Por Caio César | 02/03/2025 | 5 min.

Em sua recente visita ao Alto Tietê, o atual governador do estado, Tarcísio de Freitas (Republicanos), deixou clara a chantagem que se tornou regra em seu mandato: para ele, a discussão dos pedágios em rodovias que passam por solo mogiano não só está superada, mas faz parte de um modelo inevitável.
O governador bolsonarista considera que o pedágio é um pilar inegociável da concessão almejada, que, por sua vez, é a única maneira de viabilizar a retirada de recursos do erário. Para Tarcísio, sem contar com a presença de capital privado, São Paulo simplesmente não tem capacidade para encarar os desafios que sua administração enxerga.
A posição inegociável de Tarcísio, somada à presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para um anúncio conjunto e amistoso de um túnel submerso entre os municípios de Santos e Guarujá, reforça que não há espaço para oposição às novas concessões que estão sendo celebradas.
O portal G1, ligado ao leviatã midiático do Grupo Globo, resumiu a fala do presidente no encontro da seguinte forma: “ressaltando que tanto ele quanto o governador têm tido bom entendimento para avançar em obras que vão contribuir com o desenvolvimento do estado e país”. A expressão “obras que vão contribuir com o desenvolvimento do estado e país” é chave, até porque, não está em jogo o tipo de contribuição e/ou de desenvolvimento. Seria mais do mesmo jornalismo declaratório goela abaixo?
Quando pessoas como nós questionamos o teor das concessões, independente de já terem sido celebradas ou não, temendo um descolamento entre os investimentos alardeados e nosso cotidiano miserável, estamos sendo, simultaneamente, uma pedra no sapato de duas forças personalistas, extremamente importantes dentro da esquerda e da extrema-direita.
O governador bolsonarista, que, sem grandes empecilhos, posa com o boné vermelho do trumpismo e minimiza a recente tentativa de golpe de estado, é tratado como aliado pelo presidente. Já Lula, em seu terceiro mandato presidencial, vive um momento de desgaste e precisa lidar com uma base direitista fisiológica (aquela que insistentemente é tratada como sendo centrista, quando está longe de sê-la), escancaradamente prefere potencializar o desmonte e as privatizações a arriscar sua imagem perante a mídia e o empresariado. O mesmo não pode dito de Tarcísio, cuja aprovação nada de braçada.
Sem dúvidas, dias difíceis para quem ousou interpretar a última Pesquisa Origem e Destino e, diante das conclusões, encontrou ainda mais elementos para se recusar a repetir acriticamente boletins das secretarias do governo paulista.
Para agravar ainda mais a situação, os receios não giram apenas em torno das experiências amargas em concessões como as das linhas 8-Diamante (Júlio Prestes-Itapevi-Amador Bueno) e 9-Esmeralda (Osasco-Mendes·Vila Natal, com operação assistida até a Estação Varginha), reconhecidamente mal avaliadas, ou da Linha 4-Amarela (Luz-Vila Sônia), excessivamente garantista e com tarifa real muito acima da praticada nas bilheterias, mas pelos rumos da sociedade e seus instrumentos combativos e informacionais. Em outras palavras: sofremos nas linhas 8 e 9, pagamos caro pela Linha 4 e, ainda por cima, temos uma imprensa cúmplice e uma sociedade omissa.
Na arena regional, pouco disputada pelos grandes jornais oligárquicos da capital paulista, o ambiente é de reprodução acrítica. Boletins do governo são reproduzidos com pouca ou nenhuma alteração. Veículos que deveriam ter maior capacidade crítica em virtude da maior proximidade com os territórios que cobrem, na prática, são preguiçosos e incompetentes. Para um exemplo recente, basta pesquisar por “Concessão das linhas 11, 12 e 13 reduzirá intervalos nas viagens de trem entre Mogi e São Paulo” no Google.
Como resposta ao desafio regulatório que está sendo autoinfligido pelo governo estadual, reformas administrativas envolvendo a EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos, que estava sob risco de extinção desde o governo de Jão Dória, então um quadro do PSDB) e a ARTESP (Agência de Transporte do Estado de São Paulo) estão sendo colocadas em prática. Quais garantias temos de que o suposto fortalecimento da ARTESP será, de fato, benéfico para um estado cada vez mais refém de concessionárias? Nenhuma.
Em suma, não só não podemos criticar as concessões em paz, pois quando o fazemos, incomodamos militantes de partidos supostamente de esquerda, como também não encontramos interessados em garantir o cumprimento das promessas associadas a elas! Para piorar, com o discurso austericida, ainda que supervalorize a exígua participação popular que promove, o governo Tarcísio deixa claro que há pouca margem para ampliação do escopo das concessões.

Quando falamos sobre os trens da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, em processo de desestatização), normalmente, é razoável assumirmos que as composições serão associadas à imagem de superlotação. Os trens, repletos de indivíduos oriundos das mais diversas periferias, há muito, espelham territórios deliberadamente tomados como irrelevantes, a despeito de qualquer fator concreto que indique o contrário. Numa angústia furiosa, mais uma vez, disparo palavras no vazio cibernético da Internet, denunciando que o Trem Metropolitano, com as inúmeras contradições que permeiam seu processo de recapacitação de mais de meio século, nunca carregou ou foi alvo de tanta hipocrisia.
Concessões de rodovias continuam seguindo o velho receituário de indução da utilização do automóvel. Enquanto a “receita de bolo” rodoviária pode garantir boa receita nas praças de pedágio ou na cobrança por distância (chamada de free flow), aumenta a pressão sobre nossas cidades. Nenhuma concessão rodoviária recente, incluindo aquelas exclusivamente sobre responsabilidade do governo federal, considera minimamente a presença do transporte coletivo, nem mesmo para provimento de uma infraestrutura a ser explorada mediante concessão ou algum outro arranjo que não altere a química ideológica.
Já nas concessões ferroviárias, para agradar ao eleitorado interiorano com serviços regionais de baixíssimo desempenho, o governo ameaça toda a operação do “sistema nervoso” que toca 23 municípios distribuídos ao longo da RMSP (Região Metropolitana de São Paulo) e da RMJ (Região Metropolitana de Jundiaí). Para piorar, os futuros trens regionais preservarão as premissas problemáticas, mas envolverão contratos totalmente segregados dos metropolitanos, ou seja, teremos potencialmente duas empresas privadas com serviços concorrentes, distintos e pouco solidários, disputando toda ou parte de faixas de domínio com severas restrições geométricas.
Veremos em 2026. Há quem aponte que não seria muito bonito.
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