Quadrilátero de luxo não é “oásis”

Por Caio César | 25/02/2025 | 6 min.

Legenda: Fotografia dos limites das Vilas do Sol, na rua Mateus Grou, Pinheiros. Morfologia não condiz com infraestrutura instalada. À direita, um supermercado, comparável à nada popular rede St. Marche, batizado com o sugestivo nome de Quitanda
O Quadrilátero Vilas do Sol não é modelo porque ele não é nem inclusivo, nem racional! O estado não construiu uma linha como a 4-Amarela (Luz-Vila Sônia) para que nós, progressistas, atuássemos para proteger quadriláteros com comércio descolado em sobrados velhos ou imensos bairros de mansões a uma distância caminhável. Não há nenhum oásis ali e a própria ideia de oásis é um grotesco desfavor, que não deveria partir de quadros do Partido dos Trabalhadores

O recente caso do Quadrilátero Vilas do Sol, mais uma vez, expõe uma argumentação criativa (para não dizer desonesta) e polarizadora, que pouco contribui para a construção de uma agenda robusta em torno da melhoria da urbanidade das cidades da RMSP (Região Metropolitana de São Paulo). Pelas falas de Nabil Bonduki (PT), vereador eleito na última eleição, a região apresenta um modelo que equilibra a verticalização. Discurso perigoso.

Lamentavelmente, de novo, encontramos um mandato de um partido de origem operária e metalúrgica se perdendo nos devaneios de herdeiras milionárias e, pior, oferecendo combustível para avaliações distorcidas do espaço. Ver essa foto no Instagram Uma publicação compartilhada por Nabil Bonduki (@nabil_bonduki) Legenda: Publicação compartilhada por Nabil Bonduki em parceria com o Pró-Pinheiros em 23 de fevereiro de 2025 Considerando a defesa da mudança do conjunto de lotes que compõe um minúsculo perímetro de Pinheiros batizado como “Vilas do Sol” para ZPR (Zona Predominantemente Residencial), gostaríamos de entender por qual motivo determinadas características estão sendo atribuídas de maneira exagerada e irrazoável.

Todos os atributos do quadrilátero elogiados pelo arquiteto e urbanista podem ser aplicados em tecidos mais densos, mais verticais e mais inclusivos.

  • Arborização nos logradouros? Fácil, basta reduzir a largura de grandes avenidas desenhadas sem respeito pela escala humana;
  • Arborização nos lotes? Ainda mais fácil, basta exigir parâmetros que estimulem uma maior presença de árvores e áreas permeáveis com cobertura vegetal em empreendimentos verticais, os quais, inclusive, pelas dimensões que podem apresentar e capital empenhado, estão em posição muito melhor para garantir bons espaços arborizados quando comparados a pequenos lotes predominantemente ocupados por edificações assobradadas;
  • Ruas calmas? Nenhuma novidade, apenas não existem mecanismos e atmosfera política para minimizar o viário, banir automóveis, estreitar ruas, etc.

Nenhum negócio do quadrilátero é irreplicável. Praticamente todos podem ser implantados em térreos de edifícios com galerias e arborização. Ah, o mercado não tem feito empreendimentos assim? Culpa nossa, por fazermos parte de uma sociedade que, na recente revisão do ordenamento, admitiu o sequestro da discussão por gente mesquinha e bairrista. Uma revisão disputada por duas direitas: (i) uma mais liberal e submetida às forças mais capitalizadas; e (ii) outra mais reacionária e atuando como jagunço de grupos de proprietários privilegiados.

Recentemente, o LabCidade publicou um trabalho muito interessante a respeito de como a população está distribuída em São Paulo e parte da periferia metropolitana. Intitulado “A verticalização de mercado em São Paulo é branca”, o artigo suscitou uma série de reações, à direita e à esquerda, ou seja, temos mais uma oportunidade de reflexão e de retomar críticas publicadas anteriormente. Não quero entrar em detalhes sobre as reações, mas quero tecer alguns comentários a partir delas.

