Por Caio César | 23/02/2025 | 6 min.

Lamentavelmente, de novo, encontramos um mandato de um partido de origem operária e metalúrgica se perdendo nos devaneios de herdeiras milionárias e, pior, oferecendo combustível para avaliações distorcidas do espaço.
Considerando a defesa da mudança do conjunto de lotes que compõe um minúsculo perímetro de Pinheiros batizado como “Vilas do Sol” para ZPR (Zona Predominantemente Residencial), gostaríamos de entender por qual motivo determinadas características estão sendo atribuídas de maneira exagerada e irrazoável.
A utilização de ruas, vielas ou qualquer outro tipo de passagem estreita não é exclusiva de tecidos cuja morfologia resulta em menor densidade em virtude do uso misto e gabarito limitado, muito menos a arborização pontual. O que existe, na realidade, são lotes impermeabilizados, automóveis por todos os lados e um comércio de luxo que se comporta como o lifestyle center dos subúrbios de grandes sobrados e mansões situados nas proximidades (Alto de Pinheiros a oeste e Jardim Europa e Jardim América a leste), funcionando ainda como uma barreira para um miolo de casas com acesso controlado.
Ao colocar “lenha na fogueira”, Nabil se acovarda e prefere proteger privilégios indefensáveis a lutar por uma produção tanto imobiliária quanto de infraestrutura urbana, verdadeiramente decente e inclusiva. E, sim, as duas coisas são mutuamente excludentes! Ou o mandato luta por uma cidade densa, compacta e com uma infraestrutura mais verde e menos carrista, ou defende tecidos de baixa densidade que reduzem artificialmente a oferta de unidades habitacionais, encarecem o custo de vida e contam com atributos indesejáveis, como elevado número de vagas de garagem por habitante e ruas com acesso controlado e calçadas com obstáculos (parte dos quais, aliás, compõem o frágil paisagismo que está longe de exercer a função aludida pelo vereador).
Em uma pesquisa no ZAP Imóveis, foram localizadas cinco propriedades na região do quadrilátero, com endereço nem sempre exato:
- Casa com 2 Quartos à venda, 90m² – Pinheiros: anúncio A (R$ 3.404.000);
- Casa com 5 Quartos para venda ou aluguel, 467m² – Pinheiros: anúncio B (R$ 7.000.000);
- Sobrado com 3 Quartos à venda, 240m² – Pinheiros: anúncio C (R$ 1.700.000);
- Sobrado com 3 Quartos à venda, 254m² – Pinheiros: anúncio D (R$ 4.300.000), anúncio E (R$ 5.500.000) e anúncio F (R$ 3.850.000);
- Casa com 3 Quartos à venda, 200m² – Pinheiros: anúncio G (R$ 4.000.000).
Os comentários da publicação, mais uma vez, sem a moderação adequada, contaram com pessoas eleitoras ou simpatizantes do mandato rotulando como pombais edifícios de apartamentos com metragem comparável a 10% ou 15% da área dos imóveis nos anúncios acima. Muita gente, pelo visto, mora num pombal, resta saber se o Partido dos Trabalhadores deseja o voto delas ou se prefere o “bom gosto” de quem não consegue controlar o próprio veneno.
É bastante desafiador financiar trivialmente um imóvel de “mau gosto” com metragem de 35 m² a 50 m² em bairros na borda do Centro Expandido. Imóveis nos tais “pombais”, cujo preço rapidamente pode saltar de R$ 250 mil para R$ 500 mil. Preços estes que sofrem influência de uma produção que pode exigir anistia futura por irregularidades diversas, o que diz muito mais sobre a ausência de capital e capacidade técnica das periferias, mesmo as mais próximas do Centro Expandido, do que o mandato talvez esteja preparado para aceitar, numa cruzada contra irregularidades que não está associada à garantia de habitação de qualidade para a maioria de nós.
Fica a dúvida: qual seria a saída num hipotético cenário no qual a maioria de nós não pode gastar R$ 2 milhões ou mais para morar num imóvel em Pinheiros? E mais: quais seriam os valores que a classe trabalhadora deveria incorporar quando a moradia que conquista com dinheiro suado é estigmatizada sob conivência do gabinete?

Quem iluminará a maioria na busca por habitação compatível com o teor dos comentários aceitos pelo gabinete? A quais outros castigos precisamos nos submeter para o preservacionismo imprudente e preconceituoso ganhar mais espaço? Favelizar o interior por completo? Surfe ferroviário? Viajar em carros velhos, inseguros e poluidores durante a madrugada para conseguir chegar no trabalho? Morrer mais cedo do que já se morre numa vida de confinamento e humilhação forçados em bairros como a Cidade Tiradentes?
Se queremos maior arborização em Pinheiros, não faremos com oásis que dependem de gente pobre que cruza a Zona Leste inteira para ser superexplorada por um empresariado que se acha descolado, mas com coragem para resolver os problemas nas suas raízes! Se os novos edifícios, aos olhos do mandato, encabeçado pelo relator do Plano Diretor Estratégico de 2014, carecem de permeabilidade e arborização, é porque o ordenamento assim permite! Já se o sistema viário da região privilegia asfalto vomitado às vésperas das eleições a calçadas largas, mobiliadas e arborizadas, não é um quadrilátero de luxo a solução, mas sim uma discussão muito mais complicada, abarcando do PlanMob (Plano de Mobilidade Urbana) à CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) do município, pois se trata de uma estratégia do Executivo legitimada pelas urnas!

Para defender um centro comercial e residencial de luxo, a Gazeta de Pinheiros, mais uma vez, retomou a interpretação ingênua do Plano Diretor Estratégico, reforçando uma noção genérica de “trabalhadores” e “interesses imobiliários”. Em tela, mais uma vez, quem especula com restrições artificiais é tratado como herói, enquanto a produção imobiliária é generalizada como uma casca vazia e de utilidade duvidosa. Legenda: Galeria da viagem ao quadrilátero em abril de 2024.
O mandato pode ter muito eleitor de trajetória aburguesada e com patrimônio familiar na casa dos milhões de reais, mas gente assim é minoria na região metropolitana inteira. Se a esquerda quer sobreviver, precisa falar com as massas. E as massas não moram num quadrilátero irrelevante e que fundamentalmente depende de opressão e exclusividade para se manter inebriando consumistas.
Nabil, vem cá, você vai legislar para gente como eu, que vive entre os 35% da população, ou para gente como as herdeiras do quadrilátero? Escolha sabiamente, pois para agradar quem confunde Pinheiros com Itu ou Cerquilho, será preciso desagradar quem sabe muito bem o que é enfrentar trens lotados, encarar loteamentos clandestinos ou financiar apartamentos num “pombal” até a velhice.
E às supostas pessoas e organizações aliadas que curtem as publicações elitistas do senhor Bonduki, só resta o desprezo. São Paulo não é abundante apenas em miséria urbana, mas também em miséria intelectual e mau-caratismo. Ainda sofreremos muito.
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