinados entre 2021 e 2023, conforme sublinhado pelo Jornal do Campus em setembro do ano passado), portanto, os argumentos de racismo e eugenismo são descabidos, sendo mera cortina de fumaça envolvendo fraudadores de auxílios (gente que ganha R$ 800 e mora no CRUSP). As acusações são feitas infantilmente, forçando falsas dicotomias que dificultam a compreensão das complexidades em torno do Conjunto.
O assunto é um verdadeiro vespeiro, mas precisa ser colocado publicamente para discussão, uma vez que tangencia a necessidade da formulação de políticas habitacionais robustas na região metropolitana.
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