Por que estamos dando espaço para gente mais preocupada em perpetuar uma cidade disfuncional e estruturalmente racista? Não seria o papel de quadros da esquerda lutar para melhorar a oferta de unidades e a qualidade do espaço construído na totalidade? Ora, não existe boa intenção quando ela é fundamentalmente contrária ao bem-estar da maioria da classe trabalhadora, dependendo de muitas Itaqueras e Grajaús, com suas linhas 3 e 9 apinhadas de gente sem voz.

Quem pode interferir na disputa, está mais preocupado em preservar privilégios. Não interessa quem Nabil Bonduki é ou quais sentimentos as herdeiras aliadas a ele possuem: nada disso está acima da realidade concreta da maioria, que enfrenta transportes públicos lotados e tem seu tempo e expectativa de vida expropriados cruelmente.

Eu não votei num professor com trajetória consagrada na arena habitacional para ouvir baboseiras sobre lugares cuja existência é sinônimo de violência e segregação. Não sei se falta vergonha, caráter ou coragem, mas não é admissível. Ninguém deveria se calar diante da absurda distância entre o mandato e a maioria, o que não se resolve com visitinhas para gravação de Reels no Instagram, mas com demonstrações claras dos próximos passos dentro e fora do Legislativo.

As demandas de bairros como Pirituba, que tem recebido grandes condomínios verticais com unidades do segmento de HMP (habitação de mercado popular) não são menos importantes e, mais ainda, exibem uma produção imobiliária muito inferior em qualidade e variedade, a qual, aparentemente, serve apenas como combustível para dar força às demandas dos endinheirados do Centro Expandido.

A acumulação desregulada de propriedades imobiliárias, térreos tomados por grandes imóveis de locação deliberadamente difícil, excessiva rigidez tipológica de unidades, flagrante omissão do poder público quanto ao estoque público e privado, entre outros fatores, são escolhas! Nós escolhemos criar uma cidade ruim, difusa e cruel. A preservação de tecidos de baixa densidade e de privilégios não atenuará as escolhas do passado e só servirá para reforçar a ideia de uma cidade falsamente dual, que supervaloriza antigas construções de, no máximo, quatro ou seis andares (e olhe lá!), para atacar tudo aquilo que é novo, mas não passa num crivo que, recorrentemente, dá sinais de ser perverso.

Se a saída para São Paulo é fazer apenas prédios baixos com grandes apartamentos ou comércio de nicho, então é melhor aprendermos a viver sem água, porque nossas represas não sobreviverão à pressão habitacional, como já não têm resistido bem há décadas, com uma grita obviamente muito menor. Precisaremos inviabilizar Billings e Guarapiranga para, enfim, lugares como o Grajaú receberem a visibilidade merecida?

Motivação Os chamados “predinhos” se transformaram numa espécie de “produto validado” para progressistas endinheirados que buscam localização estratégica, como bairros centrais com boa oferta de empregos e amenidades, com forte diferenciação em relação às classes médias e altas. O desejo (ainda que velado) de exclusividade e filtragem socioeconômica robusta é ofuscado pela tentativa de convencimento (próprio ou auxiliado pelo mercado) de que tudo não passa da busca por uma relação charmosa entre pessoas e cidade, uma versão de aço e concreto da “gastronomia afetiva” que superfatura cafés e torradas no “bairro nobre” mais próximo de você.

Qual o nosso problema? Incapacidade de interpretação de mapas? Dificuldade de navegar por sites de anúncios e testemunhar o preço dos imóveis na região? Fetiche com certas mercadorias imobiliárias, como mansões e velhos sobrados? Pouca familiaridade com a paisagem evidenciável ao viajar em trens e ônibus?

Não podemos ter um Centro Expandido arborizado e denso sem precisar apelar para a preservação de lugares irrelevantes? É impossível trabalhar em prol de um imposto progressivo no tempo, que dissuade a acumulação de imóveis? Sério, vamos parar de tergiversação e trabalhar dando prioridade às periferias, com foco nas classes baixas e na baixa classe média, sem bater a cabeça na parede com políticas que miram na alta classe média e nas classes altas.

Eis o melhor cabo eleitoral para a direita: o mandato de esquerda que se perde entre ruas e pessoas nababescas, ignorando o vertiginoso abismo socioeconômico que tanto nos atravessa.




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